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Gestores culturais em foco | Marcelo Rangel, Instituto Banese (SE)

Jornalista, produtor e gestor cultural, Marcelo Rangel foi aluno da turma 2011/2012 do curso de Especialização em Gestão e Políticas...

Publicado em 23/12/2016

Atualizado às 10:36 de 03/08/2018

Marcelo Rangel foi aluno da turma 2011-2012 do curso de especialização em gestão e políticas culturais realizado pelo Itaú Cultural em parceria com a Cátedra Unesco de Políticas Culturais e Cooperação, da Universidade de Girona, na Espanha. Nesta entrevista, ele comenta os desafios da atuação de gestores e produtores culturais, tanto na sua cidade, Aracaju (SE), quanto no país.

Marcelo Rangel é jornalista, produtor e gestor cultural, graduado em comunicação social/jornalismo pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), com especialização em gestão e políticas culturais pela Universidade de Girona/Itaú Cultural. No Grupo Banduendes (RJ), foi ator e assistente de divulgação, com trabalhos em teatro, cinema e televisão (1981-1986). Implementou e coordenou o Espaço Cultural Yázigi (1998-2007), desenvolvendo ações diversas com ênfase em artes visuais e audiovisual. Foi secretário-adjunto da Secretaria de Estado da Cultura de Sergipe (2007-2013), com atuação nas áreas de cultura e desenvolvimento, capacitação de agentes culturais, patrimônio cultural e articulação institucional. Atualmente é diretor de programas e projetos no Instituto Banese, instituição responsável pela gestão do Museu da Gente Sergipana Gov. Marcelo Déda.

Marcelo Rangel

Qual é a importância de compartilhar com outros gestores as suas experiências na área cultural? Como você vê essa troca?

Considero extremamente importante participar de fóruns de debate, seminários, congressos e encontros de gestores e pesquisadores. Esses momentos de reflexão e compartilhamento de experiências enriquecem nossos modos de pensar e atuar na área da cultura. Conhecemos outros pontos de vista e olhares sobre as políticas culturais, análises sobre resultados, dados que possibilitam a ampliação do nosso senso crítico e que podem nos auxiliar em decisões estratégicas e no desenho de programas e projetos. Essas reuniões também propiciam a prospecção de parceiros e a ampliação de redes de relacionamento profissional e institucional, as quais podem gerar novas ações e conexões.

Quais desafios um gestor/produtor cultural enfrenta hoje no Brasil?

A resposta mais óbvia seria que o maior desafio é enfrentar a escassez de recursos para o setor cultural. No entanto, acredito que o mais desafiador é encontrar a fundamentação adequada, o embasamento para a defesa da importância das políticas culturais ou dos projetos a ser desenvolvidos. Quanto mais fundamentada for a argumentação, maior é a possibilidade de as intenções serem concretizadas. A escassez é preocupante, mas dificuldades acabam gerando outros modos de atuação, novas combinações e formas de ação, especialmente por meio de parcerias, e nesse sentido é vital que os parceiros se sintam valorizados.

Também considero que a formação de público deve ser priorizada; é preciso que pensemos em produtos culturais para a infância e a juventude e em formas de ação e mediação para esses públicos. Além disso, num momento nacional e global tão delicado, que por vezes chega a beirar o sombrio, a ideia de promover e difundir a diversidade cultural representa uma possibilidade de ampliação dos campos de visão, dos olhares sobre o outro, um caminho para a coesão social, para uma sociedade mais pautada pela compreensão e pelo respeito ao diverso.

Em que consiste o trabalho do gestor/produtor cultural? Quais são as habilidades e as competências necessárias para que um gestor/produtor cultural tenha êxito em sua atuação?

Essa questão é complexa, pois há diferenças entre o trabalho do gestor e o do produtor cultural. Um produtor pode estar ligado somente à execução de programas e projetos. Já o gestor deve ter uma visão mais abrangente a respeito de sua ação e dos resultados que deseja alcançar, a partir de uma perspectiva mais analítica sobre o conjunto de elementos que compõem o cenário ou o território em que atua. A gestão no campo da cultura envolve uma visão mais detalhada sobre a realidade, até mesmo para poder relacionar contextos locais e globais. Abrange também a intencionalidade nas ações, porque determinado projeto, ou um conjunto deles, deve ser realizado, mas o que ele pode proporcionar a pessoas e coletivos?

Nesse sentido, inspiram-me as reflexões do professor Teixeira Coelho em A Cultura e Seu Contrário, especialmente a ideia de que a política cultural deve criar “condições para que as pessoas inventem seus próprios fins”. O gestor cultural, para realizar um trabalho transformador e estruturante, deve buscar formas de estimular e promover diferentes perspectivas para que as pessoas percebam e interpretem a realidade, o mundo, as culturas, a nossa própria existência, para que decidam como (e se) devem interagir e buscar seus próprios horizontes e até criar suas próprias referências. Creio que esta deve ser a meta do gestor cultural: fortalecer a dinâmica própria dos processos e das identidades culturais – que são fluidas e não estáticas –, e não promover um pensamento único e totalizante.

Acredito que o êxito profissional nessa área deve advir desta perspectiva, a de estimular conexões entre diferentes agentes culturais e públicos variados para conseguir promover diálogos entre pessoas, linguagens, culturas e expressões. Há uma série de habilidades e competências profissionais que propiciam uma atuação destacada, mas uma das mais significativas é a capacidade de relacionamento e interlocução entre diferentes atores desse campo profissional. Diante de tantas dificuldades e precariedades dessa área de atuação, o gestor cultural precisa compreender e identificar sinergias, envolver variados agentes e instituições, para assim compor a estrutura de uma ação cultural. Isso não está restrito à busca de recursos financeiros e meios para executar um projeto, mas envolve sua própria composição, o desenho de seu alcance e as formas de agregar credibilidade e visibilidade.

Como você avalia as políticas culturais praticadas na sua cidade?

As políticas culturais como um todo estão em risco no Brasil de hoje, pois está em curso o desmonte de anos de construção de um sistema que começava a promover resultados no fortalecimento da complexa rede de expressões e anseios que fundamentam a diversidade cultural brasileira, na qual havia caminhos para estímulos variados, desde iniciativas comunitárias até experimentações artísticas. Em Aracaju, nos últimos anos houve um vazio em termos de política cultural. Além da ausência de bases para uma institucionalidade – não há fundo, conselho nem plano de cultura –, existe muito clientelismo, pouca visão global e muitas “boas intenções” que se fundamentam em esferas específicas de pensamento.

Talvez por insuficiência de institucionalidade, parece haver aqui certa tendência à criação de panteões de saber cultural, com egos que se movimentam em círculos restritos. É preciso romper a cultura do paternalismo, a ideia de que um projeto precisa ser apoiado somente por causa de seus bons propósitos ou porque nele estão envolvidos determinados elementos proeminentes da intelectualidade. Mas é das ruas que já podemos ouvir vozes dissonantes, com a ocupação de praças e espaços para atividades livres, e por isso é tão importante que as políticas culturais se voltem para a auto-organização e a cogestão das iniciativas culturais. O Poder Público municipal – ou um gestor em particular – não pode ser o único a determinar os caminhos da fruição cultural de uma coletividade.

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