Luciano CortaRuas é representante do Estúdio Lâmina, espaço artístico localizado em um edifício comercial no Vale do Anhangabaú, no...
Publicado em 11/02/2015
Atualizado às 21:05 de 02/08/2018
O que é o estúdio, quando nasceu, como funciona e para quais tipos de manifestação artística está aberto?
Lâmina: O Estúdio Lâmina é um espaço de arte polimorfa e invenção em arte contemporânea, abrigado no 4o andar de um prédio construído na década de 1940, no centro histórico de São Paulo. Inaugurado em novembro de 2011 como casa-galeria, estúdio de criação e residência artística, o Lâmina nasce com a proposta de ser um espaço de cultura independente para estimular a pesquisa em artes e divulgar o trabalho de novos artistas da cena contemporânea. A ideia é criar um ambiente permanente de troca entre artes visuais, música, dança, circo contemporâneo, cinema e poesia, provocando novas narrativas para o debate de políticas públicas e culturais do centro e das margens de São Paulo.
Quem são os artistas que expõem no espaço, como eles chegam ao Lâmina e como contribuem para o funcionamento do espaço?
Lâmina: Pintores, poetas, gravadores, fotógrafos, palhaços, malabaristas, músicos, dançarinos, performers, designers. Muitos dos jovens que procuram o Estúdio Lâmina são indicados por amigos que sabem que valorizamos muito a produção de novos artistas que encontram dificuldades de expor seus trabalhos em galerias e instituições consolidadas. Já faz algum tempo que o nome do estúdio é comentado no circuito de arte independente, e por esse motivo muitos têm nos procurado. A maioria desses artistas é composta de brasileiros de diversas regiões, embora já tenhamos recebido propostas de exposições de artistas latino-americanos e europeus, como foi o caso da artista alemã Pauline Zenk e da curadora holandesa Sarojini Lewis. Curiosamente, a artista alemã Pauline ficou sabendo que recebíamos propostas de artistas residentes quando estava fazendo residência artística na Colômbia, mas foi um amigo em Berlim que passou nosso endereço. Nesse momento, percebemos que nossa proposta artístico-cultural havia ganho uma pequena parte do mundo, se globalizado.
Como o Estúdio Lâmina se mantém financeiramente e de que modo as atividades que acontecem no espaço são geridas?
Lâmina: As exposições sempre acontecem em parceria com os artistas. Fazemos uma montagem colaborativa, dividindo os custos da exposição e do aluguel do espaço. De cada obra vendida, 60% do valor fica para o artista e 40% para o estúdio, mas, como ainda não temos um grupo de colecionadores que conheçam o estúdio, vender obras é uma atividade que, infelizmente, ainda acontece muito pouco. Temos de avançar muito nessa questão e divulgar mais nosso estúdio a essa rede de colecionadores. Trabalhamos com artistas muito talentosos, que aos poucos estão sendo reconhecidos pelo público e por instituições museológicas.
Outra forma de gerirmos recursos financeiros é alugar o espaço para gravações de clipes, curtas-metragens e comerciais de publicidade. Já faz algum tempo que nosso espaço tem sido procurado para esse fim, por um lado pela arte e pelo estilo que imprimimos e por outro lado pelo lugar onde se encontra: um prédio da década de 1940 no centro histórico de São Paulo.
Para complementar nossa renda e pagar nossos custos, realizamos muitos eventos de música autoral e arte circense, cobrando a entrada. Porém, boa parte dos custos de nosso estúdio ainda sou eu, Luciano CortaRuas, que banco.
Quais são os principais desafios enfrentados quando se mantém um espaço cultural no centro de São Paulo? Como é a relação com a prefeitura da cidade?
Lâmina: Sem dúvida, os principais desafios são econômicos. Não é fácil manter de forma independente um espaço como esse no centro de São Paulo. O outro desafio é o diálogo permanente e delicado que mantemos com os proprietários do prédio. Tudo que fazemos é muito novo para eles: artes visuais, música, performance, videoarte, dança, arte circense, fotografia. Trazemos muitos artistas e agentes culturais que contrastam muito com as pessoas que frequentam o prédio, que quase em sua totalidade são pessoas que buscam o lugar para fazer um curso de segurança, fazer capacitação e treinar sua mira no estande de tiro que se encontra no subsolo. Decididamente, o lugar onde nos encontramos é muito exótico, entre o céu e o inferno de nossa grande metrópole.
Nossa relação com a prefeitura, até agora, tem sido muito propositiva. Desde o início desta nova gestão, com o prefeito Fernando Haddad, a Secretaria de Cultura tem nos escutado, nos apoiado quando precisamos e quando é possível fazê-lo. Um exemplo claro foi quando o Rodrigo Savazoni, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, nos procurou para atender a um pedido nosso: interceder perante os proprietários do prédio para apoiar nosso projeto de espaço cultural independente, que estava prestes a sair dali porque eles consideravam que poderíamos trazer riscos de segurança ao edifício. Depois de indicar o subprefeito da Sé para realizar esse diálogo entre nós, os proprietários entenderam nosso projeto de trabalhar com arte e cultura e, afinal, apoiaram nosso espaço, permitindo-nos ficar. Hoje, vivem aqui mais de 11 artistas residentes, entre músicos, artistas visuais, fotógrafos, poetas e produtores culturais. Nesse sentido, tenho sido um dos principais artistas ativistas em defesa de espaços ociosos para ser ocupados por artistas e produtores culturais independentes. Acredito que uma verdadeira revitalização do centro começa pela residência de artistas e pessoas das mais diversas profissões e classes sociais. O centro de fato tem de ser ocupado e vivido por artistas e famílias. Nossa ocupação cultural nesse prédio é cara e pagamos o aluguel para que isso aconteça. Agora temos de lutar para que não se opere aqui no centro uma selvagem especulação imobiliária.
O Anhangabaú da FelizCidade (festival promovido por grupos independentes envolvendo artistas de diversos gêneros, além de discussões a respeito dos direitos humanos) ocupou o Vale do Anhangabaú em maio de 2013, e sabemos que o Estúdio Lâmina participou ativamente de sua organização. Vocês podem falar um pouco sobre como aconteceu a captação de recursos, a gestão de espaços, a organização entre coletivos e artistas? Para vocês, qual a importância desse tipo de manifestação para a cidade? Há intenção de realizar outras atividades de ocupação na cidade como essa?
Lâmina: Tudo nasceu nos encontros que realizamos na Praça Roosevelt no Existe Amor em SP. Ali foi o embrião para muitas ocupações culturais que aconteceram a seguir. Evidentemente, já tinha ocorrido outras experiências bem-sucedidas anteriormente, como as ocupações culturais do Baixo Centro e da VodooHop no Minhocão. Mas o Existe Amor em SP tinha um diferencial; ele reunia artistas, coletivos e grupos culturais independentes de diversos bairros de São Paulo. Era um universo incrível de diversos artistas: rappers, a galera do reggae, o pessoal do Fora do Eixo, VodooHop, Sampa a Pé, Matilha Cultural, Tanq_ Rosa Choq, enfim, muitos coletivos que, se não fossem os encontros promovidos pelo Existe Amor em SP, nunca se encontrariam. Nesses encontros, todos os assuntos estavam em pauta, como direitos humanos, direitos civis e pensar e propor, na prática, novas formar de viver os espaços públicos da cidade. O espírito dessas ocupações se construía de forma colaborativa. O dinheiro que conseguíamos para fazer esse grande evento vinha de pequenas colaborações e das poucas economias de cada coletivo. Nunca existiu captação de recursos públicos. Todo recurso financeiro vinha de pequenas doações feitas por pessoas que queriam ver esse movimento da sociedade civil se concretizar. O que estava em jogo era fazer o poder público ouvir as pessoas, fazê-lo sentir essa nova forma de pensar a cidade para as pessoas, e não o contrário.
O que vivemos naquele período fazia parte de um descontentamento geral em relação às políticas públicas voltadas para as pessoas. Na gestão Kassab, vivíamos um sentimento permanente de cidade proibida. Não poder tocar música na rua era apenas um exemplo que desmascarou essa forma de projetar a cidade. Pensar as ruas e as calçadas apenas para transitar de casa ao trabalho é um conceito de urbanidade atrasado e desumano. Muitas atividades culturais e sociais podem ser feitas nesse percurso na volta para casa e nos fins de semana e feriados. Queríamos mostrar que, por trás do trabalhador assalariado dessa nova geração de jovens, existe uma multiplicidade de pessoas que pensam e querem ver uma nova forma de viver a cidade, seus bairros, suas ruas, suas praças, seus parques e uma nova forma de pensar a mobilidade urbana nas grandes metrópoles. E as ações artísticas e culturais têm um papel fundamental nessa nova forma de repensar o futuro que queremos projetar em nossas cidades: um lugar que provoque o encontro, a sociabilidade, o amor pela cidade. Assim nos assinalava a frase provocativa do Baixo Centro de que “as ruas são feitas para dançar”. Nesse sentido, entendo o quanto esses movimentos de ocupação cultural de ruas, praças e parques são importantes para renovar nosso comprometimento e nossa participação nas decisões que se referem à cidade e aos espaços públicos. Depois de tudo o que aconteceu e vem acontecendo na cidade de São Paulo em relação aos movimentos sociais e culturais, acredito que essas ações irão se repetir. Já estamos conversando com alguns coletivos para organizar uma nova edição do Anhangabaú da FelizCidade. Aguardem, que até o fim do ano uma nova ocupação do Vale do Anhangabaú irá acontecer.