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Diversidade no audiovisual

Luis Albornoz é professor titular do Departamento de Jornalismo e Comunicação Audiovisual da Universidade Carlos III de Madri (UC3M) e...

Publicado em 24/10/2014

Atualizado às 21:01 de 02/08/2018

Luis Albornoz é professor titular do Departamento de Jornalismo e Comunicação Audiovisual da Universidade Carlos III de Madri (UC3M) e integra o grupo de pesquisa Televisão-Cinema: Memória, Representação e Indústria (Tecmerin). Coordena o projeto de pesquisa Diversidade Cultural no Meio Audiovisual – Boas Práticas e Indicadores, vinculado ao Plano Nacional de Investigação Científica, Desenvolvimento e Inovação Tecnológica (I+D+i), do Ministério da Economia espanhol. No Brasil, é pesquisador associado do grupo de pesquisa Políticas e Economia da Informação e da Comunicação, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PEIC/CNPq).

Durante o III Seminário Políticas para Diversidade Cultural, parceria entre o Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, da Universidade Federal da Bahia (Pós-Cultura/UFBA), o Observatório da Diversidade Cultural (ODC) e a Rede U40 Brasil, que contou com o apoio do Observatório Itaú Cultural, Albornoz nos concedeu a entrevista a seguir. Nela ele fala sobre as barreiras para contemplar a diversidade nas produções audiovisuais em países como Brasil, Espanha e Argentina; como as políticas públicas podem atuar na diversificação da produção, na distribuição, no consumo e na fruição desses conteúdos; qual é o impacto das redes sociais e dos suportes digitais nesse contexto; e os principais desafios para medir diversidade cultural nas indústrias culturais.

Até julho de 2015, Albornoz estará no Brasil assessorando distintos projetos de pesquisa no estado de São Paulo com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Observatório: O senhor está coordenando uma pesquisa ainda em andamento, Diversidade Cultural no Meio Audiovisual – Boas Práticas e Indicadores, vinculada ao Plano Nacional de Investigação Científica, Desenvolvimento e Inovação Tecnológica (I+D+i), do Ministério da Economia espanhol. Nesse estudo, já conseguiu identificar os fatores e as circunstâncias que constituem obstáculos à diversidade das expressões culturais no audiovisual?

Nessa pesquisa, temos identificado um conjunto de barreiras que impedem a diversidade no setor audiovisual. Em primeiro lugar, acho que existe uma barreira de tipo econômico-empresarial que tem aberto uma direta concentração empresarial nos sistemas midiáticos, especialmente no campo audiovisual. Temos uma concentração que pode ser de fontes, de produção de conteúdos, mas também de distribuição desses conteúdos, especialmente no caso do cinema, por exemplo, em que existe uma forte presença, em nível internacional, de conglomerados empresariais pertencentes aos grandes grupos audiovisuais dos Estados Unidos da América, dentro dos quais regiões como a América Latina ou a própria Europa Ocidental têm um peso muito forte na distribuição de filmes. Vamos pensar também no caso do Brasil, da Argentina ou da Espanha: a distribuição de conteúdos televisivos está concentrada em poucas mãos. Então, eu acho que a primeira barreira é de conteúdo econômico-empresarial e tem a ver com a concentração de empresas.

Uma segunda barreira, falando em termos gerais, seria a daqueles países que não têm meios públicos de serviço, ou os têm debilitados. Eu acho que, por exemplo, no caso da Europa, a televisão pública, essa televisão que funcionou durante décadas sob o “guarda-chuva” do conceito de serviço público, tem feito muito pela diversidade cultural. Mas agora, nas últimas décadas, com os sistemas mistos de operadores públicos e operadores privados, e esse ingresso da concorrência da televisão pública com o setor privado, muito da diversidade que se tinha visto nas pequenas telas tem também se reduzido consideravelmente. Em alguns países, isso é muito evidente, como no caso da Itália ou no próprio caso da televisão espanhola. Eu acho que o fortalecimento do serviço público, com um mandato de serviço público para atender às diversas necessidades de toda a população, considerando as pessoas que estão atrás das telas, como cidadãos, é essencial para garantir a diversidade cultural no setor audiovisual.

Uma terceira barreira tem a ver com os órgãos de controle do audiovisual. Alguns países possuem boas legislações, que destacam os princípios de diversidade e do pluralismo, mas, na hora de controlar o funcionamento do sistema, o controle é muito fraco e as normativas ficam em um terreno em que se veem apenas as boas intenções, e não há órgãos fiscalizadores do cumprimento da diversidade no audiovisual. Então, órgãos de controle fortes e independentes do ponto de vista político e do ponto de vista econômico são essenciais para garantir a diversidade no setor audiovisual.

Em quarto e último lugar, acho que mais um dos impedimentos para o desenvolvimento do setor tem a ver com a falta de instrumentos de avaliação das políticas públicas de cultura e comunicação para a defesa da diversidade cultural. O poder público tem muito a fazer para pensar ferramentas e indicadores em função dos objetivos políticos da diversidade cultural no meio audiovisual.

Observatório: Quais seriam as boas práticas e indicadores que poderiam ser adotados no Brasil para fomentar a diversidade cultural nas produções audiovisuais? Qual o papel do governo e da indústria do audiovisual no caminho da preservação da diversidade, ainda mais em se tratando de um país com dimensões continentais e com uma realidade socioeconômica e cultural bastante diversa?

Na minha opinião, para pensar em políticas públicas relacionadas com a diversidade audiovisual, é preciso pensar nas diferentes dimensões dessa diversidade. Por exemplo, diversidade de fontes de informação e conteúdos, com uma política que pense em como diversificar também as fontes de produção. Mas há outro aspecto-chave, que tem a ver com a distribuição e a difusão no mercado industrial audiovisual. No conjunto das indústrias culturais, o setor de distribuição é o setor que apresenta maior concentração. Em alguns países, como é o próprio caso da Espanha, do ponto de vista cinematográfico, há uma alta produção de filmes, mas esses filmes não chegam às telas dos cinemas e não chegam aos cidadãos, que, na maioria dos casos, pagaram por meio de seus impostos para que fossem realizados.

Uma coisa são as fontes de produção, outra é a dimensão de distribuição ou emissão (se pensamos na televisão etc.). Além disso, é também muito importante a dimensão que tem a ver com o consumo e com a fruição desses conteúdos audiovisuais, porque você pode ter uma oferta muito diversa, por exemplo, pensando na produção cinematográfica. Você pode ter um fim de semana com produções de sete, oito países diferentes, mas todo mundo vai assistir aos mesmos dois ou três filmes produzidos em um só país. Embora com uma oferta diversificada, o consumo é concentrado naqueles filmes que têm maior grau de promoção: publicidade, marketing, enfim, acho que todos podem imaginar do que estou falando.

Assim, por meio das políticas públicas, é possível trabalhar os modos de diversificar os consumos de produtos audiovisuais, como também diversificar a fruição desses conteúdos audiovisuais, e isso está em relação direta com a formação dos públicos: é necessário não apenas garantir o acesso a uma oferta diversificada, mas também pensar em como educar a sensibilidade das pessoas, dos cidadãos, para se conectar e conseguir uma gratificação com produtos que são mais difíceis de fruir e de “curtir”, digamos. Por isso, a dimensão do consumo é também muito importante para o setor audiovisual.

Para finalizar o que estava falando no começo, acho muito importante pensar a diversidade em sua concretude e em suas múltiplas dimensões, e ter políticas e ferramentas para procurar incidir nas fontes, na distribuição e no consumo, e então garantir a diversidade no sistema audiovisual.

Observatório: Quais são os benefícios e os riscos das redes sociais e dos suportes digitais no desenvolvimento e na aplicação da Convenção sobre a Proteção da Diversidade das Expressões Culturais, em vigor desde 2007?

Para nós, pesquisadores do projeto Diversidade Cultural e o Setor Audiovisual, as mudanças no âmbito tecnológico, como também no social, no político e no cultural, que estão se dando agora são fundamentais. Parte da nossa pesquisa está focada na paisagem digital, que é como os novos suportes digitais têm modificado o audiovisual, estabelecendo novas formas de produção, de distribuição e também de consumo por parte das pessoas. A nossa avaliação é que as novas tecnologias trazem em si um discurso promocional delas mesmas. Um discurso que, segundo nosso ponto de vista, é um discurso tecnológico determinista, no sentido que a internet, a presença da rede por si mesma, vai trazer maior diversidade, e eu acho isso bastante discutível. As pesquisas que vêm sendo realizadas preveem a paisagem digital e os novos intermediários digitais, que a cada dia ganham mais força e determinam, nas regras mercantis, qual é o interior da paisagem digital. Um caso último de novos intermediários, que está agora nos jornais de todo o mundo, tem a ver com o YouTube e os novos contratos que eles empresam com sede nos Estados Unidos, que estão tentando assinar com as gravadoras musicais independentes em termos que não são aceitáveis pelo setor dessas gravadoras independentes. Eles querem impor um contrato sem passar pelo seu setor de representação, e esses contratos estão, por exemplo, baixando os valores que as gravadoras recebem quando algum de nós visualiza um vídeo musical pelo YouTube, e o perigo é: ou você assina ou você é barrado dessa plataforma.

Uma coisa similar e ainda mais conhecida ocorreu entre o Google News e os servidores da imprensa da Bélgica. Os servidores da imprensa belga reclamaram nos tribunais porque muitos dos conteúdos de seus diários estavam sendo utilizados pelo Google News, que não pagava nada pelos conteúdos. Então, após um conflito de vários anos, o Google decidiu barrar os jornais belgas: se você procurava por meio da busca os jornais belgas, era como se eles não existissem. Esse é o grande poder que esses intermediários digitais possuem. Nós, analistas do legado da professora Divina Frau-Meigs , achamos que ela emprega uma frase muito certa. Ela diz que temos passado de Hollywood a Hollyweb, e Hollyweb são todos esses novos intermediários que nesses últimos anos têm ganhado um poder muito grande na paisagem digital.

Mas essa paisagem possui potenciais benefícios. No mês de maio deste ano, realizamos uma pesquisa sobre a distribuição e a exibição digital de cinema, na Espanha, e evidentemente as novas tecnologias digitais têm muitas possibilidades a oferecer à distribuição de conteúdos, que antes ficavam nas mãos somente de grandes e pequenas distribuidoras de cinema. Hoje, é muito simples conseguir via satélite ou por meio da internet filmes minoritários, com versões originais legendadas, para todo esse circuito de salas de exibição cinematográfica. O problema é como fazer a conversão do analógico ao digital, e esse é um dos grandes temas atuais de debate em toda a Europa. Mas não podemos deixar de assinalar que a tecnologia digital, embora traga os perigos que assinalei, também traz uma série de oportunidades para que novos conteúdos, conteúdos mais minoritários, tenham espaço e alcancem seus públicos.

Muitas vezes, a pergunta é se uma maior e mais diversificada oferta de conteúdo vai ao encontro de um consumo mais diversificado. Eu acho que as poucas pesquisas que abordam esse aspecto indicam que, na verdade, mesmo com ofertas mais diversificadas, o consumo continua concentrado nos grandes blockbusters, nos grandes hits, naqueles produtos que são consumidos por uma maioria. Então, se não são abordadas nas pesquisas as redes pear to pear, nas redes de compartilhamento de conteúdos culturais de tipos distintos, tanto audiovisuais quanto musicais etc., você vê que as coisas que são mais consumidas nas redes pear to pear são os produtos mais comerciais e mais vendidos no mundo analógico, de veiculação pelos grandes meios de comunicação. No caso do YouTube, as análises que eu vi também indicam a mesma coisa: que esse consumo reflete o consumo mais comercial dos meios tradicionais.

Observatório: Você ministrou um minicurso tanto no VII Seminário Diversidade Cultural como no III Seminário Políticas para Diversidade Cultural, realizados em maio em Belo Horizonte (MG) e Salvador (BA), que abordou os desafios metodológicos em pesquisar temáticas relacionadas à diversidade cultural. Por favor, identifique resumidamente os principais desafios de medir a diversidade nas indústrias culturais.

Não é fácil avaliar as políticas destinadas à defesa do princípio da diversidade, no sistema audiovisual, principalmente porque não temos ferramentas desenvolvidas para fazê-lo. Pensamos somente em indicadores quantitativos para avaliar essas políticas e, em muitos casos, vemos que as políticas públicas não têm os dados principais de desenvolvimento de ambos os setores, da cultura e da comunicação. É o problema de falta de dados, ou, muitas vezes, da existência de dados que são fornecidos ou ficam nas mãos dos próprios interessados, do próprio setor empresarial.

Essa é a primeira questão. Um segundo caso a considerar tem a ver com a metodologia por meio da qual essas informações e esses dados são obtidos. Vamos dizer que no Brasil, na Argentina ou na Espanha, para citar alguns países que possuem estatísticas culturais, a metodologia que está por trás do fornecimento desses dados é totalmente diferente, então é impossível fazer análises comparativas. Acho que temos muito a avançar no âmbito dos indicadores culturais e temos também de lembrar e reconhecer as limitações desses indicadores. Todo indicador se inscreve dentro de uma política mais ampla, e é preciso contar com esses indicadores culturais, mas também reconhecer quais são as necessidades, os desejos e as estratégias dos agentes que atuam em um mercado audiovisual determinado.

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