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Nem dez mandos, nem desmandos

Em seu segundo texto para a coluna Um Por Todos, Glauco Mattoso comenta, através da sua escrita ímpar, sobre autoritarismo no meio médico e científico

Publicado em 28/05/2018

Atualizado às 14:55 de 21/09/2018

Por Um Por Todos - Glauco Mattoso

O adjectivo que quero commentar este mez é AUCTORITARIO. Em política se falla muito de auctoritarismo e de liberdades individuaes ou collectivas, mas em materia de arte essa questão ultrapassa as fronteiras da mera censura ethica ou esthetica. Antes de reflectir sobre isso, darei dois exemplos de auctoritarismo que normalmente excappam aos analystas politicos. Refiro-me aos medicos e scientistas.

Em março occorreu o dia mundial do somno. Ah, como me deu raiva ouvir todos aquelles "especialistas" cagando regra e passando sermão na gente que soffre de insomnia, como si fosse culpa exclusivamente nossa o facto de não conseguirmos dormir! Accusam-nos de tudo, de não nos desligarmos do cellular, da TV, do apparelho de som, dos affazeres nocturnos, das preoccupações... e, no meu caso, da composição de poemas. Teem respostas para tudo, exigem que durmamos pelo menos oito horas... Só não teem respostas para a principal causa da insomnia! Ouvi os taes "especialistas" fallando de tudo que se possa imaginar: apnéa, rhoncho, hormonios, alimentação, actividade physica... Mas não ouvi NIN-GUEM, ninguem tocar no poncto chave do problema: o BARULHO! Ah, eu só queria mandar um desses sabichões combinar com meu vizinho de cyma, com meu vizinho de baixo, com meu vizinho do lado, com os vizinhos dos outros predios, com o motorista do caminhão de lixo, com os caçambeiros, com os motoqueiros, com os balladeiros... Mas disso elles fazem de compta que não sabem! Ora, por acaso alguem teria coragem de suggerir protectores de ouvido? (Faço questão de dizer OU-VI-DO e não orelha!) Não protegem porra nenhuma e ainda machucam si você dorme a noite inteira com aquillo enfiado la dentro! Em summa, fico puto da vida quando são lembradas essas datas que só servem para um "especialista" apparescer às nossas custas! Vão todos ao diabo que os carregue!

Agora em maio cae o dia nacional do glaucoma. Claro que tambem ja me revoltei muito com a attitude dos medicos. Deixem-me recapitular um desabbafo que fiz na revista CAROS AMIGOS: "Fico puto cada vez que ouà§o fallar numa nova campanha de prevenção das doenças oculares, particularmente quando o assumpto é glaucoma, causa congenita da minha cegueira. Outro dia tive vontade de acchincalhar um desses doutores caga-regras que, dando entrevista no radio, allertava que o glaucoma à© controlavel si precocemente tractado, mas fatal e irreversivel quando tardiamente diagnosticado. Por traz dessa universal recommendaçà£o está, para mim, uma sacanagem sem tamanho: o oculista generaliza e se innocenta, emquanto os innocentes pagam pelos culpados. Explico: diz elle que o cara só fica cego si não for medicado a tempo e si não tomar todos os remedios direitinho, dando a entender que a cegueira é culpa só do cego. Ora, eu sempre segui à risca todas as indicações, usei mais de dez collyrios e soffri mais de dez cirurgias, com os especialistas que pude pagar, e mal pude addiar a cegueira até os quarenta annos! Que porcaria de ophthalmologia é essa, que não accompanha os progressos duma cardiologia ou duma infectologia? Que merda de collyrios são esses (um tem nome que lembra propina, outro que lembra charlatão), que dizem baixar a pressão mas só não funccionam commigo? Por acaso sou marciano? Sou culpado? A culpa pode não ser dos medicos como profissionaes, mas certamente será da medicina como sciencia, a qual é incompetente mas prepotente, a poncto de jogar no paciente a responsabilidade por suas precariedades. E depois não querem que eu seja um punk revoltado! Não querem que eu descarregue meu odio em cyma dos politicos, esses pacientes ricos, saudaveis e bem medicados! Maldictos são elles, não os poetas!"

Essa mania de patrulhar o comportamento alheio está em toda parte, não só na medicina ou na politica. Na minha praia, a litteratura, volta e meia apparesce alguem affirmando que a verdadeira poesia tem de ser assim ou assado, no futuro ou no passado. Eu proprio publiquei um tractado de versificação, mas as regras nunca serão obrigatorias, como querem alguns typos auctoritarios. O mesmo vale para a orthographia. Talvez a melhor recommendação, no campo artistico como na propria vida, não seja punk mas sim hippie: viva e deixe viver. Faça o que a lei obriga, mas não se obrigue a fazer o que algum "especialista" affirma como "scientifico". Faça, dentro ou não da regra, por espontanea vontade. E aqui ja estou sendo imperativo. Melhor parar...

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