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Conheça a PretaLab, plataforma de mapeamento de mulheres negras e indígenas na tecnologia

No dia 17 de março de 2017 o Olabi – organização social dirigida por mulheres que visa democratizar o acesso às ferramentas de inovação –...

Publicado em 11/04/2017

Atualizado às 10:48 de 03/08/2018

por Amanda Rigamonti

No dia 17 de março de 2017 o Olabi – organização social dirigida por mulheres que visa democratizar o acesso às ferramentas de inovação – lançou a PretaLab, iniciativa que pretende mapear o envolvimento de meninas e mulheres negras e indígenas nos campos da tecnologia.

[caption id="attachment_97285" align="aligncenter" width="366"]Lançamento do PretaLab Lançamento da PretaLab (Foto: Ian de Farias/Mídia NINJA)[/caption]

 

A ideia surgiu em 2016, segundo Silvana Bahia, diretora de projetos do Olabi. Ela conta que, ao frequentar eventos e espaços voltados para discussões relacionadas à área de tecnologia, percebeu a ausência de mulheres, especialmente negras e indígenas – fato que Silvana associa à falta de referências e de acesso. “A gente normalmente não tem muito esse acesso, essa condição de experimentar. A gente sempre tem de arrasar, ser o melhor e agarrar aquela única oportunidade que existe como se fosse a única coisa da sua vida”, diz.

Assim, a PretaLab veio para encontrar essas mulheres e reuni-las para trocas nessa área. A diretora de projetos conta ainda que, entre as ações previstas após o mapeamento, pretende-se realizar uma série de vídeos com essas mulheres, buscando inspirar outras a ingressar na área, além de fazer a ponte entre elas e os espaços de formação que já existem.

O mapeamento é constante, sem prazo de encerramento. No entanto, em três meses será feito um levantamento parcial sobre os dados coletados, para dar início às ações. É possível acessar o formulário neste link.

Em entrevista, Silvana fala sobre o Olabi, a PretaLab e a importância de as mulheres ocuparem esses espaços e se apropriarem desses conhecimentos.

Como surgiu o Olabi e qual é o objetivo da organização?
A Gabi [Gabriela Augustina, fundadora do Olabi] costuma dizer que ela já estava trabalhando há algum tempo nessas caixinhas de inovação e tecnologia, mas sempre tinha percebido que esse mundo era – e ainda é – muito masculino, branco. E pensava em fazer um espaço para mulheres como ela, que não tinham muita sapiência nesse campo, e que aumentasse a representatividade e estimulasse outras mulheres a pensar em trabalhar com isso também ou que já estivessem nesse meio, mas se sentissem muito solitárias, porque isso é muito comum, infelizmente.

A atividade principal do Olabi, atualmente, é o Clube Maker. São encontros e atividades que pretendem expandir as discussões referentes à tecnologia para além de onde já estão, nos grandes centros. A ideia é ser um lugar de experimentação, onde as pessoas compartilham ferramentas, marcas e conhecimento na área de manufatura digital. A nossa missão, na realidade, é trabalhar para a diversidade na produção dessas novas tecnologias, e para isso a gente tenta não trabalhar apenas com a linguagem conhecida nesse mundo geek, como o "arduíno", mas sim entender um pouco o que pode ser interessante para as pessoas que são iniciantes e que não têm o menor contato com esse mundo.

Além disso, atuamos com consultoria para projetos de inovação e cada vez mais temos trabalhado com conteúdo para espaços, sejam eles makers ou não. Por exemplo, temos uma sede no Cantagalo, uma favela no Rio de Janeiro, onde tentamos trabalhar alguns conteúdos entendendo a demanda da galera da comunidade. Recentemente a gente fez uma oficina de marcenaria, design de joias, focada em mulheres, e o público foram várias senhoras da comunidade, foi bem legal. Enfim, a gente tem atuado em algumas frentes, e agora estamos com essa iniciativa nova que é a PretaLab.

Nessas outras iniciativas vocês têm um público definido? Ou vocês mudam de acordo com a proposta?
Na verdade, na atividade do nosso espaço, que é o Clube Maker, o público é realmente muito diverso – vai desde pesquisadores até curiosos de “makerzões”, passando por pessoas que nunca ouviram falar disso, e também de lugares diferentes do Rio e de idades diferentes.

No entanto, desde que surgimos, em 2014, temos como foco estimular mais mulheres na tecnologia, então a gente oferece bolsas a meninas e mulheres e também a pessoas oriundas de espaços populares e periferias. Assim, é uma forma que encontramos para trabalhar também essa diversidade que está muito ligada ao nosso discurso.

Como a PretaLab surgiu e qual é a proposta da iniciativa?
Na verdade nós estamos pensando essa ideia desde o meio de 2016. Quando eu comecei a trabalhar no Olabi e passei a circular bastante nesse meio tec, percebi que, além de ser pouca a quantidade de mulheres nesses espaços, nunca havia nenhuma mulher negra. Fiquei pensando no porquê de isso acontecer. Na verdade eu tenho dois achismos em relação a isso: a falta de referência e a falta de acesso.

Então eu quis fazer um projeto, algo que estimulasse mais meninas a entrar nesse mundo. Porque, quando a gente pensa no Brasil e no povo negro, não tem uma memória de boas referências; sempre é uma memória subalterna ou o período da escravidão, e eu acho que a questão da autoestima é muito forte para o povo negro, e isso está totalmente ligado ao fato – e aí já faço um link com a cultura da experimentação, dessa ideia da cultura maker – de que a gente normalmente não tem muito esse acesso, essa condição de experimentar. A gente sempre tem de arrasar, ser o melhor e agarrar aquela única oportunidade que existe como se fosse a única coisa da sua vida. Isso é o que penso no geral sobre essa questão da negritude e das possibilidades para nós no Brasil.

Eu comecei a pensar que gostaria de fazer um projeto que estimulasse essas meninas, só que na época eu imaginava um negócio um pouco mais ligado à formação, tentar criar um coletivo, um grupo, em que as mulheres pudessem trocar entre nós mesmas esses conhecimentos. Mas quando comecei a pensar na viabilidade disso foi um pouco difícil, porque eu não conhecia tantas meninas no Rio que estivessem nessa pegada, nesse mundo. Pelo menos dentro da minha bolha, eu nunca tinha conseguido contar nem dez meninas – não que não houvesse interesse... Estou falando de meninas que poderiam ser tutoras, porque eu acho que o interesse sempre teve.

E aí pensei que teria de mudar a estratégia e comecei a procurar dados sobre mulheres negras nesse campo. Porque dados sobre meninas até existem, mas nunca os dados com recorte racial. Tem o recorte só de gênero, e eu acredito que, assim como outras questões, a gente tenta olhar de forma mais interseccional. Foi então que pensei que precisávamos primeiro entender se há mulheres negras nesse mundo – acredito que sim, mas acho que elas são invisibilizadas, então elas não aparecem, não estão no mainstream, não sei nem se conseguem se enxergar nesse lugar.

Então eu me perguntei: nós somos poucas, mas somos quantas? A gente não tem a menor noção desse número, por isso lancei a ideia do mapeamento e a gente criou um projeto que tem apoio da Fundação Ford, a PretaLab. Neste primeiro momento – queremos crescer muito mais com ele, mas hoje temos muito mais perguntas do que respostas – estamos mapeando essas mulheres com um questionário aberto na internet chamando meninas negras e indígenas que atuam nesse campo. Inclusive ampliando um pouco essa noção de tecnologia, que não está ligada apenas a programar ou desenvolver um site ou às engenharias e às ciências exatas, mas também pensando nas produtoras de conteúdo – falando de youtubers, blogueiras, tentando ampliar esse leque, porque no Olabi a gente sempre entendeu tecnologia de forma mais ampla, então a tecnologia vai desde o crochê até a impressão 3D.

O mapeamento serve para nos ajudar a entender onde estão essas mulheres e tentar levantar quais são as suas demandas, qual é o interesse delas nesse mundo, no que pretendem se aprofundar em termos de conhecimento, se isso tem a ver com uma oportunidade para novos trabalhos, com novas possibilidades para o mundo profissional. E na sequência queremos criar referências sobre essas meninas, inspirar outras meninas negras e indígenas para que elas possam ter isso no horizonte como uma possibilidade – e para isso faremos uma série de dez vídeos com essas meninas que vamos mapear.

A ideia é com esses vídeos tentar atingi-las para influenciar, mas existe também a ideia de fazer algum tipo de curso?
Por enquanto, quando entendermos mais ou menos as demandas que estão dadas ali pelas meninas a partir do formulário, gostaríamos de conectar essas meninas a espaços que já oferecem formação, entendendo que existem muitos desses espaços funcionando e acontecendo, mas que não trabalham com diversidade. Então a ideia é mais ser uma ponte e fomentar uma rede de outras mulheres, e aí sim criar espaços para que a gente possa trocar entre nós.

O que também motiva muito a gente é pensar que este mundo está cada vez mais digital e que, se não conseguirmos entender o que são essas novas aplicações e este mundo que se apresenta, teremos pouquíssimas chances de intervir de fato no mundo, então é necessário demais que a gente olhe para as tecnologias como um fator de transformação social. Por isso, acho que a PretaLab, muito mais que um lugar de formação, é um dedo na ferida de falar que temos de olhar para isso e não mais deixar que só os homens brancos do norte dominem essas técnicas, mas sim que as mulheres negras do sul consigam entender e produzir, porque isso é protagonismo e só acontece se a gente forçar um pouco essa entrada e conseguir estimular outras mulheres para que também tenham interesse em entender mais esse mundo e ter acesso a ele.

Ainda sobre o que você está dizendo, qual é a importância de as mulheres, especialmente negras e indígenas, se apropriarem desses espaços?
Partindo um pouco dessa ideia de que as tecnologias não são neutras e estão cada vez mais permeando a nossa vida em tudo o que a gente faz, e se a gente não entender melhor como essas coisas funcionam, se as mulheres negras não estiverem nesse processo, se não existirem políticas para que elas estejam nesse processo, vamos perder totalmente nosso poder de integração no mundo. Então, se partirmos desse lugar em que as tecnologias não são neutras e estão carregadas de visões políticas, econômicas e culturais de quem as cria – e em que esse poder hoje está centrado mais nas mãos de homens, brancos, heterossexuais, classe média/ricos –, a gente já potencializa uma grande desigualdade se não faz nada em relação a isso, porque o mundo é cada vez mais digital... Se você não tem essa sapiência, se não consegue intervir nesse mundo, sempre vai estar à margem das decisões da sociedade.

O projeto surgiu voltado para mulheres negras e vocês agregaram as indígenas?
Na verdade, desde o início a ideia já nasceu com esse recorte, e isso tem muito a ver comigo, porque sou uma mulher afro-indígena, sou filha de negro com índio e, por dialogar muito pouco inclusive com a minha identidade indígena, quando a gente começou a pensar a PretaLab, eu até me perguntei se seria ruim o nome ser PretaLab tendo o recorte também para mulheres indígenas, mas depois preferi assumir isso pensando que é uma cultura que está cada vez mais, aparentemente, invisibilizada – e a gente sabe que é uma cultura riquíssima, sobretudo em conhecimentos técnicos, porque quando penso em tecnologia penso num conhecimento técnico aplicado. Então cadê essas mulheres?

Há outros exemplos por aí de projetos superinteressantes de indígenas ligados à inovação, como a rádio Yandê, que é uma rádio indígena, então pensei que provavelmente pode haver outras mulheres indígenas nesse campo e também na ideia de visibilizar essa identidade que é muitas vezes apagada. O projeto nasce já com esse recorte muito porque eu demorei bastante tempo para entender que eu não era só negra, que eu também tinha sangue indígena. E mais do que entender, dialogar com essa identidade. Acho importante trazer isso para a cena também.

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