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Rumos 2015-2016: a trajetória de Raphael Rabello

Raphael Rabello (1962-1995), músico que revolucionou a história do violão de sete cordas no Brasil, é o personagem radiografado pelo...

Publicado em 02/02/2017

Atualizado às 01:18 de 06/09/2018

por Itamar Dantas

[caption id="attachment_96094" align="aligncenter" width="536"]foto: André Seiti [/caption]

 

Raphael Rabello (1962-1995), músico que revolucionou a história do violão de sete cordas no Brasil, é o personagem radiografado pelo jornalista Lucas Nobile em um projeto de biografia aprovado pelo programa Rumos Itaú Cultural 2015-2016.

Em 2012, quando trabalhava no jornal Folha de S.Paulo, Lucas fez uma matéria sobre o aniversário de 50 anos que Raphael completaria em 31 de outubro daquele ano, não tivesse falecido precocemente, aos 32 anos de idade, em 27 de abril de 1995. Com a publicação do artigo, o jornalista começou a pesquisar a trajetória do violonista, coletando praticamente tudo o que a imprensa já publicara a respeito do músico, além de vídeos, áudios de entrevistas raras e materiais de arquivo.

Para produzir a matéria, intitulada “Mito em 7 Cordas”, Lucas teve um acesso inédito ao baú que reúne o acervo deixado por Raphael Rabello. Entre os achados estavam composições, estudos, fotos e cadernos com anotações das aulas com Jayme Florence – o “Meira” –, que também foi professor de figuras como Baden Powell e Maurício Carrilho.

O projeto enviado ao Itaú Cultural prevê cerca de 100 entrevistas com personagens importantes na trajetória do violonista, entre músicos, familiares e amigos. De maio – quando foram anunciados os contemplados do Rumos – até o final de 2016, o jornalista conversou com mais de 60 pessoas, entre elas Paulinho da Viola, Hermínio Bello de Carvalho, João Bosco, Cristóvão Bastos, Amélia Rabello, Luciana Rabello, Déo Rian, Joel Nascimento, Celsinho do Pandeiro, Dininho – filho de Dino 7 Cordas –, Léo Gandelman, Alceu Maia, Henrique Cazes, Turíbio Santos, Rogério Caetano, Marco Pereira e Afonso Machado – o Galo Preto.

Raphael Rabello teve uma vida curta, mas repleta de êxitos e turbulências. E esse é um dos grandes desafios para que o jornalista narre sua história em um livro. “Ainda estou no processo”, diz ele. “Estou descobrindo muita coisa e ainda pensando no formato, na narrativa; tenho vários caminhos interessantes a seguir. E cada entrevista rende uma descoberta muito boa.”

Talento precoce

Raphael Rabello nasceu em 31 de outubro de 1962 e já na infância demonstrou seu talento para o violão. Com a irmã, Luciana Rabello – cavaquinista com quem viria a gravar discos e integrar o conjunto Os Carioquinhas –, ele colocava discos do conjunto Época de Ouro – encabeçado por Jacob do Bandolim – e acompanhava as músicas “de ouvido”, repetindo as notas produzidas pelos mestres chorões. Segundo Lucas Nobile, há quem afirme que a desenvoltura era tão impressionante que muita gente acreditava em um talento transcendental. “Já teve entrevistado que me falou que, para quem acredita nessa história de reencarnação, Raphael era um exemplo curioso. Um cara, tão cedo, tocando daquele jeito. Já veio pronto de outra vida. Me falaram isso. Muito cedo e muito maduro. Era impressionante!”

Também vieram cedo as gravações profissionais. A primeira, aos 14 anos, foi para um compacto da cantora e compositora Gisa Nogueira. Logo depois, formou o já citado grupo com a irmã e um time respeitável de músicos – Paulo Magalhães Alves no bandolim, Celso Alves da Cruz ao clarinete, Maurício Carrilho no violão de seis cordas e Celsinho do Pandeiro e Mário Florêncio Nunes na percussão. O álbum Os Carioquinhas no Choro foi lançado em 1977, ainda com participações do flautista Altamiro Carrilho e do bandolinista Afonso Machado.

Raphael em estúdio

A partir do fim dos anos 1970, o violonista passou a ser figura recorrente nas gravações de meio mundo de artistas da música brasileira. Chegou a gravar entre 600 e 700 faixas de pelo menos 200 discos. “Para um cara que morreu aos 32 anos, é muita coisa. Até o fim da década de 1970, se você pegar as fichas técnicas de discos de música brasileira, sete cordas era com o Dino. Tinha outros caras também: Valter [Silva], Valdir [de Paula e Silva ou Valdir 7 Cordas], Voltaire [Muniz de Sá]. Mas quando pinta o Raphael, ele começa a dividir o espaço com o Dino. Então é isso. No fim dos anos 1970, ele começa a ser chamado para gravar com João Bosco, Clara Nunes, João Nogueira, e invade os anos 1980 com Beth Carvalho e Chico Buarque, só para citar alguns dos nomes mais representativos. Enfim, gravou com a música brasileira inteira. Nara Leão, Simone, Alcione… Fora os discos com Ney Matogrosso, Elizeth Cardoso e Nelson Gonçalves.” Uma das missões propostas pelo pesquisador é registrar no livro todas as gravações das quais o violonista tomou parte.

Raphael Rabello é reconhecido por ampliar o uso do violão de sete cordas na música popular. Foi graças a ele que o instrumento deixou de ser adotado exclusivamente como acompanhamento e ganhou a função de solista. Indo além dessa constatação – já consagrada entre pesquisadores e admiradores –, Lucas também deseja demonstrar a importância de Raphael como um músico acompanhador, colocando essa faceta do artista em pé de igualdade à de solista virtuose. “Com todo o respeito ao Dino”, diz ele, “nunca tinha existido um violão de sete cordas acompanhador como aquele. E talvez não vá existir.”

A relação do violonista com mestres das músicas popular e erudita é outro capítulo que ganha a atenção de Lucas. Radamés Gnatalli, por exemplo, é uma das figuras emblemáticas na formação do músico. Em 1979, com menos de 20 anos de idade, Raphael participou do álbum Tributo a Jacob do Bandolim: Radamés Gnatalli e Camerata Carioca. “É um disco revolucionário na história do choro, já que trouxe esse gênero com uma formação camerística”, conta o pesquisador.

Em 1982, veio o primeiro disco solo do violonista, à época chamado de Rafael 7 Cordas e, no mesmo ano, apareceu o primeiro registro de um álbum em duo com o maestro, Tributo a Garoto: Raphael Rabello e Radamés Gnatalli – segundo Lucas, uma prova da confiança de Gnatalli no jovem Raphael. “O Radamés era muito exigente. Era durão mesmo. Ele não tocava com qualquer um. Era o grande orquestrador da Rádio Nacional, tocava com Garoto, Chiquinho do Acordeom, Bola Sete, Luciano Perroni, Zé Menezes. Foi o cara que fez o arranjo de ‘Copacabana’, grande samba-canção do Braguinha. Ele não se metia com qualquer um. Para ele resolver fazer um disco, Tributo a Garoto, com um moleque de 19 anos… O Raphael não era café com leite. A coisa era para valer mesmo.”

O acidente e a tormenta

A carreira meteórica de Raphael Rabello sofreu um grande baque quando, em 1989, o táxi onde ele estava foi atingido por outro carro em uma esquina do bairro do Leblon, no Rio de Janeiro – ferindo seriamente o braço direito do músico. O primeiro diagnóstico era cruel: o membro deveria ser amputado. De acordo com o segundo, mais ameno, o braço não precisaria ser amputado, mas o artista não voltaria a tocar violão. E, em um terceiro diagnóstico, o médico previa pelo menos um ano sem tocar. No fim, foi feita uma intervenção cirúrgica na qual o músico colocou nove pinos no braço e teve de reconstruir o úmero.

Após quatro meses de tratamento, Raphael já estava fazendo shows. “Como ele era um virtuose e exigia muito da técnica, jamais alguém suporia que, depois de um acidente tão grave, ele voltaria a tocar como antes. Não era um violão ‘tranquilo, básico’. Se ele não voltou tocando melhor, voltou tocando pelo menos no mesmo nível. Eu, até então, tenho a impressão de que voltou tocando melhor. É só você ouvir os discos com a Elizeth [Todo o Sentimento, 1991], com o Ney Matogrosso [À Flor da Pele, 1991] e com o Dino 7 Cordas [Raphael Rabello e Dino 7 Cordas, 1991], o disco em homenagem a Tom Jobim [Todos os Tons, 1992], o disco com Romero Lubambo, gravado em Nova York [Shades of Rio, 1993], o disco com o Paulo Moura [Dois Irmãos,1992], que é inexplicável. Enfim, tem álbuns muito importantes da carreira dele que são posteriores ao acidente. Em termos de técnica, o acidente não o prejudicou em nada.”

O acidente não o prejudicou, mas dois anos depois, em uma visita a um endocrinologista, Raphael descobriu que portava o vírus HIV. E foi a partir dessa notícia que o músico passou a viver seus momentos mais dramáticos na história que Lucas começa a transcrever. Contrair o vírus causador da Aids, na época, era uma sentença de morte. E Raphael iniciou então uma corrida contra o tempo para produzir cada vez mais e deixar uma obra para a posteridade. No dia 27 de outubro de 1995, internado em uma clínica para tratamento da dependência, o artista faleceu após sofrer, segundo relatos da família, uma parada respiratória decorrente de uma crise de apneia. O triste capítulo na vida do músico é cheio de versões e relatos desencontrados, tornando-se um dos maiores desafios na narrativa do pesquisador sobre os êxitos e as tormentas de um dos instrumentistas mais importantes da música brasileira.

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