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Lucro e antagonismo em Santa Joana dos Matadouros

O Teatro Experimental de Alta Floresta, companhia fundada em 1988 na cidade de Alta Floresta, em Mato Grosso, trouxe ao palco do Itaú...

Publicado em 17/12/2014

Atualizado às 21:03 de 02/08/2018

Por Duanne Ribeiro

O Teatro Experimental de Alta Floresta, companhia fundada em 1988 na cidade de Alta Floresta, em Mato Grosso, trouxe ao palco do Itaú Cultural a peça Santa Joana dos Matadouros, com texto do dramaturgo inglês Bertolt Brecht e direção de José Regino. Nesta entrevista, o diretor fala de como a montagem foi desenvolvida e dos diálogos que ela possibilita com realidades contemporâneas.

Como foi o processo de pesquisa para realizar Santa Joana dos Matadouros?

Trabalhamos por meio de um processo colaborativo: todos participam de todas as fases da elaboração, todos contribuem com seus conhecimentos. O resultado que levamos para a cena revela a capacidade do nosso coletivo de pensar, compor e criar em conjunto, tendo a realidade à nossa volta como referência ‒ durante todo o processo os atores eram orientados a observar e aprender os gestos de diferentes grupos sociais que compõem a sociedade de Alta Floresta (MT), a partir dos quais foram compostas os personagens do espetáculo.

O escritor Bernardo Carvalho comentou, sobre o texto original de Bertolt Brecht, que a peça trata da tentativa da protagonista de promover um acordo, acreditando primeiro na possibilidade de fazer isso pela bondade, mas levada pelas circunstâncias a reconhecer o inconciliável do antagonismo de classes. Vocês concordam com isso?

Parece que estamos fadados a esse eterno antagonismo entre as classes e a palavra-chave que mantém esse conflito é lucro. Não podemos negar que muitas coisas mudaram desde a época em que o texto foi escrito. Hoje podemos falar de direitos das classes menos privilegiadas, garantidos por leis, mas, enquanto o lucro reger as relações sociais, as estruturas estabelecidas não mudarão. Por mais acesso que tenhamos às informações, continuamos controlados por um sistema que sobrevive na base da exploração da mão de obra de quem serve por quem é servido.

Quanto a peça de Brecht é capaz, hoje, de comentar as relações de dominação, de tratar de um tempo e uma realidade distintos?

Considerando a realidade do estado de Mato Grosso, a obra de Brecht é extremamente atual. Procuramos deixar clara essa relação por meio de dados dos últimos dez anos sobre o agronegócio local. Analisando as informações disponíveis, sem esforço, podemos fazer a ligação entre os dois universos: a Chicago dos anos 1930 que inspirou Brecht a escrever Santa Joana e o cenário que serviu de inspiração para a nossa montagem, a Alta Floresta dos anos 2000.

Nesse sentido, o que a peça pode dizer sobre o sistema econômico em que vivemos? Que temas da atualidade ela consegue comentar ou nos fazer ver com outro olhar?

Eu não sei se a peça traz um novo olhar sobre o sistema econômico. O texto aborda com clareza, de forma didática, a realidade construída pelo sistema vigente. Mostra quanto proveito se pode tirar de uma informação privilegiada. Ter uma informação segundos antes pode fazer toda a diferença. Brecht deixa claro que as informações e a falta delas definem o percurso da história, afastando ou aproximando os protagonistas de seus sonhos e objetivos.

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