A perspectiva de um indígena, na atualidade, sobre o modo como a natureza e os povos originários foram representados pelos europeus do século XIX
Publicado em 05/01/2018
Atualizado às 12:00 de 03/08/2018
O mestre dos cantos Ibã Huni Kuĩ, parte da equipe que montou a exposição Una Shubu Hiwea – Livro Escola Viva do Povo Huni Kuĩ do Rio Jordão, visitou em dezembro de 2017 o Espaço Olavo Setubal (EOS), a convite do Itaú Cultural. A ideia era que pudéssemos aprender com a sua visão – o museu reúne vários pontos de vista sobre a história do Brasil, sendo parte desse acervo as perspectivas dos europeus sobre os povos originários. A pergunta, então, era: como um indígena encara as representações exibidas ali?
Os itens que chamaram atenção de Ibã foram os trabalhos feitos por artistas europeus, seja representando indígenas (às vezes sem ter tido realmente contato com esses povos, criando, portanto, a partir de relatos), seja figurando plantas e animais, o que marca as obras dos viajantes naturalistas do século XIX. Cada tipo de imagem levou a uma reação.
Questionamos se as representações feitas dos indígenas o incomodavam, procurando ressaltar o quanto os europeus podiam estar distanciados da realidade. Ibã não se sentia assim. Destacou alguns elementos que o museu não exibia – como as malocas e as pinturas corporais – e explicou que os registros eram “lembrança”: afastados no tempo, serviam para sabermos como eram as coisas e compará-las com o agora.
Ainda mais, as imagens evocavam a ele um sentimento de familiaridade: “Eu estou aqui conversando com você, sentindo isso, todo o meu povo aqui, guardado. É isso que nós estamos encontrando”. A lembrança mantida ali, por mais que pelo viés europeu, era a recordação também do passado indígena.
A respeito dos trabalhos de história natural, analisando as gravuras expostas no módulo O Brasil dos Naturalistas, que apresentam espécies de plantas e animais, ele tanto especificou diferenças do registrado em relação ao que se vê hoje na floresta (como mudanças no aspecto dos pássaros) quanto aproximou a sua pesquisa aos esforços dos cientistas do século XIX. Ibã, na aldeia, é um dos responsáveis por catalogar tipos de vegetal (diz ter definido mais de 40 arbustos), por cor, folha e efeito, por exemplo.
Para além das semelhanças, ele comentou o fundo espiritual de parte da produção Huni Kuĩ no campo dos desenhos e das pinturas. Enquanto os trabalhos europeus no EOS podem ser classificados só como científicos, o kene, estilo de grafismo geométrico desse povo, é inspirado em rituais marcados pelo canto e pela bebida de chás, como o da ayahuasca (na exposição e na fachada do Itaú Cultural você pode conferir alguns kene Huni Kuĩ).
Como você vê esse debate?