Assessora de projetos da prefeitura de Curitiba, Janine comenta os desafios e os sucessos das políticas públicas na capital paranaense
Publicado em 06/03/2018
Atualizado às 11:57 de 03/08/2018
Em 2003, juntamente com a Cidade do Panamá, Curitiba recebeu o título de Capital Americana da Cultura, chancelado pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Tal título reconhece o caráter multicultural de uma cidade que possui nas suas origens uma forte ligação com os movimentos de migração.
Para alcançar esse quadro, a Fundação Cultural de Curitiba teve papel determinante. Criada em janeiro de 1973, a instituição foi resultado de um processo de transformações sociais pelas quais a cidade passou entre as décadas de 1960 e 1970, que buscavam, além de outros objetivos, a preservação da cultura e da história da capital paranaense.
Decorridas mais de quatro décadas, a fundação firmou-se como um dos principais pilares da cena cultural de Curitiba, atuando em parceria com artistas e produtores culturais, além de organizações das mais diversas naturezas: estatais, não governamentais e privadas. Para compreender um pouco mais da importância da instituição, conversamos com Janine Malanski, assessora de projetos da prefeitura de Curitiba. Janine possui ampla experiência com educação e cultura na cidade e já foi diretora da fundação. Nesta entrevista, ela compartilha sua experiência e sua visão a respeito do cenário cultural atual.
Janine Malanski formou-se em história pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, e fez especialização em antropologia social na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Além disso, é especialista em gestão e políticas culturais pelo Itaú Cultural/Universidade de Girona (Espanha).
Foi professora de história nos ensinos fundamental e médio e participou do grupo de elaboração do currículo básico da rede pública de Curitiba. Integrou o Conselho Municipal de Cultura de Curitiba e o Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná. Também foi diretora de ação cultural e de marketing na Fundação Cultural de Curitiba, além de ter elaborado e coordenado o Programa de Ação Educativa do Museu Oscar Niemeyer (MON).
Fale um pouco de sua trajetória profissional, tanto na educação quanto na cultura.
Cultura e educação, ao meu ver, devem sempre andar de mãos dadas. É impossível uma sem a outra. E, ao longo da minha caminhada profissional, isso se confirmou. Como professora de história em escolas municipais, busquei passar o conhecimento aos meus alunos para que eles pudessem utilizar as linguagens artísticas e culturais da cidade.
Desenvolvi e coordenei projetos como as Pegadas da Memória, o Museu Escola, o Ônibus da Fotografia, o Laboratório Fotográfico e o programa Linhas do Conhecimento, que trabalhavam nessa interface educação e cultura, arte e educação. A gestão e a produção desses projetos ocorreram na prefeitura de Curitiba, de acordo com a política pública de cultura da época. Posteriormente, quando meu trabalho se focou mais na gestão, os projetos desenvolvidos tinham a arte e a educação alinhadas.
Como diretora da Fundação Cultural, foi possível desenvolver uma gestão mais abrangente, que envolvia ainda mais os produtores culturais, os artistas e a população de toda a cidade, pois, em cada regional, tínhamos um núcleo para agilizar as propostas artísticas culturais e atender a todas as demandas vindas da comunidade. Nesse período, participei do curso de especialização em gestão e políticas culturais do Itaú Cultural, que sem dúvida me forneceu muitos subsídios para o desenvolvimento do trabalho.
Aposentada há quatro anos, retornei à Fundação Cultural de Curitiba em 2017, a convite do prefeito Rafael Greca, que na sua gestão anterior (1993) possibilitou o desenvolvimento dos projetos acima descritos. Atualmente trabalho como assessora da presidência, com o intuito de desenvolver projetos especiais visando a soluções culturais criativas, embasadas numa política pública mais abrangente e inclusiva.
Na sua visão, quais são os desafios para a atuação de produtores e gestores culturais, tendo em vista o estado do Paraná e também a realidade nacional?
Um grande desafio se impõe aos produtores e aos gestores culturais em todo o país, e na atual conjuntura política em que vivemos é difícil falar sem ser redundante em relação a tudo que ocorre neste momento da nossa história.
Num país que está desacreditado, sem recursos para saúde, educação, segurança e moradia, com milhões de desempregados que não podem consumir arte e cultura, o investimento é visto como supérfluo, quando deveria ser visto como necessidade de ordem estratégica para o desenvolvimento intelectual do indivíduo e a transformação do país.
O desafio é revertermos essa visão, fazendo com que as cidades tenham políticas públicas para a cultura. Que essas políticas fomentem apoio às instituições culturais, criem meios de incentivo à produção, profissionalizem e valorizem os trabalhadores da cultura, para que os projetos culturais tenham continuidade mesmo após mudanças políticas. Que a arte e a cultura tenham visibilidade e sejam entendidas como pilares das nossas vidas, do nosso desenvolvimento humano.
Citando [o filósofo francês] Albert Camus: “Sem a cultura e a liberdade relativa que ela pressupõe, a sociedade, por mais perfeita que seja, não passa de uma selva”.
A Fundação Cultural de Curitiba completou 45 anos de atuação no dia 5 de janeiro de 2018. Ao longo de mais de quatro décadas, a instituição construiu uma rede de atuação bem completa, gerindo mais de 57 espaços institucionalizados e promovendo programas e projetos nesses espaços e em outros tantos alternativos da cidade de Curitiba. Para você, de que maneira é possível dimensionar a importância da fundação para o cenário cultural paranaense?
Para falarmos da cultura no estado do Paraná, temos de considerar primeiramente a característica populacional, a diversidade de culturas, que decorre do grande número de imigrantes europeus e migrantes que vieram para cá. Essa diversidade é construída pelas singularidades de cada um desses grupos, e a instituição pública de cultura deve levar em conta essa característica no momento de desenvolver a sua política.
Em 1973 foi instituída a Fundação Cultural de Curitiba, uma instituição pública dedicada à arte, à cultura e ao patrimônio. Desde seu início, teve como meta permear a cidade com atividades culturais e marcar a vida dos seus cidadãos com cultura e arte, mas sempre atenta às mudanças sociais e econômicas que acontecem no país, ajustadas ao crescimento da cidade, o que fez com que fôssemos referência para todo o nosso estado.
A política cultural da fundação vem influenciando o cenário cultural paranaense por suas atividades, tanto as de gestão como as de incentivo à produção de eventos culturais. Vale destacar nesse sentido a Lei de Incentivo à Cultura (mecenato subsidiado) e o Fundo Municipal de Cultura, que permitem o fomento às artes. Também são relevantes os cursos e as oficinas em diferentes linguagens oferecidos à comunidade nas dez regionais da cidade. Destacamos ainda o trabalho realizado pela Casa da Memória na preservação do patrimônio local, sendo referência para outras secretarias e/ou departamentos de Cultura do estado.
A Fundação Cultural de Curitiba é a guardiã dos processos culturais que formam o patrimônio artístico da cidade e está sempre aberta à troca de experiências e conhecimentos compartilhados.
A fundação oferece e gerencia cursos e oficinas em diversas áreas de expressão (artes visuais, cinema, dança, literatura etc.). Fale sobre a importância de manter uma programação tão plural para a cidade.
Em 45 anos a população de Curitiba passou de 700 mil para 1,8 milhão de habitantes, sem contar com a região metropolitana, que também usufrui das atividades culturais realizadas na cidade. Devido ao acréscimo populacional, foi necessário o aumento no número de espaços culturais na capital e de ações que possibilitassem melhor atendimento aos consumidores de cultura.
A Fundação Cultural de Curitiba, para atender a essa crescente demanda, optou por uma política cultural que atua colaborativamente com artistas, produtores e movimentos culturais, além de organizações privadas, estatais e não governamentais, a fim de suprir todas as necessidades sociais, promover a produção e o acesso a bens e equipamentos culturais, e preservar o patrimônio cultural material e imaterial, valorizando, assim, as manifestações culturais tradicionais ou emergentes, como as novas linguagens, e o crescente número de artistas e admiradores das artes em geral.
Com uma proposta mais abrangente de ampliação das atividades culturais, foi necessária a criação de ações de inserção e acessibilidade para um público mais diversificado. Só em 2017, ocorreram quase 7 mil ações culturais promovidas pela Fundação Cultural em toda a cidade, com aproximadamente 1,9 milhão de participantes nos eventos. Para que isso acontecesse, precisou haver vontade política, recursos financeiros, recursos humanos qualificados, muita dedicação dos envolvidos no processo e amor pela arte e pela cultura.