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95 anos de Lygia Fagundes Telles

Conheça alguns dos caminhos percorridos pela escritora ao longo dos anos e dos livros

Publicado em 19/04/2018

Atualizado às 12:17 de 03/04/2022

por Heloísa Iaconis

Por ela, Carlos Drummond de Andrade muito procurou: na Rua da Consolação, em São Paulo; em Paris, Tegucigalpa, Moscou; no mapa do mundo aberto, luminoso. Procurou, verso a verso, e a encontrou em um lugar precioso: dentro de seu coração. Já Manuel Bandeira reitera: ela e ele, nascidos em dia igual, separados por décadas, irmãos de algum modo, unidos. Clarice Lispector, por seu turno, fez recomendação à amiga: coloque um vestido branco e desanuvie a testa. Mensagens com carinhos, letras talhadas em dedicatórias e cartas, recados cujo destino era certo: Lygia Fagundes Telles. Neste 19 de abril, a escritora chega aos 95 anos com amor enorme pelo ofício.

O lapidar

A mão segura, sabe-se por instinto, é conquistada com esforço grande. A trajetória de Lygia tem base forte na busca, sem cansaço ou trégua, do próprio afinar – desde cedo. Nascida em 1923, à Rua Barão de Tatuí, centro da capital paulista, Lygia de Azevedo Fagundes é a quarta filha de Durval e Maria do Rosário. Devido à dedicação do pai às leis, passou a infância em cidades do interior do estado: Sertãozinho, Apiaí, Descalvado, Areias e Itatinga.

Alfabetizada, a pequena fazia uso das últimas páginas de cadernos para começar a guardar a palavra, ação semelhante à realizada com vagalumes e borboletas, bichinhos acondicionados por ela em caixas de sabonete. De modo natural e precoce, a aprendiz descobria então ferramentas para lidar com a delicadeza, por vezes traiçoeira, do mundo: caçar, atenta, o que bate asas em um piscar, aquele que escapa na primeira desatenção do algoz benévolo. Borboleta, vagalume, palavra.

Antes de concluir os estudos básicos no Instituto de Educação Caetano de Campos, a jovem publicou o seu primeiro livro, Porão e Sobrado, em 1938. Dois anos depois, ingressou na Escola Superior de Educação Física e, em 1941, iniciou a graduação na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, tendo se formado em ambos os cursos. A sua segunda coletânea de contos, Praia Viva, foi publicada em 1944 pela Editora Martins. O Cacto Vermelho, terceiro volume de narrativas curtas, saiu com o selo da Editora Mérito em 1949.

Já consagrada, porém, a autora retirou os títulos citados de sua obra. Por considerá-los “ginasianos”, um punhado de “jovialidades”, ela decide adotar como estopim profissional o lançamento de Ciranda de Pedra, romance de 1954, no qual, segundo o crítico Antonio Candido, a escritora atinge a maturidade literária.

Em um período concomitante ao casamento com o jurista Goffredo da Silva Telles Jr., a morte dos pais e o nascimento do único filho, Goffredo da Silva Telles Neto, Lygia apura a escrita em sua mocidade, um antes do antes, um atrás das cortinas da estreia afamada. Passo por passo, assim, a novata Lygia principiou a sua transformação em Lygia Fagundes Telles.

O tornar

A voz autoral foi composta a cada texto, a escritora foi se construindo no elaborar da ficção, processo de pinga gotas. A partir de 1954, com Ciranda de Pedra, o percurso lygiano se desenrola, teia constituída por, entre outros títulos, Antes do Baile Verde (1970), As Meninas (1973), Seminário dos Ratos (1977), A Disciplina do Amor (1980) e As Horas Nuas (1989). Fora os contos e os romances, Lygia adaptou Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis, para o cinema. A tarefa se deu por conta da parceria com Paulo Emílio Salles Gomes, o seu segundo marido, relação que durou de 1962 até o falecimento do crítico em 1977. O roteiro foi publicado apenas em 1993, sob o título de Capitu.

Como espécie de suporte aos anseios artísticos, a formação em direito a levou ao cargo de procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. De 1961 a 1991, esteve presente no âmbito do funcionalismo público, esfera, aliás, recorrente em biografias de literatos brasileiros – na maioria dos casos, com o peso da justificativa financeira.

Equilibrista que bem ajustou o trabalho burocrático e as criações literárias, a escritora conquistou a cadeira 28 da Academia Paulista de Letras em 1982. E, em intervalo exíguo, mais um ganho: 32 votos a 7, 1985, cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras. A senhora de 65 anos que no dia 12 de maio de 1987 tomou posse na ABL era também a moça que visitou Monteiro Lobato na prisão e recepcionou Cecília Meireles na Estação da Luz, a mesma menina que prometeu para si que se tornaria uma acadêmica. Uma escritora. E se tornou (indicada, vale destacar, ao Nobel de Literatura em 2016). 

O encantar

Lygia Fagundes Telles alcança leitores que, não raras vezes, se apaixonam por sua produção. Nilton Resende e Ticiana Losano são integrantes desse clã. Nilton é docente, escritor, ator, diretor, roteirista. Em sua dissertação de mestrado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), pesquisou as alegorias traçadas pela contista. Em fio análogo, Ticiana, professora, analisou as escolhas lexicais e seu efeito semântico nos contos lygianos, em mestrado empreendido na Universidade de São Paulo (USP).

O contato inaugural com a obra de Lygia, para os dois, ocorreu na juventude. Adolescente e sócio do Círculo do Livro, Nilton, aos 16 anos, após longa espera, estava com um exemplar de As Meninas em mãos. Paixão selada e sem volta, que evoluiu para um laço afetivo real em tempo posterior. “Trocamos cartas, ficamos amigos, uma amizade de três décadas”, recorda o especialista. Em Ticiana, o amor surgiu quando, na escola, a professora solicitou a leitura de “Venha Ver o Pôr-do-Sol”, conto que a ensinou lição importante: não confiar na mansidão da voz que costura os textos da autora, ficar alerta para as garras que, no instante inesperado, aparecem. “Garras de veludo”, como ressaltou Antonio Dimas no posfácio de Antes do Baile Verde.

Intimidade obtida com o universo da escritora, os estudiosos hoje acrescentam ao maravilhamento primevo as técnicas ficcionais da artista: estrutura planejada com afinco; substantivos, verbos e adjetivos que se casam com harmonia perfeita no intento de despertar, junto com o tema, a sensação desejada no leitor: gestos e ações, perfil por perfil, amarrados ao todo, sem pontas frouxas ou desnecessárias; mundo simbólico rico, o qual exige entrega inteira de quem nele adentra. Ticiana resume o que ocorre caso a cumplicidade com Lygia seja firmada: “Somos entrelaçados na tessitura textual, como o homem que visita a loja de antiguidades e se prende à tapeçaria, trama de ‘A Caçada’”.


 

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