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Artacho desenhista

Num período em que a indústria pregava a padronização de elementos na construção civil, os projetos de Artacho propunham uma junção entre o industrial e o artesanal. O arquiteto desenhava muitos dos detalhes de seus projetos: lustres, cobogós, janelas, escadas, rampas e gradis, dando uma personalidade particular para cada edifício. Com isso, mesmo que os prédios dialogassem entre si, Artacho parecia querer que o público se surpreendesse a cada novo empreendimento. Não se sabe o que vinha antes: o desejo de vender ou o de desenhar.

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Placa no Edifício Cinderela | foto: Tuca Vieira

Seção de vídeo

Atenção aos detalhes

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“[Artacho Jurado] produziu uma coisa muito viva, uma coisa colorida, uma alegria de viver e acho isso importante”

Diva Artacho Jurado, filha

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Terraço do Edifício Planalto | foto: Tuca Vieira

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Artacho sem culpa

por Tuca Vieira

Artacho Jurado é um arquiteto que entende de imagem. Mais ainda, demonstra compreender a própria fotografia, com suas possibilidades e seu poder de sedução. Alguns dos espaços que criou parecem especialmente concebidos para a câmera fotográfica, num gesto de controle da imagem que impõe um desafio para quem quiser retratar sua obra de forma autoral ou crítica.

Ou seja, a rigor, não é difícil produzir belas imagens dos edifícios que desenhou mas, em quase todos os casos, o mérito será sempre dele. Basta ver a presença desses espaços nas publicações, nos cartões-postais, nos anúncios, na publicidade e, mais recentemente, nas redes sociais. As pastilhas coloridas, as escadas em curva, as rampas, as marquises e os elementos vazados parecem feitos sobre medida para nossa era “instagramável”, compondo o fundo perfeito para selfies infinitas.

Por isso, e também porque seus apartamentos são extremamente desejados, Artacho Jurado é um caso típico de fracasso de crítica e sucesso de público. Se no meio acadêmico, sobretudo entre os defensores do celebrado modernismo brasileiro, a obra de Artacho Jurado é menosprezada pelo seu apelo comercial, a população da cidade reconhece nela uma originalidade rara entre modernos. A prova disso é que seus edifícios figuram cada vez com mais destaque no próprio imaginário da cidade de São Paulo. E convenhamos que, numa cidade com milhares de edificações de todo tipo, isso não é pouco.

Há, portanto, um aspecto contemporâneo dessa obra que não é totalmente reconhecido. O modernismo inicial foi caracterizado pelas formas puras, pelas estruturas de concreto que projetavam sombras profundas, transformando os volumes e os espaços vazios em formas geométricas elegantes. É o cenário ideal para a fotografia em preto e branco, explorado por grandes fotógrafos de arquitetura durante o século XX.

Artacho, no entanto, aponta para este novo mundo saturado de cores e estímulos. Seu trabalho se desenvolveu num momento em que a fotografia colorida se popularizava e pode ser entendido através do desenvolvimento das técnicas de reprodução de imagem. Naquele momento, a fotografia em preto e branco mantinha uma aura “artística”, exaltando uma certa subjetividade, enquanto a fotografia em cores era considerada mais comercial, realista demais. Na arquitetura aconteceu algo semelhante.

Hoje, podemos fotografar e apreciar um Artacho Jurado sem culpa. Seus edifícios são um oásis de alegria e invenção em meio a um deserto de cinza e prédios genéricos. Ele prova que, mesmo comprometido com o mercado imobiliário, é possível criar uma cidade mais bonita e mais divertida, que acaba sendo também mais humana.

Para mim, foi um grande prazer revisitar o Louvre, o Piauí, o Parque das Hortênsias, o Cinderela e o Planalto. São edifícios que fazem parte de minha trajetória profissional, mas sobretudo de minha vivência como cidadão paulistano, acostumado a entender esses prédios como parte da paisagem da cidade. Eu mesmo morei num edifício projetado por ele, mas que foi finalizado por outros arquitetos. De fora, não se percebem muito bem os traços do Artacho, justamente porque faltou ao edifício o acabamento tão característico. Mas estão lá os espaços generosos, as áreas de lazer, a proposta de uso misto. Pude perceber com clareza que mesmo um “meio Artacho” é mais interessante do que quase tudo em volta. Sorte a nossa termos tantos edifícios projetados por ele, todos a uma pequena caminhada um do outro.

 

Tuca Vieira é doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lyon. É professor colaborador na Escola da Cidade e fotógrafo profissional desde 1991, tendo trabalhado no jornal Folha de S. Paulo, entre outros veículos. É autor dos livros Atlas Fotográfico da cidade de São Paulo (2021), vencedor dos prêmios Jabuti e APCA, e Salto no Escuro (2020). Participou de exposições no Brasil e no exterior e possui obras em coleções públicas e privadas. Atualmente realiza projetos sobre paisagem, arquitetura e urbanismo, e desenvolve a série Hipercidades, acerca das grandes metrópoles do século XXI.

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“Hoje, podemos fotografar e apreciar um Artacho Jurado sem culpa. Seus edifícios são um oásis de alegria e invenção em meio a um deserto de cinza e prédios genéricos”

Tuca Vieira

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A gramática construtiva de Artacho Jurado

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