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NITRO | Série ‘Coletivos culturais’

Composto dos fotógrafos João Marcos Rosa, Leo Drumond, Bruno Magalhães e Marcus Desimoni e pelo jornalista e roteirista Gustavo Nolasco,...

Publicado em 08/01/2015

Atualizado às 21:03 de 02/08/2018

Composto dos fotógrafos João Marcos Rosa, Leo Drumond, Bruno Magalhães e Marcus Desimoni e pelo jornalista e roteirista Gustavo Nolasco, o coletivo NITRO, além de atender aos mercados editorial, corporativo, político, institucional e educacional, desenvolve projetos autorais de seus cinco sócios, que privilegiam a pesquisa e a responsabilidade social.

Originalmente uma agência de fotografia com enfoque comercial, a NITRO começou a mudar a partir do projeto Fotos de Família, criado por João Marcos Rosa. O objetivo era preservar a história das comunidades que seriam atingidas por uma barragem no Vale do Jequitinhonha, região mais pobre de Minas Gerais. O envolvimento com esse tema levou a outros trabalhos em que o processo criativo intenso deveria ser o diferencial.

Hoje, o coletivo busca formas de ver a vida cotidiana através da fotografia e de outros meios narrativos, para contá-la com tratamentos estéticos diferentes.

Saiba mais no site.

Observatório: O que motivou os integrantes da agência NITRO a se reunirem em torno do projeto de um coletivo? Como o espaço em que vocês se localizam – Minas Gerais – interfere nos trabalhos do grupo?

NITRO: Inicialmente, a NITRO se formou pelo desejo comum de amplificar o alcance dos nossos trabalhos e manter uma estrutura comum. Dessa forma, passamos alguns anos conquistando o mercado como uma agência clássica de fotografia.

O modelo ficou velho. Além disso, não gostamos muito de viver presos a amarras burocráticas, de criação, de linguagem ou de forma. Então, naturalmente caminhamos para um novo formato, no qual a fotografia deixou de ser nosso único produto e passou a ser o principal meio para apresentarmos nossos vários produtos, todos eles com a nossa marca: histórias visuais. Somos contadores de histórias visuais.

O que nos mantém unidos é a vontade de encontrar novas histórias e buscar formas inovadoras de exibi-las.É como se no passado, no modelo arcaico, nós olhássemos para fotografar. Agora, nós ouvimos para criar. Até mesmo nossa atuação no mercado tem essa veia da história visual.

No que diz respeito a Minas Gerais, é bom lembrar que a contação de histórias é algo que está presente desde a infância do mineiro. Crescemos ouvindo nossos avós, sentados na cozinha, no quintal ou na calçada das cidades do interior. Desde pequenos, nossa imaginação é estimulada pelos famosos “causos”. Aqui em Minas, como em vários lugares do Brasil, a figura do contador de histórias é muito presente, chega a ser até profissão.

Manter o Espaço NITRO em Belo Horizonte é uma alegria imensa, já que é a nossa terra. Ficamos muito felizes por termos nos mantido aqui, podendo compartilhar o conhecimento e as buscas com as novas gerações da cidade.

Vocês podem falar um pouco sobre como se dá a gestão das finanças e do espaço ocupado pelo coletivo?

Formalmente, a NITRO é uma empresa constituída. Somos cinco sócios e temos um corpo de funcionários e outro de colaboradores.

A gestão financeira se dá pelo sistema de caixa único com remuneração mensal equivalente para todos os sócios. Também fazemos divisões de lucros semestrais, a partir de uma avaliação coletiva dos trabalhos individuais.

Dentro da nossa estrutura, cada um dos sócios tem uma função específica em termos gerenciais e administrativos. Tomamos decisões coletivas – por exemplo, sobre os investimentos de cada ano –, mas delimitamos funções.

A nossa sede é gerida de forma coletiva, tanto pelos sócios quanto pelos colaboradores, que possuem um espaço próprio, sejam fotógrafos, diretores de audiovisual, jornalistas, sejam designers.

Do mesmo modo que o amor por contar histórias nos motiva desde a nossa criação, a nossa responsabilidade administrativa com o nosso negócio e com o serviço prestado aos nossos clientes também é marca registrada e presente na qualidade dos produtos da NITRO.

De que modo o grupo e seus integrantes organizam seus processos criativos?

Essa é a parte mais bacana. Nós vibramos quando chegam ideias e somos instigados a transformá-las em algo concreto. Como se diz aqui em Minas: é como jogar milho para pinto!

Tudo começa numa grande mesa. Até apelidamos essa mesa de “liquidificador de ideias”. Começamos a desenvolvê-las; se irão virar o projeto do ano ou morrer antes de nascer, não sabemos. O importante e fundamental dentro da NITRO é exatamente esse exercício de construção coletiva.

Temos formações muito diversas e cada um traz uma referência nova. Gustavo e João são jornalistas, Leo é designer, Marcus é biólogo e Bruno é engenheiro com formação em artes. São cabeças completamente diferentes.

Podemos tanto desenvolver projetos de forma individual quanto de forma coletiva. Analisamos o que cada um poderia acrescentar, checamos a disponibilidade de tempo e outros fatores que podem fazer com que aquele membro possa se envolver ou não.

De qualquer maneira, todos os projetos são abertos, de modo que mesmo aqueles que não estejam envolvidos de forma direta possam fazer seus comentários e sugestões. É uma gestão aberta dessas histórias.

Em nossos processos, não queremos mudar a fotografia, e sim colocá-la a serviço de tudo: literatura, design, audiovisual, ou seja, de qualquer estratégia de comunicação. Esse é o desafio que nasce no “liquidificador de ideias”.

Um detalhe: quase nunca todos os cinco sócios participam de um mesmo projeto. Eles são assinados pelos autores, mas sempre levam também o selo NITRO, porque tudo é NITRO. Fazemos isso exatamente porque acreditamos que o processo criativo, do qual todos participam, é a fase mais importante do produto final.

O tesão de ser NITRO é ter a plena consciência de que a fase mais gostosa de toda a fotografia não é olhar para a imagem e falar “porra, que foto”, mas sim saber que estudamos, pesquisamos, discutimos e criamos muito para chegar naquela imagem.

Quando colocamos a assinatura da NITRO em um trabalho, queremos nos prestar a algo muito maior do que ser apenas arte em uma galeria. Estamos a serviço da história, e isso é genial.

Tentamos romper o limite da fotografia como instrumento, para valorizar outras formas de narrativa. Um exemplo que sempre usamos para tornar mais fácil o entendimento disso é o projeto Moradores.

O que ele tem de inovador em termos de fotografia? Nada. Muitos projetos pelo país e pelo mundo fazem retratos P&B de uma pessoa e ampliam em espaços públicos.

A diferença é o que está por trás: a história, o conceito que criamos, o envolvimento com os personagens e a arte/comunicação como instrumento de educação patrimonial. Nós não estamos ali simplesmente para brincar de fotografia ou dourar pílulas velhas. Quando realmente se quer contar uma história, a fotografia está a serviço de algo maior. Uma ferramenta para mudar uma realidade, denunciá-la ou mesmo valorizá-la.

Enfim, o nosso processo criativo está a serviço disto: contar histórias.

Em Moradores, o tema é a humanidade dos patrimônios históricos. Os Chicos propõe uma história do Rio São Francisco por meio do registro de toda a sua extensão e de seus personagens. Já Beira de Estrada trata das estradas de Minas Gerais e, mais uma vez, de seus ocupantes. Em todos os projetos mencionados há uma evidente preocupação com o patrimônio material e imaterial e os traços históricos e geográficos das regiões apresentadas. Vocês podem falar um pouco dos resultados dessas experiências? Qual a importância, na visão de vocês, desse tipo de percurso?

A história, a geografia e, claro, as pessoas que estão dentro desses recortes são os principais motivadores para iniciarmos a transformação de uma ideia ou um job em um projeto.

O que realmente nos motiva é a possibilidade de sermos, além de testemunhas, agentes transformadores dentro do nosso tempo.

Falando dos projetos citados, destacamos o Moradores. Ele é fantástico porque se tornou um verdadeiro manifesto de ocupação urbana em defesa da identidade cultural e da memória de cada uma das cidades brasileiras.

Em 2014, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) deu sua chancela para uma das etapas do projeto, que ocorreu na cidade histórica de Mariana (MG), além de levar nossas projeções para dentro da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto (MG), que passa por reformas. Uma experiência emocionante ver os moradores da cidade interagindo com o barroco de Aleijadinho. Foi incrível!

Os Chicos, mesmo tendo apenas o universo das comunidades do Rio São Francisco, também é um trabalho transmídia em que as histórias das pessoas são o foco. O reconhecimento nacional veio com a conquista do Prêmio Jabuti de 2012 e o esgotamento da primeira edição do livro.

Da mesma forma, o Beira de Estrada. E não paramos por aí. O mais novo filhote da casa, que é o Mães do Cárcere, também segue essa pegada da contação de história em formato transmídia. Nele, estamos documentando o universo de mulheres grávidas que cumprem penas em presídios mineiros.

O coletivo NITRO realiza, ainda, incursões pelo universo educacional, por meio de workshops e conversas, por exemplo. Como é a relação entre fotografia e educação? Quais são as principais realizações e os principais desafios dessa experiência?

Depois de 11 anos de estrada, percebemos a importância de dividir um pouco de toda essa experiência que acumulamos pelo caminho. Durante toda essa caminhada, sempre fizemos isso informalmente, recebendo em nosso espaço novos fotógrafos e jornalistas em busca de conselhos e diretrizes para sua carreira.

Percebemos que poderíamos ampliar o alcance dessas conversas realizando atividades de modo organizado: assim surgiram as primeiras oficinas. Isso nos fez correr atrás de um aprimoramento dos nossos métodos de ensino e compartilhamento de informações.

Hoje, promovemos workshops e palestras em eventos ligados a fotografia e comunicação. O nosso carro-chefe é a ND, uma publicação que criamos como produto final de uma oficina na qual exploramos a capacidade dos alunos de criar histórias em várias formas narrativas.

Nesse pouco tempo, já publicamos sete edições, com participações nos maiores festivais de comunicação e artes do país.

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