Zuza impactou e inspirou muitos. Alguns compartilham aqui suas memórias
Publicado em 07/10/2020
Atualizado às 14:04 de 17/02/2022
Se para Gabriel García Márquez, “a vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”, então também a história que fica da gente, e que passa a ser escrita e contada após a partida, é o fruto das memórias que deixamos com os outros. E Zuza foi uma pessoa que marcou a vida de muitos.
Para homenageá-lo, pessoas que o conheceram e foram impactadas e inspiradas por seu trabalho contam aqui parte dessas memórias que ficam do escritor, jornalista e pesquisador, falecido no último domingo, 4 de outubro, aos 87 anos.
“Baixista, engenheiro de som, musicólogo, profundo conhecedor de jazz e da canção popular. Tive a honra de ter um texto de apresentação sobre meu segundo disco escrito por ele. Atento, generoso, apaixonado por música. Quando jantamos para conversar sobre o álbum, ele nos contou de uma estrutura de canção que tem como característica uma introdução que nada tem a ver com o que vem depois. Trata-se de um recitativo, e ao dizer que sentia falta desse tipo de música citou como exemplo ‘Dindi’, de Tom Jobim, e ‘Clarice’, de Caetano Veloso. Cada encontro com Zuza era uma aula, e o aprendizado com o qual nos presenteou permanecerá vivo em nós.”
Tulipa Ruiz, cantautora e ilustradora
“Zuza Homem de Mello é um acorde em sol maior. Como astro, ele aquece e nos ilumina. Eu tive o prazer de conhecer o Zuza no aniversário de um amigo em comum, em um bar. E eu estava com uma camisa um pouco extravagante. Ele havia comentado com sua companheira: ‘Olha só, quem usa uma camisa dessa tem de ser artista’. Ele estava de chapéu e óculos, não o reconheci, e falei: ‘Obrigado. Prazer, Renato’, e ele: ‘Zuza. Senta aqui e toma alguma coisa comigo’. E foi assim que conheci esse homem generoso, sábio, que nos ensinou a potência da música e nos levou a percorrer coisas que nós não vivemos, mas que ele escreveu e nos contou. Ele é um mago. Ele é atemporal. Zuza Homem de Mello. Se ele tiver de voltar algum dia para esta dimensão, ele voltará como canção. Ele é a música.”
Renato Gama, cantor compositor e produtor cultural
“Zuza foi grande inspiração na minha carreira profissional. Ele me proporcionou um horizonte amplo e bem-educado sobre a interseção da música com a tecnologia, a ocupação inteligente dos espaços e pautas, a nobreza da curadoria, a responsabilidade ao tratar com a arte, a gentileza obrigatória no convívio. Deixa um exemplo de vida.”
Pena Schmidt, produtor musical
“Zuza era um ser muito especial. Foi uma das pessoas mais alegres e incentivadoras que conheci. Recentemente falamos sobre sua biografia de João Gilberto. Ele me pediu para ler e opinar sobre capítulos onde falava de aspectos musicais teóricos. Estava muito feliz com esse projeto que, felizmente, pôde finalizar. Suas gargalhadas, seus conselhos e seu conhecimento estarão sempre comigo e com os muitos amigos que deixou.”
Mario Adnet, compositor, arranjador e produtor musical
“Eu li tudo que o Zuza escreveu – os livros, claro – e não tem tamanho o que eu aprendi com ele. Para mim, não tem nenhum texto melhor de quem escreve sobre música no Brasil. Leve, coloquial, profundo, informativo, usando a vantagem de ser músico para ajudar a esmiuçar coisas que só quem é músico tem como esmiuçar e escrevendo esse tipo de coisa de um jeito que qualquer pessoa entenda, sem precisar ser músico também. Todo mundo que escreve sobre música – escreveu nos últimos anos ou escreverá nas próximas décadas – tem seu tributo a pagar hoje.
E tem aquele milagre que sempre me espanta: Chico Buarque, o MPB4 inteiro, violão e percussão em volta de um único microfone cantando ‘Roda Viva’ no Festival de Música Popular Brasileira, e a gente ouvindo tudo. Sempre falo disso para os técnicos e engenheiros de som com quem trabalho. Qual é o segredo? O cara que cuidava de toda a técnica de captação de som da Record na Era dos Festivais. Que era o mesmo cara que tinha estudado baixo com o Ray Brown, entrevistado o Charles Mingus na fase em que o Mingus estava mais arredio com jornalistas brancos (mas como resistir àquele sorriso, àquela maciez e àquela inteligência?) e aprendido os segredos da gravação e transmissão de música com os melhores técnicos da Nova York dos anos 1950. Um cara chamado Zuza Homem de Mello.”
Arthur de Faria, jornalista, compositor e produtor musical