Nascido em 2010, então orientados por Carolina Paz, o 2e1 era uma ideia, um desejo. Sua vocação, desde o princípio, é a do convívio e da...
Publicado em 06/04/2015
Atualizado às 12:31 de 13/10/2017
Nascido em 2010, nos encontros de grupo de estudos e acompanhamento de projetos artísticos, então orientados por Carolina Paz em seu ateliê, o 2e1 era uma ideia, um desejo. Sua vocação, desde o princípio, é a do convívio e da geração de conhecimento relacionado às artes visuais contemporâneas.
Em 2012, foram realizados os primeiros laboratórios expositivos e o projeto Fachada, em que vários artistas puderam experimentar suas ideias e compartilhar seus processos criativos entre si e com interessados.
A partir de 2013, o 2e1 começou a contar com o envolvimento ainda maior de artistas, críticos e curadores de diferentes cidades do Brasil e do mundo em projetos especiais, como o de residência artística Nômade 2e1 e o de intercâmbio artístico internacional Aos Cuidados de. Também em 2013, foi iniciado o programa de formação aprofundada em artes visuais Vitamina, que contou com a oferta dos títulos: Arte Sonora, Pintura, Gestão de Carreira, História da Arte, Instalação e Performance. Concluído em 2014, o Vitamina foi o projeto responsável pela implementação de ferramentas de educação a distância síncronas e assíncronas. Elas possibilitaram o acesso de artistas, localizados em diferentes regiões do Brasil e em outros países, aos conteúdos e discussões gerados nos encontros presenciais.
Em 2014, foram iniciadas as primeiras ações totalmente a distância do 2e1: a Oficinas e a Trilha.
O Coletivo 2e1 não é um lugar físico, delimitado por paredes. Ele é uma rede de trabalho, ocupação, experimentação, convivência e criação de conhecimento em artes visuais.
OBS: Quando e a partir de quais motivações começa o projeto do coletivo?
2e1: Nossa principal motivação é a produção de conhecimento sobre arte contemporânea por meio do diálogo e da colaboração. Acreditamos que a troca de ideias e experiências também é uma forma de fazer arte. O olhar dos outros sobre o trabalho de cada um converge e diverge, promovendo fortalecimento e autoconhecimento individual e coletivo. Além das trocas internas entre membros, convidamos outros artistas, críticos, curadores etc. para trocar experiências conosco, propor problematizações sem objetivar receitas de sucesso. O compromisso com o diálogo quebra fronteiras e proporciona uma abertura para outras realidades e perspectivas, e esse é o nosso maior interesse. A esfera de interações que constitui toda sociedade humana é invisível e imaterial, mas está presente em cada indivíduo, em suas manifestações particulares ou em comunidade. A coletividade se materializa de alguma forma nos trabalhos produzidos individualmente pelos artistas que participam das nossas atividades. O processo de criação é um aprendizado que não precisa ser solitário (se é que isso é realmente possível), assim como a produção colaborativa de conhecimento sobre arte é uma experiência criadora.
Embora sediado na capital paulista, o Coletivo 2e1 não limita sua atuação à sua sede. Seus membros estão espalhados por diferentes regiões do país, e até por outros países, e seus artistas realizam residências nacionais e internacionais. Falem um pouco sobre como esse modus operandi dialoga com os princípios do coletivo e como os processos, de modo geral, são organizados.
O sistema da arte faz parte do mundo e não escapa a um dos maiores dilemas da condição humana, que é o fato de necessariamente vivermos em sociedade, apesar da insatisfação generalizada com o modo como as sociedades são organizadas e geridas. Reconhecemos, com o filósofo Peter Sloterdijk, que estamos “no mesmo barco”, mas isso não significa que devamos obediência à “grande política”. Não vemos, no meio da arte, o primado das reflexões individuais, mas de uma determinada mentalidade que impõe definições circunstanciais, fundamentadas por uma versão eurocêntrica da história da arte. O coletivo 2e1 aproxima-se da micropolítica proposta por Sloterdijk, por oposição à grande política e à grande arte. Os novos meios de comunicação felizmente se prestam a essa articulação. Promovemos práticas e experiências de aprendizado e colaboração criativa através do uso de ferramentas de educação a distância, de forma síncrona e assíncrona. A familiaridade com essas ferramentas possibilita uma série de ações, como as exposições do projeto Aos Cuidados de, com parcerias entre pessoas que vivem em cidades diferentes, em países diferentes, e com vernissages simultâneos transmitidos ao vivo. Atualmente, em todos os nossos projetos, convivemos com participantes de diversas regiões do país e até mesmo com artistas em residência no exterior que permanecem conectados. Nossa sede, no bairro da Água Branca, funciona como uma estação transmissora. Acolhemos nesse endereço participantes presenciais, laboratórios expositivos e o projeto Fachada, mas nada nos prende a um lugar só.
Outra preocupação do 2e1 diz respeito ao processo de formação dos artistas envolvidos através de grupos de estudos e acompanhamentos dos processos criativos. Como esses acompanhamentos são viabilizados? Qual a importância dessas práticas?
Tais práticas favorecem o trabalho individual. As atividades coletivas e as pesquisas pessoais são processos que se comunicam. Artistas que se formaram ao longo das décadas de 1980 e 1990 tiveram mais dificuldade de dar visibilidade aos seus trabalhos, mas afirmam ter se beneficiado de um clima mais favorável ao diálogo sobre os trabalhos em comparação ao que existe hoje. Procuramos reconstituir esse olhar externo aos processos de cada um. Pensar sobre os trabalhos dos outros contribui para que, por diferenciação, cada um se entenda melhor. O olhar dos outros sobre o próprio trabalho proporciona um tipo de retorno sem o qual muitas vezes é impossível amadurecer. Essas trocas são, por assim dizer, “desinteressadas” e não competitivas. Também, o modo como cada artista se insere no meio da arte é uma consequência natural do seu trabalho e cada um tem sua história. As atividades do coletivo não têm esse objetivo de inserção, elas são focadas nos processos de criação de forma reflexiva e catalisadora. Praticamos o olhar generoso sem ser condescendente, crítico sem ser tirano. Afinal, de fato, todos são capazes de produzir boas obras de arte, todos têm esse potencial. Fazer arte não é uma espécie de qualidade mística restrita a poucos iluminados. A seleção do que é relevante ou não é conjuntural, é determinada por relações de poder e formação do gosto que operam dentro do campo da arte, conforme vimos em Bourdieu. Nesse sentido, o que fazemos é ter atenção e buscar uma conscientização a respeito das reais possibilidades de cada escolha artística pensando caminhos, aprimorando técnicas, sugerindo leituras e trocando ideias.
Em entrevista concedida ao boletim do Observatório Itaú Cultural n.2, George Yúdice (diretor do Departamento de Línguas e Culturas Modernas da Universidade de Miami) comenta, sobre o tema cultura e mercado, que “o que está em jogo é uma possível instrumentalização da cultura e da arte, uma dinâmica que faça com que usuários ou consumidores de arte e cultura se voltem para o consumo”. Em consonância com a observação de Yúdice, André Millan (sócio-diretor da galeria Millan) disse recentemente, em entrevista à revista Select, sobre as feiras que funcionam como carro-chefe de diversas galerias, que “isso nos levou pra este lugar: você é reconhecido por suas relações e não pelo seu trabalho. Tem muita gente que tem um trabalho excelente e não consegue se colocar”. Como vocês, que são artistas e gestores de um espaço de arte, enxergam esse cenário? De que modo ele interfere no trabalho de vocês? E de quais alternativas o 2e1 se vale para manter financeiramente o espaço, diante de tais circunstâncias?
Lemos com entusiasmo a entrevista de André Millan na Select. Enquanto houver profissionais como ele, o meio de arte não será instrumentalizado por completo. Pelo contrário, olhando para o mundo ao redor, percebemos que artistas críticos e contestadores ganham relevância. Além disso, o poder econômico não é o único inimigo da produção artística. Notamos na entrevista com o professor George Yúdice uma aposta no uso de “regulamentações” para preservar a pureza da arte. Nada nos parece mais equivocado, romântico ou ingênuo. Sem dúvida, o investimento público é desejável, mas não dessa maneira. Essa idealização da arte tem sido contestada por toda parte na medida em que as transformações econômicas, políticas e tecnológicas forçaram o contato entre artistas ocidentais e outras culturas. Usar mecanismos do Estado para defender uma pureza da arte seria o pior dos mundos. Concordamos com pensadores como Hans Belting e Peter Weibel, que nos propõem refletir mais sobre o fenômeno da globalização e suas consequências para a arte contemporânea. O meio de arte no Brasil se modernizou muito, mas esse processo de modernização tem uma faceta conservadora que pode ter nos tornado mais provincianos e colonizados. Enquanto pensamos sem parar e atuamos criticamente sobre o sistema em que estamos inseridos, nosso sustento se dá muito mais pela troca de serviços que interessam aos participantes que frequentam nossas atividades e pagam por isso do que por verbas externas, sejam elas públicas, sejam elas privadas. Há projetos desenvolvidos sem qualquer dinheiro e, apesar de colocarmos todas as nossas energias neles, não concordamos que esta (a falta de orçamento) seja uma situação desejável. Porém, não nos deixamos paralisar.