Preparando-se para morar na Alemanha por um ano, Alexandre Ribeiro conta sobre como descobriu que podia ser o narrador da sua própria história
Publicado em 10/06/2019
Atualizado às 17:31 de 14/01/2020
Um moleque que cresceu em uma das cidades mais violentas do mundo cruzando continentes em busca da paz. O que é #DaQuebradaProMundo? É a visão de um favelado que vai viver um ano na Alemanha. E esse “vai viver” está chegando! É no final do mês de julho que embarco nessa empreitada. O que as histórias têm a ver com isso? Deixe que eu conto.
Eu tinha 15 anos de idade e diariamente atravessava a cidade para limpar porcelana de vaso sanitário. Isso na Rua Oscar Freire, em um dos hotéis mais chiques de São Paulo. Assim como meu uniforme, a vida parecia pacata e cinza. Fomos feitos para ser “invisíveis pelos corredores”.
Foi repentino. Era mais um dia cinza que mantinha minha cabeça baixa. Enquanto polia o vaso, observei um brilho ao canto. Eram meus olhos. Brilhantes, pulsavam feito a morte de estrelas. Era quente e mórbida essa supernova. E eu me vi morrer ali.
O grito ancestral ecoou pelo brilho e chegou peito adentro. “É preciso ir além.”
Essa voz me abraçou. Misturava inconformidade com paixão. Um misto de raiva, rancor e tristeza. Só que, ao mesmo tempo, carregava consigo a doçura do amor. Meu olhar jabuticabeira pulsava no reflexo da porcelana. A voz me chamava para uma dança em terreno fértil, e eu me permiti. Foi o momento em que decretamos o fim de um antigo ser.
Hoje sou outro. Chegando à casa dos 21, busco em filmes não revelados razões para o romper. Quem disparou aquele grito? A meu ver, foi tudo culpa da história.
Naquele tempo, minha única companhia estava debaixo do braço. No busão, era O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams. No metrô, eram os Aforismos para a Sabedoria de Vida, de Schopenhauer. E, às vezes, mesmo que escondido no quarto do hotel, o Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus. As vozes que me sopraram destino tinham nome.
Sinto que essas palavras sempre estiveram dentro-aqui. Lendo páginas sobre universos, encontrei a rota para buscar o meu.
Anos se passaram e acabei de publicar meu primeiro romance, Reservado. Daqui a poucos meses estou indo viver um ano na Alemanha. Foi me lendo no outro que entendi onde poderia ser mais. E é por isso que devemos lutar. Por nossas histórias.
É contando-as que a gente se inspira. Fortalecendo-as, pavimentamos caminhos alheios. É um dos jeitos de romper esse ciclo da violência.
Dos meus antepassados da mensagem griot até as heroínas Chimamanda e Conceição Evaristo. A importância do nosso contar cabe no agora. Histórias mudam histórias. E em tempos de cólera é isso que deve nos guiar.
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