Mateus Berger Kuschick, conhecido como Mateus Mapa, é compositor e músico gaúcho e autor do livro Suingue, Samba-Rock e Balanço – Músicos, Cenários e Desafios, em que aborda a cena de bailes de seu estado, fala sobre sua pesquisa.
Publicado em 11/09/2017
Atualizado às 12:14 de 03/08/2018
O Rio Grande do Sul se destacou como um importante cenário de bailes e, consequentemente, um lugar em que o samba rock teve muita relevância para a cena musical local. Desse cenário saíram importantes nomes, como Luís Vagner e Bedeu. O pesquisador e músico Mateus Mapa (Mateus Berger Kuschick), autor do livro Suingue, Samba-Rock e Balanço – Músicos, Desafios e Cenários (2013) fala sobre essas influências e a construção desse ambiente.
Mateus Berger Kuschick é graduado em música/composição e em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em musicologia/etnomusicologia no Programa de Pós-Graduação em Música (Conceito 7) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em música/fundamentos teóricos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atua na área de artes e música e suas atividades profissionais estão vinculadas principalmente às seguintes temáticas: pesquisa em etnomusicologia, produção em música popular, criação musical, trilha sonora para teatro e música para crianças.
Como surgiu seu interesse pelo samba rock/swing?
O meu interesse “macromusical” de pesquisa é pela produção da música brasileira, a “nossa música”, e o que isso possa significar. O que na música nos faz brasileiros, e o que nos fará – mesmo que eu simpatize muito com a utopia do John Lennon de imaginarmos um mundo sem países. Por isso, boa parte – para não dizer a grande maioria – dos movimentos musicais que sempre me interessei em conhecer mais a fundo foram aqueles associados com a população negra espalhada pelo mundo. Movimentos artísticos que deram forma ao que chamamos de música popular são todos associados às populações afro e afro-diaspóricas – samba(s), rock(s), blues, baiões, tango(s), salsa(s) e suas derivações. Ou seria às populações historicamente oprimidas como um todo? E é assim também com o swing, ou suingue, se usarmos a grafia abrasileirada para nos descolarmos do gênero musical norte-americano e sonoramente muito distante desse ao qual nos referimos aqui, samba rock, balanço, molejo, sambalanço ou outros tantos nomes.
No meio musical de Porto Alegre, como em todos os lugares, há “tribos”, “praias” pelas quais os músicos circulam intensamente. Sendo eu, desde a adolescência, integrante de bandas e público cativo da vertente mais voltada para o rock e para a dita música acadêmica, comecei a conviver mais próximo dos músicos da “tradição” suingueira porto-alegrense em ensaios, camarins, portas de bar, para tentar receber algum cachê, o que inevitavelmente me levou aos discos dos artistas gaúchos Luís Vagner, Bedeu e da banda Pau Brasil. A partir daí, abriu-se esse “mundo underground”, esse “universo particular” do dito suingue sulista: subterrâneo, que não para de pulsar, muito associado ao mundo do samba, e que apresenta infinitos desdobramentos e ramificações em outras cidades do estado e do país. O suingue, o samba rock, o balanço, em qualquer parte do Brasil em que se desenvolveram, tiveram como principais criadores e foram a trilha sonora de membros das populações de baixa renda das grandes cidades do país, em especial, na minha pesquisa, em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro.
O interesse pelo suingue como pesquisador formal aconteceu no começo do projeto de mestrado em música, em 2009, quando dentro da subárea de etnomusicologia propus o tema para minha dissertação, vinculado ao curso de música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com orientação dos professores Reginaldo Gil Braga e Maria Elizabeth Lucas.
O movimento black na música sulista tem algum marco referencial? Qual? Como a cena se estabeleceu?
É difícil isso de estabelecer um marco inicial, uma data e um local de origem para um movimento coletivo, ainda mais quando não o inventaram e divulgaram e repetiram até que um marco referencial se consolidasse, virasse pedra inaugural, verdade máxima, e ocupasse todas as divulgações, documentários e breves textos sobre o tema. Digo isso pensando na música “Pelo Telefone” e no quintal da tia Ciata (do samba), e pensando também na data em que concedo esta entrevista [11 de agosto], que o doodle do Google chama de dia do nascimento do hip hop. Penso no kuduro e no semba angolanos, tema da minha pesquisa de doutorado, e em tantos outros gêneros musicais que, depois de percorrerem décadas de propagação e consolidação, alguém ou um grupo de pessoas precisa parar para pensar quando (e muitas vezes onde) foi que isso começou. Com isso não se quer enfraquecer nem deslegitimar os marcos referenciais já postos na música: apenas relativizá-los.
Na minha opinião, baseado nos relatos de muitos músicos e na observação que esse meu trabalho me propiciou, o marco referencial do movimento black sulista específico, do suingue/samba rock do sul, dá-se na data de fundação da escola de samba Acadêmicos da Orgia, em 2 de fevereiro de 1960, porque foi na quadra dessa escola de samba que o rock e o samba se encontraram em Porto Alegre, guitarras, baixos e baterias com pandeiros, surdos, frigideiras e sopapos.
Sobre como a cena se estabeleceu, os Acadêmicos em questão eram antes Garotos! Sim, no Carnaval de 1955 foi fundado o bloco carnavalesco Garotos da Orgia, com os filhos e amigos dos filhos do seu Miguel e da dona Carlinda (Miguel de Oliveira Gonçalves e Carlinda Soares Gonçalves), para que aqueles meninos que faziam som com latas e com o que mais tivesse no entorno de suas casas no bairro Santana em Porto Alegre pudessem desfilar e apresentar suas batucadas nos coretos das praças espalhados pela cidade. Anos depois, em uma reunião, os patronos do bloco, Aimoré Silva e seu pai Rubens Silva, juntamente com Miguel e Carlinda, vendo o destaque que os meninos vinham obtendo e a altura dos voos musicais que já ensaiavam levantar, sugeriu que o bloco se tornasse escola, e que promovessem os Garotos a Acadêmicos da Orgia, mudança que ocorreu oficialmente em 2 de fevereiro de 1960, feriado municipal em Porto Alegre, dia da padroeira da cidade, Nossa Senhora dos Navegantes. Em um terreno localizado na Avenida Ipiranga, 2.741, que persiste até hoje, ocorreram os principais encontros entre os músicos dessa cena musical, o suingue/samba rock do sul.
Essa geração precursora, que se profissionalizou e compôs alguns dos hinos do gênero musical em questão, são as crianças dos arredores da quadra dos Acadêmicos da Orgia: em linhas gerais, Luís Vagner e o grupo Pau Brasil. Mais especificamente, os músicos Luís Vagner (1948), Bedeu (1946-1999), Alexandre Rodrigues (1947), Nego Luiz (1951), Mestre Cy (1949), Leco do Pandeiro (1954), Leleco Telles (1949-2004), Delma Gonçalves (1951), Paulo Romeu (1957) e Marco Farias (1956). Nas décadas seguintes, outros nomes surgiram desse reduto musical de Porto Alegre, como a banda Afro-Sul, o bloco Afro-Sul Odomodê, Valter Sapo, Zê, Xandele, o Pagode do Dorinho, Nego Bando (do grupo Tribuwudu), o Sport Club Samba Rock e Giraya, entre outros.
Perguntei aos músicos pertencentes a essa geração, pode-se dizer, fundadora do samba com guitarra elétrica em Porto Alegre, quais seriam os músicos antecessores a eles em Porto Alegre que os teriam inspirado, e eles citam um ou outro nome de músicos identificados com a população negra do estado que propunham em suas canções fusões e reflexões presentes no samba rock. São os casos de Lupicínio Rodrigues, Caco Velho, Tulio Piva, Mestre Paraquedas, e o próprio pai de Luís Vagner, Vicente Lopes, músico de orquestras no interior do estado. Cada um desses nomes, no entanto, acabou por encontrar caminhos mais individuais, ao invés de formar uma cena, um movimento, como ocorreu com eles na década de 1960. O suingue/samba rock em Porto Alegre foi se estabelecendo, portanto, nas relações humanas que surgiam nos ensaios e nas festas promovidas na quadra dos Acadêmicos da Orgia e em alguns clubes sociais negros espalhados pela cidade, como Associação Satélite Prontidão, Sociedade Beneficente Floresta Aurora, Salão da Carris e a casa de shows Evolução. Após se apresentarem nesses espaços culturais e conquistarem um pequeno sucesso local com seus grupos, que faziam exatamente um som com influências diretas do samba, do rock/iê-iê-iê (Luís Vagner com The Jetsons, Bedeu e Leleco com The Rockers, Luís Vagner, Bedeu e Alexandre com Rajadinha), Luís Vagner (em 1966), Bedeu (no final dos anos 1960) e o sexteto do Pau Brasil (em 1974) decidiram morar em São Paulo, que foi onde se encontraram com o enorme grupo de músicos e apreciadores de uma música muito parecida com a que eles vinham propondo aqui: um samba elétrico, um “molho especial”, como alguns músicos definiam.
Em São Paulo, Luís Vagner lançou um LP e diversos compactos com o grupo Os Brasas, ainda mais voltado para a jovem guarda, e depois lançou dez álbuns solo, além de diversos compactos, já trazendo seu acento guitarreiro, suingueiro marcante, sempre acompanhado do grupo Amigos Leais. Bedeu, que lançou três álbuns solo, veio ainda no final da década de 1960 a São Paulo fazer parte do grupo Neno Exporta Som, com músicos que mais tarde formariam o grupo Os Incríveis. A banda Pau Brasil lançou dois LPs, sendo o de 1978, O Samba e Suas Origens, talvez o exemplo mais completo e bem acabado do suingue do black do sul do Brasil. O equivalente, na obra de Luís Vagner, é provável que seja seu LP de 1976, oficialmente intitulado apenas Luís Vagner, mas conhecido como “Guitarreiro”. Esse apelido, dado pelo cantor Fabio Stella, nunca mais descolou do artista e de sua obra.
O impacto da circulação desses músicos por outras regiões do país e do surgimento de espaços como a Acadêmicos da Orgia para a cidade e para o crescimento do suingue samba rock foi enorme. Alguns músicos relembram os artistas de sucesso nacional que, quando vinham a Porto Alegre, eram recebidos com churrascos e longas tardes de descontração na quadra da Acadêmicos e, mais tarde, na quadra do bloco Afro-Sul Odomodê: artistas como Os Originais do Samba, Wando, Luiz Melodia, Bebeto, Dhema e Serginho Meriti, mostrando a circularidade e a fertilidade desses encontros.
Em uma entrevista sua, concedida ao jornal O Dia em 5 de setembro de 2013, você afirmou: "Eu toco em naipe de sopros, e já atuei em bandas de rock, MPB, funk... Ouvi sempre alguns músicos de Porto Alegre falando do jeito desse pessoal de tocar, que é diferente. Uma divisão rítmica que difere da de São Paulo, da Bahia, do Rio, que segue para outro caminho na percussão. Não conhecia muito isso e fui pesquisar”. Você poderia explicar essa diferença? Qual é a característica do samba rock sulista?
Aqui é um ponto às vezes complicado, porque é preciso usar um pêndulo entre dois extremos: da relativização excessiva e do reducionismo excessivo. Explicar, mostrar qual a característica do samba rock sulista em uma fórmula de compasso, uma célula rítmica, é de um reducionismo e de uma generalização fortes. Eu me atrevo com essa: Dizer que não existe samba rock de um lugar, mas sim samba rock de pessoas, de individualidades e de subjetividades desconectadas entre si e que são unicamente a expressão, o suingue daquele indivíduo com sua idiossincrasia ocupa o extremo da relativização.
Vale lembrar que, além da característica rítmica, o “jeito diferente de tocar desse pessoal” vai passar por aspectos de instrumentação, arranjo, construção melódica (fraseado), forma, progressões harmônicas, conteúdo das letras e interpretação dos(as) cantores(as). De tudo isso, vai derivar um gênero musical ou mesmo um estilo de se tocar determinado gênero. Nos aspectos rítmicos, Porto Alegre tem uma característica peculiar no mundo do Carnaval, que é a existência de tribos carnavalescas, para além e antes da chegada das escolas de samba nos moldes da “matriz” Rio de Janeiro. Essas tribos carnavalescas, que eram dezenas (Tapuias, Carijós, Bororós), segundo a publicação Carnavais de Porto Alegre, lançada em 1992 pela Secretaria de Cultura do município, são assim descritas: “As tribos, manifestação peculiar do Rio Grande do Sul, surgem na metade dos anos 40; seu auge se dá no fim dos anos 50 e na década de 60, sendo que, em 1951, passam a ser julgadas como uma categoria em separado. Sua característica principal é a utilização de fantasias e coreografia abordando temas indígenas [...]. Por volta da década de 70 ocorre o declínio das tribos, restando apenas três delas, que subsistem até os dias de hoje: Os Comanches, Tapuias e Guayanazes”. Na atualidade, apenas Os Comanches e Guayanazes ainda atuam. Se pensamos nos músicos do Pau Brasil e em seus contemporâneos como os formadores do samba rock sulista, então o som das tribos carnavalescas irá determinar a peculiaridade rítmica. A ala da percussão nas tribos usava em grande quantidade o tambor de sopapo, a frigideira, os bongôs, e, até onde pude verificar, até hoje mantém em seu desfile um andamento mais lento do que o verificado no samba de avenida como conhecemos em nível nacional. A instrumentação do samba rock sulista será com guitarra, baixo, bateria ou timba, tumbadoras, surdo, o pandeiro atuando quase como solista, naipe de sopros (geralmente trompete, sax tenor e trombone) e vozes. Tanto Luís Vagner como o Pau Brasil sempre usaram o recurso do coro, das aberturas de vozes em suas canções e isso também se coloca como uma marca para quem escuta o samba rock sulista. A temática das letras gira em torno de um universo temático amplo também presente no samba, por exemplo, como as relações pessoais, amores, sofrimentos, malandragem, problemas sociais, a realidade brasileira e suas belezas naturais, entre outros.
Outra maneira de demonstrar características do samba rock sulista pode ser elencando uma lista de canções representativas. São elas:
“Como” – Luís Vagner
“Só que Deram Zero pro Bedeu” – Luís Vagner
“Tá na Hora” – Bedeu
“Grama Verde” – Bedeu, Leleco Telles e Alexandre (eternizada pela banda Ultramen)
“Guitarreiro” – Luís Vagner
“Nega Olívia” – Bedeu e Alexandre (eternizada na voz de Bebeto)
“Lá no Partenon” – Luís Vagner
“Kid Brilhantina” – Bedeu e Alexandre (eternizada na voz de Branca di Neve)
“Pau-Brasil” – Bedeu e Alexandre (presente no disco da banda Os Opalas)
“África Quintal” – Paulo Romeu e Wilsinho Telles
“Guerreiro” – Bedeu, Leleco Telles e Bebeto
“Skuliba” – Luís Vagner e Bedeu
“Oi” – Luís Vagner (eternizada na voz de Branca di Neve)
“Negona” – Luís Vagner e Bedeu
“Saudades do Jackson do Pandeiro” – Luís Vagner e Bedeu (eternizada pelo grupo paulistano Clube do Balanço)
“A Obra” – Casa da Sogra (Tonho Crocco e Xandelle)
“Bem Nasantiga” – Casa da Sogra (Alexandre Sugos)
“Vou Pular Nesse Carnaval” – Luís Vagner e Tom Gomes
“Segura Nega” – Luís Vagner e Bebeto (eternizada por Bebeto, paulista que construiu sua carreira principalmente no Rio de Janeiro)
“Abwzzy y Wzzy” – Bedeu e Luís Vagner
“Dr. Swing” – Luís Vagner
“Sedusom” – Luís Vagner
Achei importante incluir nessa lista de canções da gauchada suingueira algumas que ficaram populares nas vozes de artistas do sudeste, como Bebeto, Branca di Neve, ou dos mais recentes Os Opalas e Clube do Balanço, porque a troca é intensa e é desses encontros que os gêneros musicais se nutrem.
Acredito que seja importante falar também da presença dos arranjos de sopros nas músicas desses grupos e dos grupos que vieram dar prosseguimento ao “movimento”, à sonoridade suingada da música da comunidade afro em Porto Alegre. Houve diversos grupos de grande destaque nos anos 1980 e 1990 que ocuparam o espaço aberto nas décadas anteriores pelo Pau Brasil e outros contemporâneos seus, como Fantástico, Café Som e Leite, Wilson Ney e Bossa Samba Show. Tais grupos enchiam as pistas de dança das casas de shows como bandas de baile nas décadas de 1970 e 1980, tendo como forte não as composições, mas a interpretação de sucessos de artistas nacionais. Além desses, as bandas Evolução, Senzala e Sem Comentários tinham suas marcas no naipe de sopros e em arranjos que exigiam técnica apurada. Esse grupo de instrumentistas de sopro derivava quase em sua totalidade de uma banda marcial de prestígio internacional: a Banda Marcial do Colégio La Salle São João, premiada em festivais de bandas pelo país e no exterior.
Dentro da cena black brasileira, artistas como Luís Vagner e Bedeu, que são muito citados, tiveram suas músicas gravadas por outros nomes de destaque, como Jorge Ben Jor. Quais outros artistas foram importantes da cena sulista?
Eu destacaria os parceiros de composição de boa parte das canções de Bedeu: Alexandre Rodrigues e Leleco Telles. Além deles, Cidinho Teixeira, músico natural de Rio Grande que lançou em 1980 um LP maravilhoso, chamado Muito Suingue, gravado no Rio de Janeiro. Se Luís Vagner, natural da cidade de Bagé, é conhecido como o Guitarreiro, o riograndino Cidinho pode ser considerado o Pianeiro, em razão da maneira peculiar e extremamente rítmica de tocar o piano. Cidinho também transitou pela Acadêmicos da Orgia na década de 1960 e cedo foi morar em São Paulo e no Rio de Janeiro. É ele o tecladista de Tim Maia e de Gilberto Gil em diversos álbuns consagrados desses artistas.
Em São Paulo, o samba rock obteve o título de Patrimônio Cultural Imaterial. No Rio Grande do Sul também existe esse movimento? Na sua opinião, essa titulação se faz necessária?
Foi uma conquista muito importante a de São Paulo. Fruto de um empenho enorme de músicos, bailarinos, ativistas e produtores culturais em parceria com vereadores e pessoas ligadas à política até chegar à patrimonialização do samba rock paulistano. No Rio Grande do Sul não há um movimento organizado nesse sentido ainda. Os esforços são pela abertura de mais espaços e manutenção dos já existentes. Há momentos em que os espaços de cultura e resistência são “convidados” a se retirar e ir para algum novo endereço, mais distante da área central de Porto Alegre. Isso ocorreu com a Associação Satélite Prontidão, o Clube Social Negro centenário da capital e a Floresta Aurora. E, neste momento, vive-se um embate com a prefeitura municipal, que pretende remover três espaços de referência da cultura negra local: a Banda da Saldanha e as escolas de samba Praiana e Imperadores do Samba. Portanto, ao que parece, no momento a comunidade envolvida com a cena do suingue/samba rock está mais depositando suas energias para poder manter vivas as conquistas já alcançadas do que se organizando para, por exemplo, obter o título de Patrimônio Cultural Imaterial para o gênero.
Acho que, no caso de Porto Alegre, essa titulação se faz necessária, assim como penso a respeito da de São Paulo. No caso gaúcho, agem a favor disso os mais de 50 anos dessa prática ininterrupta, a quantidade de pessoas envolvidas (a festa de samba rock muitas vezes vai do churrasco de almoço até a madrugada) e a importância na formação de um ambiente plural, onde de maneira informal a dança, a música e as relações humanas se fortalecem.
Como você vê essa cena hoje em dia?
Há alguns focos, na cidade de Porto Alegre, onde o samba rock se mantém fixo na programação: o Clube Ypiranguinha é o mais forte neste momento, trazendo atrações nacionais e mantendo uma programação com artistas locais (Swinga Brasil e Sem Comentários, principalmente). Também o Ponto de Cultura Afro-Sul Odomodê, com suas domingueiras, e o Partenon Tênis Clube. Na onda dos “botecos” disseminada pelo país, Porto Alegre tem três espaços que privilegiam o suingue/samba rock: Boteco do Ronaldinho, Boteco do Caninha e Boteco Tipo Exportação. Além disso, surgem iniciativas como o sarau literário/musical Sopapo Poético, projeto itinerante : que acontece mensalmente com poetas e músicos convidados. Há também bandas como Calote, Casa da Sogra, Zamba Ben, Pagode do Dorinho, os regueiros da Produto Nacional e a banda Ultramen, que, de alguma forma, atuam na cena musical do suingue/samba rock sulista.