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Em uma sociedade de múltiplas telas e imagens em movimento, o cinema resiste?

As imagens em movimento não são mais uma exclusividade do cinema. Em redes sociais e virtuais, a ...

Publicado em 01/05/2019

Atualizado às 10:35 de 02/05/2019

Por Milena Buarque Lopes Bandeira

As imagens em movimento não são mais uma exclusividade do cinema. Em redes sociais e virtuais, a comunicação diária pautada em vídeos e fotos tem sido entendida como parte de um longo processo de dessacralização. Um dos maiores fenômenos imagéticos dos últimos anos, a série Game of Thrones, baseada na obra de George R. R. Martin, conta com uma legião de fãs que sintonizam a televisão em um mesmo canal e horário, no mundo todo, em um momento de conectividade extrema – que costuma se prolongar por outras mídias.

Fora das telonas, a proliferação de imagens em movimento tem dado conta tanto de narrativas pessoais, pequenos filmes compartilháveis de cada um, quanto de narrativas jornalísticas que rivalizam ou reinventam o modo de fazer reportagem e a forma de acompanhar o mundo.

Em uma sociedade de telas, o cinema pode resistir? A pesquisadora em comunicação e cultura Ivana Bentes e o jornalista Arthur Dapieve respondem a essa questão.


– Ivana Bentes, pesquisadora, ensaísta e professora; doutora em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Não só o cinema resiste, como também ele se expandiu de tal forma que dominou todo o campo da comunicação. Ou seja, hoje, esse campo é quase todo cinemático. As pessoas contam pequenos filmes ao longo do dia, aplicam filtros em aplicativos. Uma série de processos que ficavam no campo do especialista se massificou. O cinetismo se tornou dominante de tal forma que achamos que ele desapareceu.

Chamo a atenção para essa função da sociabilidade da imagem. A gente hoje grava e manda imagens. Você pode fazer o ao vivo, o streaming, a qualquer momento. Eu acho que o streaming em 2013, com os ninjas [rede descentralizada de mídia que ficou conhecida no Brasil durante diversos protestos], rivalizava com as narrativas jornalísticas, reinventava o cinema. Câmera na mão, câmera cega. Muitas vezes você até não via imagem, colocando por terra nossos dogmas sobre qualidade. Estamos num momento muito interessante. Esse momento Black Mirror, distópico também.

Hoje a gente negocia o trânsito das imagens, a gestão das imagens. Nós somos imagens entre imagens. Um dia seremos apenas imagens, quando morrermos. Nós estamos gerindo nossa ressureição midiática por meio das imagens.

O cinema não morreu. Ele tomou conta de tudo. Estamos inventando a maneira de partilhar nossa vida. E isso é muito positivo.


– Arthur Dapieve, jornalista, escritor e comentarista (GloboNews e SporTV)

É difícil prever o futuro, como todos nós sabemos. Até 15 anos atrás não imaginávamos que, sob vários aspectos, estaríamos aqui neste momento. O que a gente experimenta hoje de maneira mais ativa é a dessacralização da imagem. Lembre-se de como era o cinema de 15 ou 20 anos atrás: você entrava numa sala escura, não havia outra luz além da tela e dos avisos de emergência. Hoje você tem de conviver com telas de celular de variados calibres.

Quando a imagem sai daquela tela grande, daquela coisa autocelebratória, quando vemos essa imagem se disseminando, a gente acha que ela perdeu essa coisa sagrada que ela tinha em nossa vida.

A cultura imagética extrapolou para celulares e telas além das salas de cinema tradicionais. Você tem infinitas possibilidades na produção de imagem, tanto da imagem documental quanto da ficcional. O que nos cabe é aprender a usar o melhor de cada uma delas. A imagem está sendo dessacralizada e, no entanto, temos fenômenos puramente imagéticos, como a série Game of Thrones. O mundo para para olhar aquilo.

O cinema não precisa se preocupar em resistir: ele se tornou capilar na nossa sociedade. Resiste e contaminou muita coisa. Ele demanda uma técnica diferente, com produções menores feitas para outros momentos. É possível ver um filme no metrô com uma boa conexão. Mas isso demanda sensibilidade de abstrair o entorno em qualquer lugar e a qualquer momento. Hoje em dia qualquer um de nós se torna um bom cineasta com um conhecimento mínimo de gadgets.

 

*Texto produzido durante a terceira edição do evento Encontros de Cinema, que reuniu no Rio de Janeiro, nos dias 15 e 16 de abril, diretores, pesquisadores, roteiristas, produtores, jornalistas e gestores desse setor.

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