Grandes festivais brasileiros de fotografia já preveem a utilização do ambiente digital para as próximas edições
Publicado em 31/07/2020
Atualizado às 11:26 de 17/08/2022
por Cassiano Viana*
Com as restrições decorrentes da pandemia de covid-19, os organizadores de festivais e eventos de fotografia estão reformulando suas programações, com atividades adaptadas às exigências de isolamento social, utilizando canais digitais e suportes, como lives e conversas on-line.
“É preciso achar novas formas de fazer”, afirma Milton Guran, coordenador do FotoRio – Encontro Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro. “Nós redimensionamos a edição deste ano e partimos para o FotoRio 2020 VIRTUAL. Felizmente são muitos os recursos à disposição, desde as mídias sociais tradicionais – site, Facebook, YouTube e Instagram – até as novas plataformas para reunião virtual, que já existiam, mas ganharam visibilidade e utilidade mais ampla nesta quarentena.”
Para Guran, atividades como as leituras de portfólio ficaram até mais atraentes no formato virtual, ganhando outras dimensões graças ao alcance desse formato.
“A fotografia transitou bem para o digital e suas práticas estão dialogando melhor ainda com o virtual, e nós estamos surfando nessa onda. Praticamente todas as atividades de um festival como o nosso podem encontrar versões virtuais”, avalia. “A única coisa que é realmente insubstituível é o encontro, a troca pessoal, com seu fluxo de sentimentos, a corrente de emoções complementares que se dá no encontro de iguais, como acontece quando há público nos festivais”, lembra.
“Os eventos, a partir de agora, e mesmo que a pandemia venha a ser controlada, vão precisar incrementar formas de participação on-line e ampliar a difusão de conteúdo na web”, afirma Eugênio Sávio, organizador do Festival de Fotografia de Tiradentes, que acontece em Minas Gerais. “O que faz enxergar que este caminho digital vai ficar para sempre”, completa.
“Acredito no potencial dessas reformulações e considero fundamental que espaços para a experimentação, a pesquisa e o encontro continuem sendo criados e estimulados”, afirma Thamyres Matarozzi, coordenadora do Valongo Festival Internacional da Imagem, que aconteceria entre maio e julho, em Santos, São Paulo.
“O Valongo é pensado para oferecer ao público a criação de espaços, trocas e sinapses; de ideias que surgem a partir de proposições estimuladas, discutidas e performadas através da programação oferecida, seja ela presencial ou de outra natureza”, conclui.
Tiago Santana, organizador do Fotofestival Solar, realizado no Ceará, lembra a importância da experiência presencial dos eventos: “Mesmo antes da pandemia, muitas atividades virtuais já eram realizadas, a comunicação on-line já existia, as pessoas sempre estiveram nas redes. Mas os momentos presenciais sempre foram o ápice dos eventos, um momento muito esperado, em que as pessoas estavam juntas, em trocas às vezes mais ricas do que as da programação oficial”, explica.
“Este é um momento de grande aprendizado, um momento muito rico de reflexão. Nenhum evento pode ficar à margem do seu tempo, do seu contexto. Vamos ter de amadurecer, nos reinventar, buscar novos modelos com a utilização de novos suportes, mas sem perder essa essência”, afirma.
Para João Kulcsár, organizador do Festival de Fotografia de Paranapiacaba, que acontece em Santo André, São Paulo, o novo formato híbrido ativa o poder transformador dos festivais, os torna mais participativos, sustentáveis e democráticos. “Com a ampliação do formato digital, e sem custos de transporte e hospedagem, podemos potencializar ainda mais o foco da nossa essência, que é ampliar a representatividade territorial nos encontros mirando a diversidade de gênero, etária, de contexto social e de etnias brasileiras”, observa.
“Vivemos um momento ainda de transição, mas com o tempo haverá um equilíbrio e acredito que vamos combinar o presencial e o virtual”, vislumbra. “Encontraremos novos caminhos criativos, novas fórmulas mais sustentáveis para o conteúdo, e poderemos usar a vertente presencial mais para celebrar os encontros afetivos e a experiência física com todos os sentidos”, conclui.
Reformulação passa por formato, programação, calendário dos centros culturais e possibilidades de financiamento
“Reformatamos e migramos o conteúdo para um formato digital, para realizar algumas atividades on-line, em modelo de videoconferência, e em agosto vamos apresentar o conjunto da programação na configuração digital”, explica Sinara Sandri, diretora do FestFoto, de Porto Alegre.
Para Sinara, trabalhar na perspectiva do digital é hoje uma realidade para autores e produtores culturais. “Mas essa não é apenas uma contingência, é algo que abre algumas possibilidades, como aproveitar os intercâmbios que podem ser feitos sem a necessidade de viagens”, explica.
“Os deslocamentos para a participação em eventos concentrados em curtos períodos sempre foram caros, e hoje temos resistência por questões de segurança. Esse talvez seja um benefício dos eventos remotos. O preço das passagens e da hospedagem sempre teve um peso grande na produção dos eventos. Com essa nova realidade, de atividades remotas, podemos pensar em outras utilizações para os recursos”, avalia, acrescentando que a leitura de portfólio do FestFoto foi realizada no primeiro semestre, em junho. O resultado, para Sinara, foi positivo e superou as expectativas.
Ela afirma não saber qual será o formato dos eventos no futuro. “Estamos todos trabalhando nisso, buscando um reposicionando em termos de formato, programação, e possibilidades de financiamento”, destaca. “Provavelmente caminhamos para um mix de atividades que combinam conexões remotas com o presencial”, afirma.
“De qualquer forma, mesmo com o fim da pandemia e o retorno dos eventos presenciais, existem habilidades e possibilidades que estão se construindo no ambiente remoto das quais não deveríamos abrir mão no futuro”, conclui.
*Cassiano Viana é editor do blog About Light e autor da série Olhares sobre a Covid-19, publicada pelo Itaú Cultural.