Banca de Quadrinistas 2017: conheça as mulheres que expuseram seus trabalhos

por Amanda Rigamonti e Victória Pimentel

Nos dias 2, 9 e 23 de agosto de 2017 aconteceu no Itaú Cultural a segunda edição da Banca de Quadrinistas. Entre os 45 expositores da feira de HQs – alguns convidados e outros selecionados por meio de chamada aberta –, participou uma série de artistas mulheres com projetos autorais solo ou em parceria com outros quadrinistas, projetos e selos editoriais. 

Veja também:
>> Vídeo: Mulheres e HQ – Caminhos da HQ (2016)

Conversamos com 15 dessas artistas e, abaixo, apresentamos um pouco de seus trabalhos, que tratam não apenas de suas experiências pessoais como mulheres, mas também de variados temas expostos nos mais diferentes formatos. Elas compartilham momentos de sua trajetória no mundo dos quadrinhos, bem como algumas de suas referências e dicas para quem está começando a criar.

Aline Lemos

Aline Lemos é natural de Belo Horizonte e produz quadrinhos e zines de forma independente desde 2013. É mestre em história e possui formação complementar em design gráfico e artes plásticas. Participa do Lady’s Comics, site que reúne trabalhos de mulheres no universo da HQ. A artista assina como Desalineada.

Aline apresenta um de seus fanzines, Melindrosa (foto: Agência Ophelia)

“Eu comecei a fazer quadrinhos para expressar as minhas questões como mulher – e depois como mulher bissexual – e para trazer pautas políticas também. Depois fui diversificando um pouco, porque gosto muito de explorar coisas novas, formatos novos, temas novos. Eu diria que o meu trabalho é bem político, feminista e experimental também: eu gosto de ficção científica, gosto de história da arte... Então acaba variando muito.”

“O meu processo criativo tem muita influência da minha formação como historiadora, porque gosto muito de pesquisar. Por exemplo, o Melindrosa foi um fanzine que fiz em 2015, quando eu estava bastante interessada em art déco e nos anos 1920 e 1930. Então trago coisas de outros campos para minha inspiração. Meu processo criativo tem muita pesquisa por causa disso, porque gosto de ler, juntar referências, depois maturar e tentar criar algo novo que se comunique com as pessoas.”

Referências: “Algumas das minhas referências são Gabriela Masson, do Lovelove6, Laura Athayde e Sirlanney. Artistas independentes me inspiram muito, porque elas me fizeram acreditar que eu também poderia ser artista”.

Lorena Kaz

Lorena Kaz é designer, ilustradora e quadrinista. Trabalha com ilustração de livros didáticos e se dedica a projetos pessoais como a página no Facebook Uma Lhama por Dia, que deu origem a seu primeiro livro autoral, Uma Lhama no Cinema. Em 2017, lançou o projeto Morrer de Amor e Continuar Vivendo, que reúne histórias sobre dependência emocional.

O livro Uma Lhama no Cinema foi o primeiro trabalho publicado de Lorena (foto: Guilherme Castoldi)

“Eu fiz uma viagem para a Bolívia e meu irmão adora lhama. Eu queria trazer pra ele alguma coisa de lhama, mas queria algo moderninho e não tinha. Só tinha o clássico, gorro, essas coisas. Aí falei: 'Bom, eu vou ter que desenhar uma lhama e vou fazer uma lhama de rabino, porque a gente é judeu e ele gosta desse tema'. Aí, já que eu fiz essa pra ele, pro meu outro irmão fiz uma lhama com a camisa do Flamengo, porque ele é superflamenguista. Minha mãe faz cerâmica, então fiz uma lhama fazendo cerâmica. Comecei a fazer uma lhama pra cada um, foi todo mundo pedindo mais e eu criei a página.”

“Há cinco anos eu tive um relacionamento abusivo e comecei a entender o que era a dependência emocional. Eu me descobri dependente emocional e passei a fazer vários tratamentos para sair disso: terapia, homeopatia, meditação. Quando melhorei, eu falei: 'Quero ajudar outras mulheres que estejam nessa situação de dependência, que não conseguem viver sem namorado, que estão num relacionamento ruim e não conseguem terminar porque não podem viver sozinhas'. Desde então eu fiz muitos trabalhos, fui voluntária no Centro de Valorização da Vida, frequentei o Mulheres que Amam Demais (Mada), estudei por conta própria a independência emocional e agora meu foco é o apoio emocional em geral, porque acho que a gente não tem educação emocional na escola, na vida, na sociedade. Então estou lançando Morrer de Amor e Continuar Vivendo, que são cinco anos de pesquisa – apesar de ter histórias de 12 anos atrás. Passei esses cinco anos bem engajada em coletar reflexões sobre relacionamentos, depoimentos, então é um projeto bem profundo.”

“Eu vejo muita gente que quer que o trabalho seja perfeito, incrível. Mas, depois que você começa, leva tanta porrada que vai vendo que não existe a perfeição, que sempre vai ter coisa pra mudar. Então, quanto antes você começar, antes você começa a aprender também. Eu não acho que você tem de esperar ficar perfeito, acho que o negócio é mostrar pros outros e ser humilde para ouvir também as dicas de quem já está no meio. É engraçado: é ser humilde e não ser. Porque é confiar no seu traço, confiar que é legal e que você já pode mostrar pras pessoas, e ao mesmo tempo ouvir o feedback.”

Referências: “A primeira vez que pensei 'Nossa, eu poderia fazer isso' foi quando vi os quadrinhos da Maitena, da Argentina. Ela fala sobre o dia a dia, sobre o ser humano, o normal, ela não é fantasia. Não é uma coisa que ela inventou, são simplesmente coisas que todo mundo sente, toda mulher. Eu devia ter uns 12 anos e falei: 'É isso que eu quero fazer'.”

Blue Heart

O coletivo Blue Heart é formado por Raquel Fukuda (produtora), Joyce Akamine (ilustradora) e Fernanda Schneider (roteirista). Juntas elas produzem a série de HQs Âmbar Gris, que reúne histórias das três quadrinistas. A série já está em seu segundo volume, lançado neste ano. 

As diferentes histórias de Âmbar Gris, publicação do coletivo Blue Heart (foto: divulgação)

“Sobre a Âmbar Gris, nossa revista em quadrinhos: a gente resolveu trabalhar individualmente, no sentido de que cada uma faria uma história e iríamos juntá-las e lançar. No segundo volume foi a mesma coisa. A ideia é lançar uma por ano e continuar neste esquema: três histórias, três pessoas diferentes.” (Fernanda)

“Cada uma tem o seu processo, mas quando precisamos resolver uma história juntas também temos um processo bem legal. Normalmente é muito fácil e divertido.” (Fernanda)

“Nós tentamos pesquisar lugares onde podemos vender. Não é uma coisa com retorno imediato, talvez nunca vá ter, mas é isso: temos de encontrar os lugares onde podemos circular, conhecer pessoas e se dar um prazo para produzir.” (Fernanda) 

Referências: Alison Bechdel, Wendy MacNaughton e, no Instagram, @sowiesowies.

Cris Peter

Cris Peter é uma colorista brasileira que atua principalmente no mercado norte-americano de quadrinhos, já tendo trabalhado para editoras como DC Comics e Marvel Comics. Foi a primeira brasileira a ser indicada ao Eisner Award, por seu trabalho nas cores da série em quadrinhos norte-americana Casanova. Ganhou o Troféu HQ Mix em 2016 na categoria Melhor Colorista/Arte-Finalista e em 2017 na categoria Melhor Colorista Nacional.

Além de atuar como colorista, Cris Peter inicia carreira como quadrinista (foto: Agência Ophelia)

“Meus amigos começaram a trabalhar com quadrinhos on-line, webcomic. Eu era uma criança de 17, 18 anos quando comecei a colorir webcomics para eles porque a produção ficou intensa e eles precisaram de ajuda. Até eu entrar na faculdade, estava fazendo aquilo como um bico, como um hobby que me dava uma graninha por fora.”

“A produção e o treino sempre são as dicas número 1. Outra coisa é a questão do marketing digital, que está se tornando cada vez mais relevante para se divulgar. A melhor maneira de fazer marketing digital é por meio de postagens frequentes, deixando que o seu público orgânico vá aumentando e seguindo o seu trabalho por gosto mesmo, por ter se interessado gratuitamente por aquilo.”

“Não dá mais para dizer que quadrinho e entretenimento são coisas de menino. A gente está aqui. Está na hora de começar a nivelar os convidados, porque tem muita menina produzindo e às vezes a gente só vê convidado homem nos eventos. Já tem muitas mulheres precisando de espaço para dar o exemplo a outras meninas que estão na plateia.”

Referências: Isadora Zeferino, Ana Luisa Koehler, Dika Araújo, SulaMoon.

Cris Eiko

Cris Eiko faz os Quadrinhos A2 com Paulo Crumbim. São histórias autobiográficas e um tanto fantasiosas. Juntos também desenharam Penadinho – Vida, para a coleção Graphic MSP. Em 2017, a quadrinista lançou sua primeira história solo, Culpa, pela série Ugrito (Ugra Press).

Capa de Culpa, primeiro trabalho solo de Cris Eiko (foto: divulgação)

“Foi um desafio criar uma história minha, porque normalmente o Paulo faz os roteiros e eu sou muito insegura. A coleção Ugrito é bem independente e, às vezes, as histórias têm umas coisas bem escatológicas. Eu achei que tinha de criar algo com essa vibe e comecei a ter umas ideias muito nada a ver, como um supervilão que dava diarreia nas pessoas. Mas vi que não era isso. Conversei com o Douglas [Utescher], da Ugra, e ele falou: ‘Não, faça o que você gosta’. Daí eu me soltei um pouquinho e consegui fazer. Muita coisa partiu de sessões de terapia. Depois de dois meses fazendo um monte de coisas de que eu não estava gostando, veio disto: de buscar uma história que surgiu de mim mesma, uma experiência própria.”

“Eu sempre quis fazer isso, mas não tinha coragem. Era algo 'dos outros', como se certas pessoas fossem feitas para ser quadrinistas, não eu. Mas era só querer, era só ter ido atrás. Participei de um workshop para pessoas que queriam fazer quadrinhos para o mercado norte-americano. Foi há muito tempo atrás. Só que na época as pessoas diziam que meu traço era muito de mangá. E eu, pessimista, insegura, meio que desisti. Em 2009, surgiu a oportunidade de ir ao FIC [Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte], e lá eu vi que tinha muita gente fazendo seu próprio quadrinho. Não precisava ser aquela coisa mainstream, Marvel, DC, mangá. As pessoas faziam o que quisessem e estavam publicando numa qualidade superboa. Nessa época eu já conhecia o Paulo, e ele me incentivou a começarmos os nossos quadrinhos.”

“Para quem tem uma autoestima muito ruim, uma autocrítica muito forte, um conselho é não dar ouvidos a isso. Tentar relevar e pensar: 'Você não falaria isso para uma amiga, então por que está falando para si mesma?'."

Referências: Hiromu Arakawa, Rumiko Takahashi, Ryoko Ikeda.

Deborah Salles

Deborah Salles está no último ano da graduação em design gráfico pela Faculdade Belas Artes. Trabalha como profissional desde 2015 no Estúdio Lógos, em São Paulo. É autora do zine Quase Um Ano, com histórias em quadrinhos autobiográficas. Parte delas está publicada aqui. 

Deborah Salles reuniu histórias de seu dia-a-dia para compor seu primeiro livro 

“Sempre gostei de desenhar e estava procurando um motivo para desenhar mais regularmente, para ter uma rotina de desenho mesmo... No ano passado comecei a fazer quadrinhos autobiográficos semanais. A ideia era descrever um pouco do que aconteceu comigo toda semana. Uma coisa mais de registro, não muito de sentimentos, bem descritiva. E isso começou a ficar bastante regular para mim. Comecei a me dedicar mais e a gostar mais de fazer isso. Quando juntei um número bom, umas 60 páginas, achei que estava na hora de imprimir.”

“Eu conheci o trabalho da Laura Lannes, que é uma grande referência para mim, e ela estava fazendo quadrinhos diários. Por isso fui para o autobiográfico, acho que é uma coisa mais imediata. Acho mais fácil escrever sobre coisas que já aconteceram [...] Ler muito quadrinho ajuda, porque é bem mais fácil achar produções que são parecidas com você assim. O trabalho da Laura me surpreendeu porque ela tem 25 anos também. É uma pessoa que não está tão distante de mim.”

Referências: A Alison Bechdel é outra referência importante para mim. Foi uma obra que me fez entrar bastante no mundo dos quadrinhos e me fez entender como esse gênero pode ser muito mais do que eu imaginava. Mais referências são a Juliana Russo e Harvey Pekar.

Paula Puiupo

Paula Puiupo tem 20 anos e faz quadrinhos desde os 14. Postava desenhos na internet quando foi convidada a participar de uma antologia de quadrinhos pela editora Polvo, na época em que morava em Portugal. Desde então, não parou de criar. Participou da Série Postal, projeto aprovado pelo programa Rumos Itaú Cultural 2015-2016 e organizado por Ramon Vitral. Saiba mais aqui.

Quadrinho em formato de postal de Paula Puiupo para a Série Postal

“Eu acho que meu trabalho tem muita influência de mangá e de quadrinistas japoneses, porque foi assim que comecei a consumir coisas – assistindo a anime, lendo mangá...”

“Eu nunca esboço antes nem escrevo roteiro. Eu só faço. Sento, faço uma página, depois outra, depois outra. E tento fazer assim quando estou criando uma coisa maior, tento fazer de uma a duas páginas por dia. [...] Acho que o melhor conselho é só fazer. Não pensar muito. Só senta e faz. Se não sair bom de primeira, continue tentando. É isso. Persistência.”

Referências: Tais Koshino, Laura Lannes, Gabi Lovelove6, Suehiro Maruo.

Raquel Vitorelo

Raquel Vitorelo é artista multimídia e trabalha com ilustração, quadrinhos, design e audiovisual. Realiza especialização em animação no Senac e mestrado em comunicação e semiótica na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), onde pesquisa quadrinhos experimentais feitos por mulheres. Em seus trabalhos, trata frequentemente de gênero e sexualidade. Foi cocriadora da Revista Farpa, voltada para a produção de mulheres, e criou o projeto Coisa de Mulher, para ser usado como material de apoio em salas de aula.

Página Solo é uma coletânea de trabalhos de Raquel Vitorelo (foto: Agência Ophelia)

“Quando eu ainda estava na escola, pus na cabeça que eu queria desenhar como profissão. Muitos professores tentaram tirar isso da minha cabeça, mas no final foi isso que eu acabei fazendo mesmo, quase como se fosse inevitável.”

“Geralmente eu penso em uma história no ônibus ou sonho alguma coisa. É aleatório, e eu guardo essa ideia até que ela se desenvolva naturalmente na minha cabeça e ponho isso no papel. O Tomboy foi mais ou menos isso e também veio de alguns questionamentos que eu estava fazendo, como o que é realmente ser uma mulher. Fiquei pensando muito em como isso foi imposto a mim quando eu era criança. Achei que a melhor forma de expressar isso seria quase como um manifesto, como se fosse uma performance em quadrinhos. Foi assim que surgiu Tomboy. Eu achava que ninguém iria se reconhecer muito nele, mas no final fiquei bem surpresa, porque muitas pessoas se identificaram.”

“Acho que desenhar a gente consegue na prática mesmo, mas o que realmente fez muita diferença foi começar a mostrar minhas coisas às pessoas. Começar a postar no Facebook o que eu fazia, porque eu tinha muita vergonha antes. Vi que, conforme eu me expunha, ia perdendo a vergonha e recebia também um feedback de como era o meu trabalho. Mesmo sendo uma coisa muito dolorosa, é necessária para evoluir.”

Referências: Taís Koshino, Paula Puiupo, Gabi Lovelove6, Una.

Alexandra Moraes

Alexandra Moraes é a criadora das tiras O Pintinho. No início, por volta de sete anos atrás, criou um Tumblr para agregar a produção. De lá para cá, lançou três livros: O Pintinho, O Pintinho 2 e Pinte o Pintinho: Livro de Colorir e Atividades de Estresse, todos pela Editora Lote 42.

Novos Traumas da Infância, tirinha d'O Pintinho

“É um conteúdo bem do dia a dia mesmo. Boleto, conta, chateação, fazer refeição no restaurante por quilo, esse tipo de drama bem desgraçado de quem não tem tanto do que reclamar. Pequenas desgraças do cotidiano, isso é O Pintinho.”

“O que é humor inteligente? Qual é a linha que separa o humor inteligente do humor não inteligente? Tem muita gente que acha O Pintinho sem graça. ‘Mas cadê a piada?’ A coisa é tão bruta. A situação é tão do dia a dia que talvez não tenha graça mesmo ou talvez seja mais difícil de achar.”

“Não sabe desenhar? Desenha o que você sabe. Alguma coisa vai sair. Há trabalhos brilhantes, como o XKCD, que é um bonequinho de pau. Uma das coisas boas entre as várias coisas ruins da internet é que se consegue ver que 'Bom, talvez eu não precise ser um grande desenhista para fazer os meus quadrinhos'. E tente não desistir. Eu sei que é difícil. Quando a gente tem outras coisas na vida, acaba sendo atropelado e não sobra tempo para parar e pensar nas suas coisas. Mas, com um pouco de atenção para nossa própria vida, a gente consegue achar esses espacinhos em que a sua criação importa, independentemente do que os outros achem.”

Referências: Dorothy Parker, Angélica Freitas, Neil Swaab, Fernando Gonsales.

Germana Viana

Germana Viana é uma quadrinista brasileira. Começou sua carreira nos anos 1990, fazendo ilustração de livros infantojuvenis, e atua desde o início dos anos 2000 como designer gráfica e letrista de quadrinhos. Em 2013 passou a publicar suas próprias HQs, começando pela série Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço, lançada impressa em dois volumes – um em 2014 e outro em 2016. Em 2016, começou a publicar a webcomic As Empoderadas, vencedora do 29^o Troféu HQ Mix na categoria Melhor Web Quadrinho.

Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço, quadrinho criado por Germana, já está em sua segunda edição (foto: Agência Ophelia)

“Comecei a gostar de quadrinhos de super-herói quando cheguei a uma banca, lá na década de 1980, e vi uma capinha da Abril com a Elektra e outra com a Jean Grey, e me encantei com aquilo. A representatividade importa demais. No meu caso foi mais fácil, porque sou uma mulher branca de olhos azuis. Foi fácil achar duas heroínas brancas de olhos azuis ali, mas foi por isso que comecei a me apaixonar por super-heróis.”

“Eu tenho obrigação como produtora de conteúdo de mostrar que o mundo é diverso. Por isso tem essa diversidade nos meus quadrinhos, mas tem de ser muito respeitoso, mesmo trabalhando com coisas bobas, como humor, sci-fi, super-herói. Porque, enquanto eu comentar situações de mulheres, ok, mas roubar lugar de fala de uma mana negra ou de uma mana trans não é correto, e ser irresponsável menos ainda. Então, antes de fazer tudo eu mostrei para as pessoas, fiz pesquisas.”

“Usem a internet, a internet é a sua amiga. Não tenham medo de colocar seu material e de ser copiados. A minha bagagem, a minha história de vida vai dar um resultado, a tua bagagem vai dar outro resultado. Então faz, coloca na internet. A gente tem como chegar aos leitores de hoje em dia sem depender de uma estrutura antiga que seria a distribuição física, estoque e tal. Depois, dá-se um jeito de publicar com o Catarse. Tem várias maneiras de chegar às pessoas. Só não tenha vergonha e comece a trabalhar, não espere dez anos como eu fiz.”

Referências: “Uma grande referência é a Trina Robbins. Ela é uma pesquisadora, roteirista e desenhista de quadrinhos que todo mundo deveria conhecer. Ela é tão importante quanto o Robert Crumb, só que nunca se dá o mesmo peso para os dois. Mas ela é incrível e ainda está viva na ativa. Para ter uma ideia, houve uma época em que ela trabalhou na Marvel e também editava os quadrinhos da Barbie. Ela levou todas as amigas feministas para escrever os roteiros. As crianças começaram a ler Barbie discutindo coisas como divórcio, bulimia. Ela é hard-core, é muito legal.”

Sirlanney

Sirlanney é artista plástica e quadrinista nordestina. Desenvolve histórias de cunho autobiográfico e surrealista sobre questões humanas e cotidianas. Publicou em 2014 sua primeira coletânea de quadrinhos, intitulada Magra de Ruim, através de financiamento coletivo, e no ano seguinte os zines Agosto, Antídoto para Ilusões Perdidas e Uma Zine que Nunca Fiz.

Os quadrinhos de Sirlanney são autobiográficos e abordam temas como o feminismo e o empoderamento feminino

“Eu fiz faculdade de pintura na UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], aprendi várias técnicas que me ajudaram a desenhar, porque eu desenhava bem mal e era bem complicado passar o texto para o quadrinho. Porque é uma linguagem um pouco diferente. Não se trabalha só com o texto; é texto e imagem. Então foi uma boa experiência, foi uma viagem por esse novo universo.”

“Eu sempre tive na minha cabeça que dom não existe. Porque tudo é técnica. Quanto à inspiração criativa, todos nós seres humanos somos dotados de algo divino, então é preciso saber como trabalhar isso, direcionar. Eu mesma, apesar de desenhar desde criança, desenhava porque gostava da experiência, não porque fazia isso bem. Só comecei a fazer desenhos mais realistas, bacanas mesmo, aos 27 anos, com a prática de fazer quadrinho todo dia.”

“A minha vida me dá inspiração, eu me levo a situações intensas. Mas é também uma questão de técnica transformar a vida em ficção, usar a vida como material de pesquisa. Se você estiver aberto a transformar suas ideias em desenho, cria-se um costume. É uma técnica de conseguir captar a ideia. Elas surgem em conversas com os amigos, às vezes com minha filha. Eu penso: 'Opa! Um quadrinho!'.”

Referências: Marjane Satrapi, Alison Bechdel, Alexandra Moraes.

Mariana Cagnin

Mariana Cagnin é formada em artes visuais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e atua como ilustradora e quadrinista. É autora do quadrinho Vidas Imperfeitas, publicado pela editora HQM, e de Black Silence, publicado de forma independente. Tem um canal no YouTube, no qual dá dicas e tutoriais, ensina processos de pintura e ministra pequenos cursos.

Mariana conta que organizou todo o projeto Black Silence antes de levá-lo para o papel

“No começo eu fazia tudo de forma bem caseira. Eu que fazia todas as revistas e todos os processos do fazer em casa. Dava bastante trabalho, mas era uma produção pequena, para levar em eventos e tal. Também sempre disponibilizei todos os quadrinhos que eu fazia na internet. Isso acabou trazendo um público maior interessado no meu trabalho, pessoas que liam na internet e pensavam: 'Poxa, gostei. Quero ter a revista física'."

“Eu sempre gostei de fazer tudo do meu jeito. Por isso acabei publicando o Black Silence através de financiamento coletivo, porque acho que é uma ótima opção para autores de quadrinhos independentes que querem tornar o seu projeto possível. Era a oportunidade de poder publicar um quadrinho exatamente do jeito que eu queria, com o papel que eu queria, enfim, ter controle de todo o processo.”

“Eu sempre foquei muito histórias do cotidiano, romance, dramas, amigas, família. E aí eu queria fazer uma coisa diferente. Queria me desafiar e fazer algo que fosse além desse universo. Em uma das conversas com o meu namorado eu me perguntei: 'Por que não ficção científica?'. Passei muito tempo me digladiando com esse gênero, tentando cumprir determinados padrões, até que em certo momento eu me libertei disso e percebi que o mais importante era contar a melhor história da melhor forma possível.”

“Para quem está iniciando, a melhor dica é ter paciência e persistência. Tudo tem o seu tempo e o seu processo; não desista só por causa disso. Acho que o mais importante é começar, e a partir de então a própria prática e a experiência vão levar a gente cada vez mais longe.”

Referências: Noelle Stevenson, Lu Cafaggi e Bianca Pinheiro.

Talessa Kuguimiya

Talessa Kuguimiya é ilustradora, quadrinista e designer gráfica. Além de publicar quadrinhos, como a série Memories, trabalha com ilustração de livros infantis e produz curtas animados independentes. 

Além de criar quadrinhos, Talessa também ilustra livros infantis (foto: Christiana Rufatto)

“Quando as pessoas têm maior autonomia na produção, é melhor. Se ela souber mexer com o software, souber diagramar o próprio livro, além de criar as imagens e o roteiro, acho que é bem mais interessante de conseguir fazer um quadrinho, porque assim não há dependência das editoras. Elas têm um campo bem interessante, mas o meio independente está ganhando voz de outra forma.”

“Ouvir música, ver filmes, animações, tudo isso influencia muito. São algumas das coisas que, ironicamente, mais me trazem para o mundo dos quadrinhos. É engraçado isso. E gosto também dessa questão multimídia. Então, pensar em como as mídias podem se relacionar é uma coisa que merece atenção. Essa relação merece ser repensada, discutida.”

Referências: Agatha Christie e Beatrix Potter.