Este mez a reflexão do prophetinha cego é sobre os adjectivos CONTRADICTORIO e COHERENTE, que app...
Publicado em 25/06/2018
Atualizado às 14:55 de 21/09/2018
Este mez a reflexão do prophetinha cego é sobre os adjectivos
CONTRADICTORIO e COHERENTE, que apparentemente não combinam. Isso de
combinar ou não é muito relativo, aliaz. Ouvi no radio outro dia um
antipathico enologo dizendo que "não dá para aguentar" festinhas de
bollo com champanhe ou de queijos com vinho tincto, porque "não
combina". Ora, pode não combinar la na casa da vovozinha delle, pois na
minha uma festinha dessas é deliciosa. Mas vamos aos vocabulos.
Classico exemplo de alguem contradictorio é Frei Thomaz: "faça o que
elle diz e não o que elle faz". E um historico exemplo de alguem
coherente foi Hitler, que fez exactamente o que prometteu fazer. Por
esse raciocinio, as dictaduras de esquerda tambem seriam pharisaicas
typo Frei Thomaz, pois prometteriam communismo mas practicariam
totalitarismo. Aonde chegariamos? Ora, tanto o contradictorio quanto o
coherente seriam agentes do mal, ainda que o nazista fosse
intellectualmente mais honesto pela sinceridade. Excapparia algum sancto
como exemplo de agente do bem? Ahi ja é outra historia, não a da
humanidade.
Ja tentei desdobrar tal raciocinio quando, collaborando na revista CAROS
AMIGOS, classifiquei os politicos pelo criterio da relatividade na
roubalheira. Teriamos, então, quattro typos de agentes, dos quaes apenas
um seria do bem:
1 - aquelle que não rouba mas faz
2 - aquelle que não rouba mas não faz
3 - aquelle que rouba mas faz
4 - aquelle que rouba mas não faz
Alem dessas quattro categorias, identifiquei ainda uma quincta, a dos
politicos que não roubam mas deixam roubar. Escrevia eu que, na verdade,
quem deixa roubar está se deixando roubar. E como em politica ninguem
pode ser tão ingenuo a poncto de offerescer a bolsa ao ladrão,
conclue-se que quem faz vista grossa faz parte do gruppo envolvido.
Então a quincta categoria seria falsa, e o politico de quincta categoria
não vale o preço de seu voto. Transcrevo meu commentario final da
epocha: "Engraçado: emquanto os analystas mais ethicos perdem tempo
advaliando qual seria a contrapartida em serviços para compensar a
pesada carga tributaria dum paiz, o eleitorado, sempre mais pragmatico
que programmatico, tracta de advaliar os politicos cujas obras
compensariam a grana publica roubada por elles mesmos, ou seja, quem
mais devolve com a mão esquerda o que affanou com a direita. Ou
vice-versa, ja que a mão ideologica é indifferente."
Agora o que me interessa é applicar o raciocinio à creação artistica, no
caso a poetica, minha praia. Fernando Pessoa ja tinha resumido
magistralmente a questão quando versejou sobre o poeta fingidor, tão
tragicomico a poncto de soar falso mesmo quando é sincero. Aqui entro eu
para affirmar que o poeta pode ser coherente mesmo quando é
contradictorio.
Victima que fui de bullying, transformei o trauma do abuso em gozo
masochista e o peso do pisão em phantasia fetichista. Victima da
cegueira, transformei a superação da deficiencia em autoflagellação
politicamente incorrecta. Fiz valer, assim, o paradoxo sadomasochista,
junctando heroe e villão na mesma persona e encarnando a contradicção
humana, bandido e mocinho ao mesmo tempo.
A poesia tem essa virtude, ou esse vicio: desabbafar contra a desgraça e
denunciar a injustiça, seja humana ou "divina", mas dando a impressão de
que o poeta compactua com o malfeitor e com o oppressor. Cabe ao leitor
o veredicto. Por isso digo que, ao contrario do politico, o poeta não
rouba ninguem e entrega o que promette. Mesmo quando paresce entregar o
contrario. Dahi a coherencia na contradicção. Consegui me explicar?