IV. Alumbramento

Entre canções, folias e bois

ilustração: Fernando Vilela

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Amadurecimento do Corpo

Helena Katz é crítica de dança e professora. Artigos sobre a dança nacional em geral podem ser lidos em seu site: www.helenakatz.pro.br.

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um lugar tentando se ler

Siba é músico. Foi parte do Mestre Ambrósio, grupo pioneiro do movimento manguebeat. Conheça seus projetos atuais, como Siba e a Fuloresta, no site: http://www.mundosiba.com.br/

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Arrebatamento

Dramaturgo, poeta, romancista e um dos fundadores do Movimento Armorial, Ariano Suassuna foi uma das grandes influências de Antonio Nóbrega.

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Terceira via musical

Up until then my artistic universe was centered on the classical or erudite music I was studying at the Beaux Arts School (Escola de Belas Artes—violin and theory of music) and the music I would listen to on the radio or on TV, such as the Jovem Guarda movement or the Record song festivals. That was when Ariano Suassuna saw me play Bach’s E minor concerto at a recital in the church in Recife. That was what led him to invite me to join the QUINTETO ARMORIAL. He invited me to play the violin in the group, both the classical violin and the folk version known as a rabeca or fiddle in the countryside of Brazil. After Ariano’s invitation I began to be aware of a kind of musical third way that I had never before realized had existed. In other words, from that moment on, I began to concern myself more and more with so-called folk culture.”


Antonio Nóbrega

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Referência

photo: reproduction

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Dedicatória

Ariano Suassuna wrote a dedication to Antonio Nóbrega | photo : reproduction

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Definição

Page from “O Movimento Armorial”, by Ariano Suassuna | photo: reproduction

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O mistério dos bois

Comecei a entrar em contato com o universo da cultura popular pelas obras musicais que me eram apresentadas logo nos primeiros ensaios na casa de Suassuna. Na medida em que essas novidades chegavam, eu tentava descobrir de onde provinha tudo aquilo. E acabei batendo com o Bumba Meu Boi.

O Boi Misterioso de Afogados era praticamente o único do Recife. Afogados é uma região da periferia onde, em geral, aconteciam essas manifestações. Descobri o Capitão Antônio Pereira − cuja patente vem  do Capitão Boca Mole, figura que representava no festejo. Aos 18, passei a acompanhar suas  apresentações, realizadas na Casa da Cultura, no período do Natal até o Dia de Reis.

Fui tomando intimidade com o mestre Antônio Pereira, almoçava na casa dele, fazia anotações e tudo ia fluindo. E então a figura do MATEUS − outro personagem do Boi − começou a me seduzir com micagens, trejeitos, pequenos passos, caretas e chistes, que eu passei a tentar reproduzir. Mateus está presente em quase todo teatro popular brasileiro e tem no cômico corporal a base de seu jogo de atuação. Eu o vi pela primeira vez como Mateus Guariba − alcunha dada por causa das acrobacias que lembravam os movimentos de um macaco. Mateus é um nome genérico. Não tem o palhaço Arrelia? Tem o Mateus Guariba, o Mateus Cravo da Noite, o Mateus Fulô do Dia. E no começo eu me chamava Mateus Tonheta. Depois comecei a aprender, também por imitação, o jogo das outras figuras dramáticas do Boi de Antônio Pereira, como as danças da Burrinha, do Morto Carregando o Vivo, do Valentão, do Babau e assim por diante. Assimilei os movimentos até decidir fazer meu próprio Bumba Meu Boi.

Criei o BOI DA BOA HORA e o BOI CASTANHO DO REINO DO MEIO-DIA, com os quais me apresentei em ruas e praças do Recife no Carnaval e no Natal. Esses Bois só existiam por causa da minha vontade. Ninguém estava muito impregnado e eu é que gerava e geria uma necessidade que, até aquela altura, não tinha consciência de para onde me levaria. Aproveitava as ocasiões para treinar o Mateus, que me interessava profissional e artisticamente. Para as outras pessoas era coisa passageira; para mim, uma necessidade vital.

O Boi da Boa Hora foi criado quando eu fazia cursinho pré-vestibular. Na minha turma, havia um grupo de pessoas com um pensamento mais de esquerda. Hoje esse tipo de postura está mais dissolvido, mas naquela época a gente vivia em meio à ditadura militar. Eram pessoas da minha idade que tinham uma visão mais aguda da coisa e com as quais eu me encontrava muito, por isso as convidei para fazer parte do Boi, apesar da ausência de ideologia dessa manifestação popular. Por outro lado, eu integrava o Quinteto Armorial, que era aparentemente despolitizado. A própria palavra “armorial” é sinônimo de “heráldica” [arte ou ciência que estuda a origem, a evolução e o significado dos emblemas, assim como a descrição e a criação de brasões]. Comecei a conciliar minha visão de mundo com a visão artística que não tinha esse input político. O movimento armorial é amplo, no sentido das artes, da recriação do universo popular por meio da assimilação de elementos da arte erudita, da procura de um casamento entre essas duas esferas culturais.

Ariano Suassuna queria um grupo que trouxesse o universo popular para o palco e convidou o Boi da Boa Hora para participar de um bailado. Meus amigos do Boi achavam que eu era reacionário por estar no movimento armorial – sempre malvisto e mal compreendido. Então o pessoal fez uma assembleia e decidiu não participar. Eu disse que não concordava e pedi para sair do Boi da Boa Hora. “Quem quiser ir comigo vai”, eu disse. E o povo rachou: metade foi e outra ficou. Pedi apenas que me dessem o desenho do Boi da Boa Hora para eu guardar de recordação.

Foi então que decidi fundar outro Boi: o Boi Castanho do Reino do Meio-Dia, em outro bairro. Essa palavra foi retirada da Pedra do Reino [Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e- Volta, de Ariano Suassuna], e “meio-dia” é uma antiga denominação dada aos povos do Hemisfério Sul, abaixo da linha do Equador. O grupo durou uns dois anos, até acabar naturalmente.

A primeira experiência com o Mateus Tonheta em palco foi com Bandeira do Divino (1976), uma releitura dessas folias caminheiras que chegam às casas pedindo permissão para comemorar o nascimento de Jesus e a chegada dos Reis Magos. Só que no meu espetáculo o dono da casa não dava essa permissão, então, eu criava uma série de situações com o Mateus até que a folia fosse acolhida.

Texto elaborado a partir de entrevista com o artista e textos enviados por ele.

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Mateus Tonheta

imagem: acervo Antonio Nóbrega

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Boi da Boa Hora

Reprodução da ilustração do Boi da Boa Hora que Nóbrega guardou de recordação. Autor desconhecido. | imagem: reprodução

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Mateus Tonheta (1)

imagem: acervo Antonio Nóbrega

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Brincantes

Mané Pequenino, Caipora e Ema | imagem: acervo Antonio Nóbrega

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A história

Antonio Nóbrega fala sobre seu interesse pela cultura popular e o que o levou a trilhar esse caminho, sobre sua formação musical, sobre os grupos Irmãos Almeida e Quinteto Armorial e sobre o Mateus Tonheta.

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Boi da Boa Hora

imagem: acervo Antonio Nóbrega

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Boi da Boa Hora (1)

imagem: acervo Antonio Nóbrega

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Outra linha de tempo cultural

Durante toda a década de 1970 hibernei completamente dentro do universo cultural popular brasileiro ou, como prefiro dizer agora, dentro de uma linha de tempo cultural que, até então, me era completamente desconhecida. Com isso quero dizer que esse período da minha vida, excluindo as apresentações com o quinteto, foi tomado quase que integralmente por acompanhar ensaios de bois, maracatus, treinos de caboclinhos, apresentações de bandas de pífanos e cantadores, aulas de frevo e capoeira,viagens pelo interior de Pernambuco, Ceará, Alagoas, para conhecer artistas e manifestações cênicas populares etc. Atualmente, quanto mais estudo essa linha de tempo cultural popular, mais percebo que ela é um dos mais ricos reservatórios daquilo que poderíamos chamar de nosso inconsciente coletivo. Concluindo, aquele foi um período da minha vida a que eu poderia chamar de mágico, embora também de solidão. Mas a vida não é assim?  Se ganha um pouco por aqui, se perde um tanto acolá.

Antonio Nóbrega

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Boi Castanho do Reino do Meio-Dia

imagem: acervo Antonio Nóbrega

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Na rua

Trecho do DVD “Lunário Perpétuo”, direção Walter Carvalho

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Aprendedor

O Quinteto Armorial era constituído de violão, viola nordestina, flauta, marimbau e violino. Antonio Madureira era tanto o coordenador do grupo quanto o seu compositor mais destacado. A minha entrada nesse grupo abriu-me as portas para o conhecimento de outro universo cultural. As músicas que tocávamos – tanto as de Madureira, como de outros compositores que também compunham para o conjunto, como Capiba, Jarbas Maciel e outros – se inseriam dentro de uma linhagem musical diferente daquelas que até então eu conhecera. Dentro dessa linhagem estavam as músicas das bandas de pífanos, dos tocadores de viola, dos maracatus, dos reisados e bumba-meu-bois etc. Um universo cultural que me era, até então, inteiramente desconhecido e cujo repentino contato trazia um enorme impacto sobre mim. Foi da intensidade desse IMPACTO que surgiu o interesse e a motivação de procurar conhecê-lo e estudá-lo em sua totalidade. Foi assim que me vi como um FRANCO APRENDEDOR das manifestações populares que tivessem música, dança, poesia e representação teatral. Esse processo se iniciou dentro de mim a partir do início da década de 1970 e a rigor ainda continua se desenvolvendo. Acho que em relação à interpretação da cultura popular brasileira, posso dizer que sou eu mesmo uma espécie de ‘trabalhador em continuidade’, aportuguesando, brincando com a expressão Joyceana ‘work in progress’. Na época eu lia muito Jung e gostava de dizer, também, que esse estudo e aprendizado que fazia era uma espécie de ‘iniciação aos mistérios do povo brasileiro’.

Antonio Nóbrega

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Instrumentos

ilustração: Fernando Vilela

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Ariano

Ariano Suassuna continua sendo – para mim – aquela pessoa cujo comprometimento em defender os valores de uma cultura ameaçada de mostrar toda a sua inteireza e verdade é absoluto. Ariano tem papel fundamental no meu interesse em procurar entender os valores, os conteúdos, as singularidades e, sobretudo, o papel desta cultura dentro da sociedade ocidental globalizada em que vivemos. ELE TEM UM PAPEL SIGNIFICATIVO EM RELAÇÃO À MINHA ATITUDE E DECISÃO EM APROFUNDAR O MEU CONHECIMENTO NESTE UNIVERSO CULTURAL, ALÉM DOS LIMITES DO ARTISTA.

É por isso que tenho incorporado às práticas artísticas diárias a leitura de obras que não só ampliam meu conhecimento sobre o Brasil, mas também vêm me fornecendo pistas necessárias para o entendimento e a interpretação da formação dessa outra linha do tempo cultural popular que chamo de “Mátria”. À medida que me aprofundo neste estudo – lendo historiadores, teóricos e intérpretes do Brasil como Gilberto Freire, Mário de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, José Miguel Wisnik, Roberto da Mata, entre tanto outros – vai se firmando uma compreensão mais profunda deste universo. O mesmo arrebatamento do artista toma o meio intelectual.

Antonio Nóbrega

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choque de civilizações dentro de si mesmo

Siba é músico. Foi parte do Mestre Ambrósio, grupo pioneiro do movimento manguebeat. Conheça seus projetos atuais, como Siba e a Fuloresta, no site: http://www.mundosiba.com.br/