A pesquisadora Evanize Sydow trabalha com comunidades quilombolas há 16 anos e atua como consultora de organismos internacionais em...
Publicado em 12/07/2016
Atualizado às 10:28 de 03/08/2018
por Andréia Briene
Evanize Sydow é jornalista, mestre em história, bens culturais e projetos sociais e coordenadora do projeto Quilombos do Vale do Jequitinhonha. Trabalha com comunidades quilombolas há 16 anos, em estados como Maranhão, Pernambuco, Espírito Santo e Minas Gerais. É autora da biografia Dom Paulo Evaristo Arns, um Homem Amado e Perseguido (Editora Vozes) e atualmente finaliza a biografia de Frei Betto, a ser lançada pela editora Civilização Brasileira. Atua como consultora de organismos internacionais em projetos com temáticas ligadas aos direitos humanos.
Nesta entrevista, Evanize comenta o projeto Quilombos do Vale do Jequitinhonha, iniciado em 2014 com o objetivo de pesquisar e registrar as manifestações musicais e as danças nessas comunidades. Ela compartilha ainda os principais desafios para as políticas públicas, os diálogos com os diversos espaços existentes e institucionalizados e as produções culturais na realidade das comunidades quilombolas que estão na microrregião de Capelinha (MG).
Evanize Sydow (Foto: Cleber Cardoso Nunes)
Você poderia comentar como surgiu a ideia de fazer esta pesquisa? Como foi pensado o recorte de música e memória?
A ideia surgiu em 2008, durante uma oficina de trabalho com comunidades quilombolas do Espírito Santo. Foram alguns dos próprios quilombolas que mencionaram a importância de nos preocuparmos em pesquisar a cultura tradicional e tudo o que estava se perdendo nessa história. Algumas pessoas ali lembraram que muitas dessas manifestações estavam sendo esquecidas pelos mais jovens e que era importante fazer alguma coisa por isso. Naquela oportunidade, as comunidades mostraram várias danças e cantos e nos deixaram com a certeza de que essa memória tinha de ser preservada.
O foco na música se deve ao fator agregador e identitário que ela traz às comunidades quilombolas, daí a necessidade da preservação de suas tradições musicais e de dança. A pesquisa, no entanto, também traz informações sobre as comunidades desse universo que deixaram a tradição para trás e não conseguem mais preservar sua ancestralidade, tampouco transmiti-la para seus descendentes.
A partir daí, tentamos fazer um primeiro mapeamento no Maranhão, que foi apoiado pela Fundação Cultural Palmares, mas cujo apoio não foi continuado. Pudemos fazer apenas uma viagem de campo muito curta para verificar quais seriam os municípios a serem trabalhados. Continuamos tentando realizar esse trabalho, mas depois de mais de cinco anos buscando apoio, e sem perspectiva, pensamos em tentar fazê-lo em Minas Gerais.
Minas é um estado com muitas comunidades quilombolas e o Vale do Jequitinhonha, especialmente, preserva uma cultura riquíssima. Os quatro municípios onde atuamos são: Berilo, Chapada do Norte, Minas Novas e Virgem da Lapa. São 59 comunidades incluídas. Chapada do Norte tem cerca de 90% de sua população formada por quilombolas; Berilo é o município com maior número de comunidades tradicionais de Minas Gerais. Os municípios têm baixíssimo IDH. É interessante como as manifestações são diversas nas diferentes regiões do país. Por exemplo, no Maranhão encontramos uma diversidade grande de como tocar o tambor de crioula. Já em Minas Gerais, predominam manifestações como o violão, o nove, a dança de roda e o congado.
Ficamos extremamente satisfeitos quando recebemos do Itaú Cultural a notícia de que o instituto apoiaria parte do trabalho. Em seguida, a Petrobras também resolveu nos ajudar em outra parte. E só assim conseguimos realizar todo o trabalho de campo, que foi de uma riqueza absoluta para nós, a equipe, e também para as comunidades, porque acabou sendo uma oportunidade para eles se juntarem e retomarem essas manifestações culturais. Conseguimos reunir comunidades inteiras que não se encontravam há anos em torno de suas danças. Isso foi emocionante de ver.
(Foto: Cleber Cardoso Nunes)
Levando em conta a quantidade de lugares visitados e pessoas entrevistadas, quais foram os maiores desafios desse processo?
Em termos de logística, a dificuldade principal é conseguir articular as famílias. As casas nas comunidades do Jequitinhonha têm uma característica que é a grande distância entre uma e outra. Então, para abarcar o máximo de famílias é preciso percorrer muitos quilômetros. E, na região, a questão da chuva também é um problema, dependendo do período.
Na primeira viagem que fizemos, por exemplo, havia crateras abertas nas estradas em função das chuvas e os carros atolavam. Não tinha como circular. Além disso, o contato com muitas casas é complexo, porque muitas famílias vivem isoladas, com uma dificuldade grande de comunicação. Não tem telefone, você só consegue falar com elas indo lá pessoalmente.
Para apresentarmos o projeto e combinarmos as entrevistas e os registros das manifestações foi preciso uma articulação muito bem feita com colaboradores locais, que foram fundamentais nesse processo. Não fossem eles, não conseguiríamos chegar a todas as pessoas que alcançamos. Contamos com o apoio e o envolvimento de militantes do movimento quilombola, representantes das escolas – professores e diretores –, secretarias de cultura e da assistência social dos municípios, seja nos acompanhando nas comunidades, fazendo ponderações sobre a realidade vivida por essas famílias, seja nos apresentando como estão desenvolvendo a educação quilombola nos locais em que estamos trabalhando.
A parceria com esses atores enriqueceu profundamente essa iniciativa. São várias as pessoas que nos ajudaram, e que figuram nos nossos agradecimentos, mas tivemos seis pontos focais fundamentais: Alessandro Araújo, em Berilo, um rapaz de ouro, de 25 anos, que conhece a história das comunidades quilombolas daquela região como poucos e que faz um esforço gigante para preservar essa memória; Fabiane Vissotto, na Chapada do Norte, que fomenta a cultura tradicional da Chapada de maneira muito empenhada; também lá Sandrão, que é uma liderança fundamental de comunidades que guardam suas manifestações culturais de maneira impressionante; Adão Domingos, de Minas Novas, que é um dos secretários de cultura mais engajados que conheço e está na base como um verdadeiro militante da causa quilombola; e Kerlane Murta e Mauro Gonçalves, dois guerreiros em Virgem da Lapa que sofrem com a falta de apoio do poder público na região.
(Foto: Cleber Cardoso Nunes)
Você conseguiu perceber como essas comunidades se relacionam com os espaços culturais?
De uma maneira geral, nesses municípios são quase inexistentes os espaços culturais, embora tenhamos encontrado casos raros. São as próprias comunidades que servem de espaços para que o povo quilombola se reúna e ainda mantenha suas manifestações culturais. Muitas vezes, isso se dá no entorno e no interior de igrejas, já que muitas dessas manifestações são religiosas e culturais, outras vezes em escolas, ou mesmo em casas particulares ou ao ar livre, num lugar central da comunidade.
Você poderia comentar um pouco sobre o perfil dos produtores/gestores culturais dessas comunidades? Quem são?
São algumas lideranças do movimento quilombola – muitos ocupando espaços em órgãos públicos, especialmente em secretarias de cultura ou de assistência social – que fazem esse trabalho de gestão cultural. Os gestores têm um desafio grande, porque não há apoio para essas ações e os mais jovens, em geral, não estão engajados em dar prosseguimento a essas tradições. E isso não porque não se interessam simplesmente, mas porque as oportunidades de trabalho são escassas na região e eles são obrigados a sair muito cedo para buscar sustento em outras cidades, como o corte da cana de açúcar em São Paulo. No entanto, são pessoas bastante proativas, que conseguem fazer com que essas manifestações culturais não morram.
Como é a relação dessas produções culturais com as secretarias de cultura/pontos de cultura? E o seu funcionamento?
As secretarias de cultura são pontos importantes de referência para as comunidades ao menos em dois dos quatro municípios. São as secretarias de cultura que servem, muitas vezes, como mobilizadores de ações afirmativas e de apoio para que a cultura quilombola seja divulgada regionalmente. Os pontos de cultura são uma reivindicação na região, busca-se a implantação deles em cada município do Vale do Jequitinhonha.
(Foto: Cleber Cardoso Nunes)
Quanto à preservação do “saber fazer”, existe alguma ação que está sendo estimulada junto aos mais jovens e às crianças?
Existem algumas ações voltadas para isso, como as artesãs de Berilo, conhecidas pelo seu fino trabalho, que têm um ateliê e uma lojinha na cidade e estão atentas a passar para as meninas mais novas o que as bisavós, avós e mães fazem. Também os membros da Banda de Taquara, na comunidade de Bem Posta, no município de Minas Novas. A banda tem mais de 90 anos e, apesar das dificuldades para conseguir conservar os instrumentos, os mais velhos tentam envolver os mais jovens para que eles mantenham vivo esse patrimônio da região. É um grupo que costuma estar presente nas festividades da sua comunidade e nas cidades vizinhas. Aliás, as festividades – e, para citar a principal, a Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no meio do ano – costumam ser polo fundamental da disseminação da rica cultura quilombola, envolvendo sempre famílias inteiras no entorno de suas danças, da culinária e das histórias locais.
Mas as dificuldades para que essa cultura ancestral se mantenha são grandes. Como eu disse, os mais jovens têm um problema muito básico, que é a falta de perspectiva de trabalho, ou mesmo de estudo, na região. Sem acesso a estudo e trabalho, eles saem em busca de oportunidades, muitas vezes de subempregos, como o trabalho no corte da cana e na colheita de café em condições desumanas. Saem e passam mais de nove meses por ano fora, deixando, em geral, os pais ou avós e filhos pequenos. As famílias ficam à espera desse escasso recurso e, enquanto ele não vem, a situação é de extrema dificuldade. A água é a necessidade número um das comunidades e, sem ela, nada floresce. Eles não têm como plantar, criar animais... Falta água para beber, para higiene pessoal... Enfim, o que dizer quando o essencial inexiste? Então, a cultura está sumindo porque esses jovens precisam correr atrás do mínimo para sobreviver e ajudar os mais velhos.
Você acredita que a pesquisa impactará de alguma forma as comunidades que foram identificadas e entrevistadas, com esse registro e a coleta de suas histórias e manifestações artísticas?
Não tenho dúvida de que estaremos entregando um instrumento importante de luta para as comunidades, isso ouvimos muito nos espaços onde estivemos. Encontramos as comunidades muito vigorosas do ponto de vista da consciência de seus direitos. A manutenção de muitas dessas manifestações culturais mostra isso. Para nós, é fundamental dar visibilidade grande para esse material porque as comunidades quilombolas precisam ser vistas. Precisam que a sociedade saiba que elas existem. Essa iniciativa vai colaborar para dar voz ao povo quilombola, e não só do Vale do Jequitinhonha. Estamos trabalhando para tirar essas comunidades desse processo de invisibilidade à qual estão submetidas e que as impede de acessar políticas públicas, porque elas têm consciência de seus direitos, mas precisam participar desse processo de fomento. As comunidades tradicionais são protagonistas desse projeto. Nosso papel é instrumentalizá-los com esses produtos culturais organizados e ajudá-los a abrir espaços para que sejam vistos e ouvidos. Tem um trecho do Eduardo Galeano em O Livro dos Abraços que tem muito a ver com esse trabalho que estamos fazendo: “Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais”.
Os quilombolas são donos de suas histórias e sabem exatamente a importância que têm na cultura deste país. De uma forma bastante concreta, o material que resultará nesses produtos culturais – 30 vídeos documentários de curta-metragem, um livro amplo e fartamente ilustrado e um portal com todo o resultado da pesquisa – já tem ajudado algumas comunidades a dar mais robustez aos pedidos de certificação encaminhados à Fundação Cultural Palmares, na articulação de parcerias com outras organizações e movimentos sociais, por exemplo, para assessoria jurídica em situações de conflito de terra e, especialmente, na organização de informações que estão dispersas em relação à história e à memória.
Como os moradores que não são dos quilombos percebem essas manifestações artísticas? Existe algum preconceito?
Atuamos em municípios que têm maioria, ou grande maioria, da população formada por quilombolas, então essas manifestações estão muito presentes na cultura local. As festas acontecem há muitos anos e foram trazidas pelos ex-escravos, como a de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos da Chapada do Norte, que tem 192 anos e rendeu ao município honra imensurável, o registro da festa como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Minas Gerais, concedido pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), em maio de 2013. A população desses municípios participa dessas festividades de uma maneira bastante integrada. E também existem as celebrações que estão muito focadas nos quilombos, ou seja, são voltadas para as famílias daquela localidade mesmo.
(Foto: Cleber Cardoso Nunes)
Você saberia dizer se essas comunidades quilombolas são reconhecidas como territórios quilombolas pelo Incra? Como elas se sustentam?
Algumas das comunidades remanescentes de quilombos: em Berilo, as comunidades de Água Limpa de Baixo, Água Limpa de Cima, Alto Caititu, Muniz, Caititu do Meio, Mocó dos Pretos, Morrinhos, Quilombolas e Vila Santo Isidoro. Na Chapada do Norte: Córrego da Misericórdia, Gravatá, Moça Santa, Poções, Porto dos Alves e Porto Serrano.
Em Minas Novas: Capoeirinha, Curralinho, Gravatá, Mata Dois, Pinheiro, Macuco e Quilombo. Em Virgem da Lapa: Alto Jequitibá, Curral Novo, Pega, Quilombo das Almas e União dos Rosários. Essas são comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares e estão no grupo de comunidades com o qual trabalhamos nesses municípios. Pelo Incra, nenhuma delas é reconhecida.
Quanto à forma de sustento, elas se mantêm com o pouco recurso que familiares enviam, ou saindo para trabalhar em outros estados, com pequenos trabalhos ou com programas sociais como o Bolsa Família. A situação é bastante grave nesse sentido.
Você poderia comentar, como gestora cultural, quais foram os impactos da pesquisa em você? Quais foram os pontos negativos e os pontos positivos?
O trabalho foi de um crescimento imenso. Não só para mim; posso, sem dúvida, falar por toda a equipe. Tivemos – e ainda temos – problema com o restante do recurso para finalizar o projeto e, tão imbuída estava essa equipe da importância dessa iniciativa, que todos resolveram custear as despesas do próprio bolso para que o trabalho de campo não parasse e para que não perdêssemos o calendário de realização das festas no Vale do Jequitinhonha, para que a pesquisa não fosse prejudicada. Isso só se consegue com pessoas envolvidas emocionalmente no processo. O trabalho transcendeu a questão profissional e passou a ser um compromisso pessoal e moral terminar todo o trabalho e entregá-lo para aquelas 59 comunidades. Em todas as comunidades a que íamos, ouvimos que os pesquisadores que, por acaso, apareciam nesses locais nunca mais voltaram e eles ficavam sem saber qual o resultado obtido. Pois bem, nos comprometemos com eles a, mesmo que demorasse, voltarmos com esse material disponibilizado e tendo-os como protagonistas dessa divulgação. E faremos isso, custe o que custar.
Eu poderia dizer vários pontos positivos, mas o principal é estar no campo com essas pessoas, conhecendo sua realidade, entendendo esse Brasil que a gente não vê. Esse país é tanta coisa e tanto mais que, a cada vez que eu volto do campo, percebo o quanto é pequeno o nosso alcance para tanta riqueza. Ouvir esses depoimentos e vê-los lutar para preservar sua história é lição para a vida.
O ponto negativo é um só: a falta de apoio e de vontade política seja dos órgãos públicos – inclusive, os que foram criados para fomentar políticas para esse grupo social –, seja de empresas e cooperação internacional para apoiar iniciativas como a nossa. Eu sempre digo que não consigo compreender ter que explicar para as áreas de apoio por que é tão importante apoiar projetos de cultura para as comunidades tradicionais. A cultura é central para esse grupo. Mas, quando você chega com um projeto que tem como mote a cultura quilombola, os organismos avaliam que é secundário. Eles nos pedem que façamos uma adequação para enfocar o empoderamento econômico, a questão de gênero, a questão territorial, enfim, cada órgão pede uma adequação para tentarmos conseguir algum apoio. Não conseguem aceitar que é a partir da cultura que podemos compreender as especificidades das comunidades tradicionais.
Além disso, esse não é um projeto que vai trazer essa mídia farta que a maioria dos patrocinadores quer. Precisamos fazer a melhor divulgação, a mais ampla possível, inclusive chamando parceiros, personalidades que são sensíveis à causa, para dar a ela ampla divulgação. Mas é uma luta. Quase não há interesse por parte dos patrocinadores nesse tipo de iniciativa, e isso não é nenhuma novidade. Porém, para quem está buscando fazer o trabalho, é um desafio muito desleal desse mercado. Concorremos nas estatais de Minas Gerais, por exemplo, com grandes balés, com grandes festivais, com espetáculos de grandes nomes e, se a pessoa responsável por aprovar patrocínio tiver de escolher entre dar milhões para um projeto desses ou 5%, 10% disso para nós, ela dará os milhões para os grandes. E como é que lutamos contra isso? Sendo absolutamente insistentes, chamando-os para ver o que estamos realizando, tentando convencê-los... Mas não conseguimos. Muito difícil. É uma luta árdua.
Por isso, nós não cansamos de agradecer ao apoio do Itaú Cultural, que abriu espaço para ouvir o que pedimos e acreditou nessa iniciativa. Sem isso, esse projeto estaria parado até hoje e aquelas comunidades permaneceriam na invisibilidade. É de extrema importância para nós conseguir sensibilizar incentivadores como o Itaú e a Petrobras para essas iniciativas. A cultura está lá no interior acontecendo, em pequenas escalas, sim, mas com uma força muito grande e lutando bravamente para seguir em frente, para não morrer. É nossa história, nossa cultura, nossa riqueza. Diz respeito a todos nós. Dessa forma, é preciso olhar para além dos grandes centros. Parece óbvio – e é –, mas pouco se faz para mudar essa realidade.
(Foto: Cleber Cardoso Nunes)
Como vocês pretendem circular todo o rico material coletado? Pretendem fazer alguma ação pontual junto a essas comunidades?
Nossa prioridade agora é a finalização desses produtos culturais e a entrega desse material para as comunidades quilombolas desses quatro municípios do Vale do Jequitinhonha no segundo semestre de 2016. Queremos fazer um grande evento lá na região, com a participação das comunidades, da mídia, de algumas personalidades parceiras, como artistas, escritores, intelectuais, e de autoridades que também precisam participar para se comprometer com o povo quilombola. Esse será o primeiro evento, que também é quando mostraremos todo o resultado para as famílias. Será um momento importante.
Depois, queremos fazer eventos em parceria com organizações quilombolas em capitais como Belo Horizonte, São Paulo e Brasília, sempre visando a visibilidade e a divulgação de tudo o que foi feito. Temos perspectiva de fazer uma exposição de fotos posteriormente, porque o projeto resultou em imagens muito bonitas.
Com base nas suas experiências e informações coletadas na pesquisa, quais são os desafios para que as políticas públicas de cultura sejam atuantes e estimulem as produções artísticas nesses territórios?
Eu acho que precisamos pensar em acesso às políticas públicas de cultura para esses territórios de uma maneira particular. Acho fantástico, por exemplo, os editais da Funarte para dar acesso a produtores negros. Mas, se você vai ao Vale do Jequitinhonha e conversa com os produtores culturais, eles desconhecem a existência desses editais. Ou, mesmo que saibam que estão acontecendo, quem é que está preparado para enviar uma proposta atendendo a tantos requisitos e de maneira que o projeto tenha alguma chance de ser analisado e aprovado? As pessoas precisam ser auxiliadas nesse processo. Eu mesma já fiz isso com vários deles para, minimamente, terem um projeto com essa linguagem de edital. Não é uma coisa simples. Pode sê-lo para quem trabalha com isso e tem informações de forma facilitada, mas para quem está longe, com pouca possibilidade de ter internet e telefone, o acesso a essas oportunidades é muito complicado.
Então, acho que temos de entender que os grupos culturais que trabalham no interior deste país precisam de um olhar específico, que entenda essas limitações de comunicação, que esteja aberto a suas demandas reais, para que possam acessar essas iniciativas.
(Foto: Cleber Cardoso Nunes)