O Observatório conversou com a pesquisadora Isabel de Paula sobre seus desafios na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o cenário atual das políticas culturais no país
Publicado em 15/08/2018
Atualizado às 19:27 de 13/06/2019
O Observatório conversou com a pesquisadora Isabel de Paula sobre seus desafios na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o cenário atual das políticas culturais no país.
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional – do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam), da Universidade de Brasília (UnB) –, Isabel é pesquisadora do Observatório de Políticas Culturais da mesma universidade e coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil. Jornalista e especialista em gestão e política cultural pela Universidade de Girona, na Espanha, já trabalhou em diversos veículos de imprensa, entre eles o jornal O Globo.
Qual é o papel da Unesco nas políticas culturais no Brasil?
Como agência das Nações Unidas que tem a cultura como uma das principais áreas, a Unesco trabalha para que suas convenções internacionais sejam implementadas no Brasil. É uma agência intergovernamental em mais de 190 países no mundo – e o Brasil é um deles. O país é signatário de quase todas as convenções internacionais de cultura, menos do patrimônio subaquático, por questões de legislação, e é um importante parceiro da Unesco. Nesse sentido, trabalhamos com a implementação de políticas culturais no âmbito dessas convenções internacionais e de acordo com a necessidade do país.
No Brasil temos um trabalho muito forte do patrimônio, da salvaguarda e das medidas de proteção de bens, sobretudo considerando os bens de patrimônio mundial da Unesco: 14 sítios de patrimônio cultural e os bens de patrimônio natural. No caso dos bens de patrimônio cultural, que é regido pela Convenção de 1972, temos trabalhado intensamente com o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas também desenvolvemos projetos com governos estaduais, secretarias municipais e outros parceiros.
Uma das convenções que permitem que a gente execute muitas políticas culturais no Brasil é a Convenção da Diversidade Cultural, de 2005, que trata exatamente da proteção e da promoção da diversidade das expressões artísticas no mundo. Nós temos uma diversidade enorme e uma riqueza de expressões culturais. Já desenvolvemos também projetos em parceria com o Ministério da Cultura, promovendo o acesso e a implementação do Sistema Nacional de Cultura. Tudo muito balizado nas convenções da Unesco, em especial as de 1972 e 2005.
Em uma entrevista ao programa Natureza Viva, da rádio EBC, você falou sobre o reconhecimento de Brasília como Cidade Criativa. Quais foram os critérios usados para esse reconhecimento?
Desde 2004 a Unesco lançou a rede de Cidades Criativas, uma plataforma de cidades no mundo que apostam na criatividade e na cultura como fator de desenvolvimento sustentável. Hoje temos 180 cidades no mundo que compõem essa rede, das quais sete estão no Brasil: Santos, na categoria de cinema; Paraty, Belém e Florianópolis, em gastronomia; Brasília e Curitiba, na área de design; e João Pessoa, pelo artesanato. São sete categorias criativas, e as cidades se candidatam apresentando um plano de desenvolvimento nesse setor criativo por quatro anos. Então o ingresso na categoria é mais do que um selo – é um compromisso da cidade com o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva e de criação naquele setor específico, desde a produção até a distribuição dos bens e serviços culturais. No caso de Brasília, a cidade nasceu com o DNA do design a partir do trabalho do urbanista Lúcio Costa, de Oscar Niemeyer, de Athos Bulcão, para citar alguns, que criaram sua beleza estética e cultural. Isso contribuiu para que fosse premiada.
Nós sabemos que metade da população mundial vive em cidades, e a expectativa é de que até 2050 mais de 70% dela seja urbana. Para atingir a sustentabilidade, uma das principais áreas é o ambiente urbano, as cidades, e a Unesco acredita que não há sustentabilidade se não houver políticas de desenvolvimento que estejam centradas na cultura. A cultura é o que somos, é onde estamos e para onde vamos. Sem cultura não há desenvolvimento sustentável.
Quais são os principais projetos e desafios neste momento?
O Brasil é um país muito grande e diverso, e a Unesco dá uma contribuição muito importante na cooperação técnica internacional aqui. Temos desenvolvido muitos projetos voltados para a preservação do patrimônio, não apenas uma preservação engessada, mas que também considera o potencial do patrimônio, tanto da cultura material quanto da imaterial para o desenvolvimento – é o caso do turismo, por exemplo.
No campo da diversidade cultural, focamos cada vez mais a área de economia criativa. A ideia é trabalhar com os aspectos do desenvolvimento urbano para a evolução das indústrias culturais e criativas. Por isso, temos projetos com o Ministério da Cultura, com o Iphan e com secretarias estaduais e municipais, assim como com organizações não governamentais. O Itaú Cultural é, inclusive, um parceiro.
Nós desenvolvemos recentemente um grande seminário internacional sobre o combate ao tráfico ilícito de bens culturais. É preciso construir uma política nacional voltada para a garantia de circulação de bens culturais, mas também para coibir as práticas ilícitas de bens.
Como você avalia o cenário das políticas culturais para a realização de projetos nessa área?
Há um desafio global, esforços internacionais, para repensar as políticas culturais, para pensar novas formas e maneiras inovadoras de superar obstáculos. Sabemos das grandes dificuldades que existem em termos de financiamento, por exemplo, em que a área cultural, infelizmente, sofre muito com as descontinuidades administrativas, com a falta de recursos e com cortes orçamentários. Os governos não conseguem suprir as enormes necessidades de desenvolvimento, execução, monitoramento e avaliação das políticas públicas, que são muito importantes. Então, é muito relevante que haja a participação e a presença do setor privado e da sociedade na construção dessas políticas.
Nesse sentido, quando falamos de incentivos fiscais, por exemplo, temos instituições como o Itaú Cultural, que investem muitos recursos por meio da Lei Rouanet, mas também precisamos do fomento público, pois, para abarcar toda a diversidade cultural do Brasil, para conseguir investimentos culturais em regiões de maior vulnerabilidade social, é preciso de políticas públicas. Acredito que o país vem se desenvolvendo e tomando consciência da importância da economia criativa e de quanto se pode aproveitar esse potencial que a gente tem.
E para a implantação dos projetos culturais da Unesco?
O mundo digital, por exemplo, traz novos desafios para a implementação das políticas culturais e faz com que estas tenham de ser muito mais inovadoras. Acredito que o Brasil precisa apostar mais, por meio de parcerias com governos municipais e estaduais, em projetos que apoiem o país no desenvolvimento de setores criativos. A criatividade e a cultura são fatores de promoção da diversidade, da coesão social, do fortalecimento de identidades compartilhadas, e é através da cultura que chegamos a uma sociedade mais pacífica e harmoniosa. Por meio da cultura é possível combater a pobreza e promover a igualdade de gênero. O maior desafio hoje é convencer governos e populações de que a cultura deve estar no centro das políticas de desenvolvimento e de que ela é fundamental para a superação de todos os grandes problemas enfrentados pela humanidade.