A autora Janine Rodrigues, destaque de julho do Cantinho da Leitura, conta histórias e lança o livro Nuang: Caminhos da Liberdade
Publicado em 28/06/2018
Atualizado às 11:49 de 03/08/2018
Uhuru vai, uhuru vem: afinal, o que é uhuru? Trata-se de um vocábulo de origem banto, tronco linguístico que originou vários idiomas africanos. Em suaíli, significa liberdade. E tal palavra encontra ressonância em Nuang, líder do grupo Uthando, menina que busca retornar para casa e vê o termo-amuleto como força maior. A trajetória da pequena mestra é a matéria de Nuang: Caminhos da Liberdade, obra de Janine Rodrigues a ser lançada em 7 e 8 de julho no Itaú Cultural.
Além de pôr o livro no mundo, a autora guia a contação de histórias desse fim de semana: ao lado da trama medular, há mais dois contos – “O Mito da Criação do Mundo”, no qual Olorum é protagonista, figura suprema, inventor de Orum (céu) e Ayê (terra); e “O Homem sem Sorte”, relato sobre um sujeito distraído que não percebe o entorno.
Liberdade, liberdade
E as asas, um dia, se abrem. Dado o princípio, o desembrulho da alma, surge a questão: enfim, o que é liberdade? O âmago a valer, a essência que independe da língua. O que é? A pergunta fisgou Janine na infância, época em que o seu caráter questionador já estava ali, nela. Travou, menina ainda, uma busca por entender. “Na esfera do povo negro, para mim, liberdade não fazia sentido. Eu não compreendia, por exemplo, como os fatos históricos eram ensinados, na escola, apenas a partir do viés da escravização. Eu não era livre para ter o meu cabelo, o meu nariz. Não era convidada para aniversários de amiguinhas. A cor da minha pele não era aceita. Que liberdade era essa, então?”, recorda a escritora acerca de suas primeiras indagações.
Imbuída de tais desconfortos, dos 9 aos 14 anos, aproximadamente, criou um enredo com paciência: nasceram, assim, os passos de Nuang, garota que deseja conquistar autonomia para si e para os seus. O desenrolar inteiro é centrado na volta à morada, objetivo entrelaçado à vontade de findar qualquer algema que possa prender quem a acompanha. No livro, a personagem fabrica um doce bem especial, comida terna cujo consumo, cada vez que alguém experimenta a iguaria, provoca o balanço da terra, ordem divina, e deixa a mocinha mais perto de seu destino. De mais em mais, porém, um detalhe: o doce termina antes da chegada ao lugar ansiado. As páginas também: Nuang, no âmbito das linhas, não encontra o lar querido – o desafio ultrapassa os limites de um volume. À frente, afora: cabe aos leitores, todos e juntos, lutar pela liberdade própria e do próximo. Para que a heroína seja livre, verdadeiramente livre, todos, você-ele-ela-nós, devem ser livres. Verdadeiramente livres.
A obra, mesmo depois da última frase, não termina: passa a habitar os corações, miúdos ou grandes, que por ela foram tocados. “A liberdade se dá no coletivo. Ninguém é livre sozinho. E é preciso saber: somos responsáveis um pela liberdade do outro”, afirma a arte-educadora. Por meio da ficção, Janine traz negros e negras alinhados ao verbo vencer, a cultura afro-brasileira é posta à tona, reflexões várias e fundas germinam: assinar um documento de alforria de escravos, igual ao ocorrido em 1888 neste chão, é sinônimo de liberdade? Não. Um colégio a solicitar, no tempo de agora, que estudantes com cabelos crespos e soltos amarrem os fios é sinônimo de liberdade? Não. Não, muitos nãos, muitos equívocos. Em um rio de interrogações, o convite para repensar falas e comportamentos. “Da leitura crianças e adultos saem com uma missão: o que você fará para ajudar Nuang a completar o regresso à casa?”, instiga a autora.
E ponto
Haverá um futuro no qual o óbvio não será obrigado a ostentar especificações, porque, nesse período por ora resguardado pelo sonho, o respeito à diversidade terá traço orgânico aos olhos do mundo completo. “Imagino a época em que não necessitaremos classificar: crianças brancas, crianças negras. Usaremos o substantivo crianças e ponto”, idealiza a escritora. Hoje, todavia, a sociedade está aquém, longe, longe de superar a iniquidade que a assola. No entanto, têm sido elaborados, em áreas distintas, projetos que visam diminuir, paulatinamente, essas fissuras.
A editora Piraporiando, no universo livreiro, é um caso: o selo de Janine abarca os seus cinco títulos – No Reino de Pirapora (2013), As Duas Bonecas Azuis (2015), Contos Piraporianos (2017), Histórias do Velho Nestor, Contando Seus Contos de Horror (2017) e o recente Nuang – Caminhos da Liberdade (2018). A iniciativa é ainda uma produtora cultural, reunião de pessoas preocupadas e atentas a pilares como afetividade, educação, incentivo à leitura e valorização do diverso. “Temos que falar sobre diversidade com as crianças: quanto mais pluralidade elas conhecerem, menor será o potencial preconceituoso delas”, afirma a contadora de histórias.
O leque múltiplo que brada por respeito e equidade possui estada permanente nos volumes enfatizados. Foi com o pai que ela aprendeu uma lição preciosa: o humano é criatura complexa. “Ele me ensinou que não precisamos ser binários e que podemos mudar de opinião”, relembra a filha, orgulhosa. Aos 8 anos, a criadora de Nuang e demais personagens perdeu o amparo paterno. Mas dele guarda os ensinamentos que a fizeram inquirir e desconfiar: o que é bonito, o que é feio? Ou: cadê a diversidade que ouvia os familiares exprimir e não aparecia na rua, na sala de aula?
Formada em gestão ambiental, antiga praticante do hábito de enviar cartas para a mãe, partidária do trabalho em prol da infância, Janine ressalta: “Quando escrevo, escrevo e ponto”. De novo, recusa-se a aceitar o enquadramento em caixas oclusas. As produções dela não são somente, e tão somente, para os pequenos: de ponto em ponto, ela vive de literatura, algo quase utópico no Brasil, terreno no qual espalha as próprias utopias possíveis.
Contação de Histórias no Cantinho da Leitura com Janine Rodrigues [com interpretação em Libras]
sábado 7 de julho e domingo 8 de julho
das 12h às 13h
espaço do Cantinho da Leitura e da Feirinha e de Troca
[sem distribuição de ingressos]
Entrada gratuita