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Alexandre Ribeiro lança a coletânea Inflorescência

Colunista do Itaú Cultural, o jovem autor estreia com uma reunião de poemas

Publicado em 18/06/2018

Atualizado às 11:57 de 30/12/2019

por Heloísa Iaconis

Formato pequeno. Papel kraft, matriz de páginas e pétalas. Versos em que cabe o que cabe em 19 anos: o sonho de Martin Luther King; o medo valente; o ser um menino preto, morar na periferia; vários amores trabalhados, todos eles, pela caneta. Eis algumas das tônicas de Inflorescência, o primeiro livro solo de Alexandre Ribeiro, cujo lançamento se deu no dia 30 de maio. Na edição, em traços amigos, o rosto que pensa a palavra surge em desenho de Juliana Russo: cabelo crespo, olhar atento, camiseta que exibe, com orgulho, os dizeres Black Panther (Pantera Negra). Cabeça erguida, postura de quem quer falar. E fala. Escritor de prosa e poesia, Alexandre é colunista do Itaú Cultural (junto com Nayra Lays, constrói a Sankofas), atua em movimentos sociais e políticos e percebe a literatura periférica como um lar, abrigo que potencializa questionamentos e emoções; aduba o jovem e o faz flor forte.

"Inflorescência", de Alexandre Ribeiro | foto: Alexandre Ribeiro

(Semear)

Escrever em meio à multidão de um ônibus lotado é a guerra que o autor tomou para si. Aliás, é em um transporte assim, durante um deslocar, que nos concede sua entrevista. Ele busca por um verso afiado, desses que lutam pela sua gente. Escrever e lutar são, nele, verbos indissociáveis, matérias unidas e cheias de raízes. Algo que vem de longe e de dentro. Alexandre cresceu em Diadema (SP), no Jardim Canhema. Especificamente, na Passagem Guimarães, terreno de usucapião. Vielas de barro que se transformaram, bem nos seus olhos de menino, em vielas de pedra. “Brinquei com todos os filhos de todos os pais que estavam ali. Formamos o Bonde da Passagem Guimarães. Os vizinhos que amadureceram comigo, diferentemente do que aconteceu em outras vielas, não foram presos. Nenhum deles. A nossa unidade foi importante: fez ser quem sou”, explica. Ainda morador do local, completa: “Percebi que uma ocupação humaniza as pessoas pelo viés da necessidade: existe um esforço coletivo para se manter ali e melhorar o ambiente”.

Já maior, em idade colegial, ajudou o termo ocupação a ser ressignificado, a ganhar mais um mundo – o das escolas públicas: em 2015, foi um dos secundaristas do movimento. O empenhar opinião e seguir avante, porém, não é um comportamento obtido sem dor. “Nas periferias do Brasil, a vida é uma violência diária. Até para demonstrar amor há violência. Uma mãe, por exemplo, bate”, conta o artista. Os tapas são dados por quem cuida e por quem descuida – a estrutura regente. “O meu pai faleceu devido à negligência do sistema público de saúde: após esperar 12 horas em uma fila, teve um infarto. Então, depois dessa perda, notei: o sistema quer é que a gente morra”, afirma. Essas vivências moldaram a batalha que é Alexandre todo: do desamparo nasce o desejo da subversão; metamorfosear aspereza em luz. Em amor não violento. Em um eu que não se esconda. Em textos.

Alexandre Ribeiro no lançamento de "Inflorescência" | foto: Lucas Sampaio

Na infância, a dimensão das letras lhe foi apresentada pela mão paterna, o mesmo homem que, tempos depois, se perdeu em uma fileira sem fim. Até os 11 anos o garoto lia cinco páginas antes de dormir. Um dia sim, outro também. Ordens do pai. Quando este partiu, ler tornou-se uma forma de resgatá-lo. “Escrevo para preencher a vida. E a leitura me incentiva bastante: quanto mais leio, mais tenho vontade de escrever. Sérgio Vaz diz que quem lê enxerga melhor. Concordo plenamente. Para alguém que se desenvolveu em uma situação problemática como eu, a leitura proporciona um universo onde não há opressões externas”, reflete o rapaz, cuja primeira influência foi Douglas Adams, criador dos volumes da série O Guia do Mochileiro das Galáxias. Fora o inglês, a sua admiração se estende para Carolina Maria de Jesus e Manoel de Barros. Carolina, o extrair beleza da diversidade. Manoel, a beleza pega no simples. Na música, Alexandre destaca Emicida, com quem trabalhou, e Tássia Reis.

[Podar]

Pede desculpa por não conseguir chorar, aborda tudo aquilo que ficou e, em um andar arrastado feito ponto e vírgula, decreta: sou, definitivamente, um talvez. “Cresci no talvez”, frisa Alexandre. No ônibus, entre uma freada e duas curvas, levanta-se e oferece o assento a um passageiro mais velho. Trata-se de cortar a preguiça sem titubeio. Ele aprendeu que, depois de fecunda a semente, o passo a seguir é aparar. Podar o afastamento entre o erudito e o popular, dissonância que, na lauda, se torna harmônica. Podar a distância das origens próprias – e lá foi o escritor para Moçambique. A jornada ocorreu para apresentá-lo à família da namorada, residente na Alemanha e com parentes em território africano. O mundo é enorme e pequeno. “No momento em que o meu corpo estava cruzando o Atlântico, senti uma vingança boa: pensei em tudo pelo que o meu povo passou. A viagem para a África foi essencial para eu me conhecer”, comenta. Nessa ida, infloresceu.

Alexandre Ribeiro no lançamento de "Inflorescência" | foto: Lucas Sampaio

{Inflorescência}

Inflorescer não é coisa que suceda em um triz. Nem em dez. Nem em mil. Tem-se aqui um processo de autoconhecimento profundo. “Inflorescer é descobrir a si mesmo, florescer para dentro”, define o autor. O substantivo, marca do desencadeamento do ciclo, foi captado por Alexandre em uma rede social: viu o vocábulo, grudou-o na mente, rememorou os poemas do mestre Manoel de Barros – inflorescência. Pronto, apossou-se da palavra e da flor, base da identidade visual, das estrofes e, no particular, do espírito daquele que cria dito por dito. Inflorescência possui formato pequeno, possível de ser alcançado por quem o quiser. Junção de etapas: {Inflores[po(semear)dar]cência}, também divisões da obra que é resultado e princípio – maneira de captar recursos para um projeto maior, romance em construção, história de um jovem vindo da periferia. Trama que o garoto, prestes a desembarcar do transporte compartilhado, percorre com desenvoltura, planta que é, elos que carrega. Finalista do Prêmio Jabuti em 2017 com o livro Prato Firmeza: Guia Gastronômico das Quebradas de São Paulo, Alexandre Ribeiro firma certeza: desabrochar mesmo transcorre no caule da letra.

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