Uma visão atemporal de quem pôde caminhar A experiência adulta concretiza qualquer reflexo de humanidade pra carregar no peito. Todos...
Publicado em 25/05/2017
Atualizado às 10:52 de 03/08/2018
Uma visão atemporal de quem pôde caminhar
Por Nayra Lays e Alexandre Ribeiro
A experiência adulta concretiza qualquer reflexo de humanidade pra carregar no peito. Todos quietos. Todos eretos. Quase todos quase sempre tudo – menos eles mesmos. O menino veio correndo e atravessou a porta de vidro. Nem a melhor engenharia prevê a instabilidade natural. Pois é, o concreto racha. Nossos corações de pedra se racharam quando o menino pulou em cima do concreto. “Obsolescentes”, gritava a obra. “Arte”, gritava o sorriso do menino. Daí o encanto. Artista que respeita placa não mexe.
Exposição Avenida Paulista, em cartaz no Masp, 2017 | foto: Eduardo Ortega
Tá, chega de subjetividade. A gente foi convidado pelo pessoal do Itaú Cultural para visitar a exposição sobre a Avenida Paulista no Museu de Arte de São Paulo (Masp).
A mostra, que celebra os 70 anos da Paulista, é um percurso que parece ter sido pensado assumindo um desafio: contar como as histórias das pessoas são atravessadas pela avenida para além dos números, do financeiro.
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“Eu não sei o que faria se não tivesse a Avenida Paulista pra andar de bike”
Morando em um extremo da cidade, nunca pensamos em vir até aqui pra andar de bike. Mas fico feliz com a frase. Sua autora, Steph, tem só 17 anos e sente que alguma parte da cidade em que ela mora é essencial pra sua sensação de liberdade.
Foto: Alexandre Ribeiro
Poucas pessoas notaram que a exposição começava antes da vidraça, com o carrinho do Renato, incluindo “euzinho”. Agradeço à Nayra pela visão e por me lembrar de quebrantar esse local de onde pode-ou-não-fazer-arte ou de quem-é-ou-não-artista. Quem dita isso? Eu não quero ser ditador.
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Foto: Eduardo Ortega
De dentro do espaço é que os primeiros retratos da Avenida Paulista, em preto e branco, me doem, por ela parecer apenas travessia de corpos rumo ao trabalho. Um contraste com o calor que senti das pessoas lá fora. Paredes brancas, intocáveis, que não conectam nem contam nada a ninguém, como fundo de fileiras de carros engarrafados. Distâncias que constroem impossibilidades. E que nos fazem querer a segurança do privado, pra destruir a liberdade. Um desperdício de espaço. Um desperdício de tempo de vida, diria. Retrato de um tempo que não nos cabe, e ao qual não podemos voltar mais. Talvez alguns artistas tenham sentido isso também.
Foto: Alexandre Ribeiro
Os quadros pintados em cores vibrantes, como os do artista Ibã Huni Kuin… Os que retratam acontecimentos políticos, esses são meus favoritos. Eles nos lembram que cidade linda MESMO é aquela que pulsa vida, e é pensada como território também de luta e lazer, com espaço pra que mais vozes e narrativas sejam contadas e vistas, em um dos pontos em que a desigualdade grita e dói. Saímos de lá inspirados a não temer vivenciar a cidade que os nossos ajudam a erguer.