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Um arquiteto em construção

Maquete da Feira Nacional de Indústrias de São Paulo, s.d. | foto: autoria desconhecida/acervo família Jurado

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Feiras industriais e tipografias

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Um arquiteto em construção

por Caio Meirelles Aguiar

Os edifícios projetados e construídos por Artacho Jurado entre as décadas de 1950 e 1960 se tornaram marcos não só estéticos mas, também, referência para um novo modo de pensar o mercado imobiliário que moldaria a paisagem urbana de São Paulo ao longo do século XX. Para demonstrar esse processo, procuramos enfatizar a importância do período inicial da carreira de Artacho, momento em que ele pôde inserir-se no mercado e desenvolver o olhar apurado que eventualmente o levaria a abrir empresas e coordenar grandes projetos. Esse texto procura demonstrar como cada novo passo da trajetória de Artacho pode ser visto como uma ampliação de escopo – e visão – mercadológica: de estandes e produtos caseiros para feiras de negócios, passando depois para casas, imobiliárias e chegando, finalmente, à construção de grandes edifícios, a evolução do empreendedor Artacho Jurado foi tão gradual quanto a escala física de seus projetos.

Após residir por dois anos no Rio de Janeiro (onde trabalha como letrista para cartazes publicitários) Artacho retorna a São Paulo e, em 1934, abre uma empresa de luminosos a gás neon – naquele momento o mais popular recurso utilizado pelas mais diversas lojas, restaurantes e estabelecimentos para chamar a atenção de fregueses para seus serviços. É interessante aproximar esse empreendimento, tão ligado a um imaginário urbano e boêmio, a alguns dos gostos pessoais de Artacho – apontado por sua família como um notório fanático por óperas, concertos e música em geral. De certa maneira, o arquiteto encontra no fazer técnico – talvez influenciado pela marcenaria do pai – um meio para se aproximar da construção de desejos. Uma construção, diga-se de passagem, colorida, bem humorada e luminosa, que afirma um certo estilo de vida moderno ao mesmo tempo que convida o público a participar.

O contato de Artacho Jurado com empresários e industriais paulistas rapidamente o leva a se tornar organizador chefe da Exposição do Centenário de Santos e também da Feira do Bicentenário de Campinas, eventos que se tornam uma excelente vitrine para que, além da habilidade técnica, a capacidade empreendedora de Artacho se torne respeitada e visada por todo o setor empresarial da época. Em 1940, o arquiteto vence o concurso para se tornar o Diretor Geral da Feira das Indústrias do Estado de São Paulo, evento realizado no terreno do Parque Antártica, espaço — não por acaso — vizinho às Indústrias Matarazzo. Entre 1940 e 1944, cinco edições da feira são realizadas e, além de projetar diversos pavilhões e estandes para que as mais diversas empresas pudessem anunciar os últimos produtos para o lar moderno, Artacho não deixa de lado o aspecto do lazer. Todas as feiras organizadas por ele sempre vêm acompanhadas de montanha russa, roda-gigante, circo, espaço para concertos, fontes luminosas e outras atrações que mantém as famílias visitantes — e seu consumo — intrinsecamente conectadas às ideias de prazer e diversão.

Ao longo dos anos em que organizou a Feira das Indústrias, Artacho Jurado começa a voltar sua atenção para o mercado imobiliário. Em 1946, após o estabelecimento da Lei do Inquilinato, que passa a estimular a oferta de unidades para venda (ao invés de aluguel, modelo que então predominava), Artacho funda junto com o irmão, Aurélio Jurado Artacho, a Construtora Anhanguera Ltda. Até o início da década de 1950 eles teriam construído com sucesso prédios de pequeno e médio porte nas regiões da Lapa, República, Pacaembu e Higienópolis em São Paulo, sendo um deles o Edifício Piauí, projeto que deu ao arquiteto confiança para elevar sua carreira a novas alturas.

Finalmente, o retorno financeiro e prestígio alcançados com esses projetos iniciais levam o arquiteto a fundar, em 1951, a Monções Construtora e Imobiliária S/A, empresa que lançaria o arquiteto à fama ainda maior e atuaria como veículo para a incorporação de projetos ainda mais ambiciosos. A partir desse momento, o público alvo de Artacho definitivamente deixa de ser composto por empresários e industriais e passa a abranger uma ascendente classe média, grupo que passa a possuir os recursos necessários para adquirir imóveis e, também, tem desejos de consumo atrelados a certas experiências e estilos de vida. Não à toa, as casas projetadas e vendidas como parte do empreendimento “Cidades Monções”, o primeiro realizado pela nova construtora, já vinham acompanhadas de linha telefônica e carro Ford: o pacote completo para a vida moderna na cidade.

Entre 1950 e 1965, Artacho Jurado torna-se um dos principais empreendedores a expandir o boom imobiliário que agita São Paulo. Nesse período são construídos seus mais famosos edifícios, entre eles o Planalto, Viadutos, Cinderela, Parque das Hortênsias, Bretagne e Louvre, todos em São Paulo, assim como o Parque Verde Mar e Enseada em Santos, no litoral paulista. Para além da fama e da beleza arquitetônica apresentadas nesses projetos, é importante perceber como os espaços de lazer existentes na maioria deles (piscinas, salões de baile, música e até mesmo bares) não apenas saciam a sede dos moradores por um estilo de vida que vai além da casa-própria mas também são fruto de um empresário cuja visão de mercado e sensibilidade estética foi se desenvolvendo aos poucos, passo a passo, como tijolos que, de cômodo em cômodo, edificam uma casa sólida.

 

Caio Meirelles Aguiar é arquiteto e museólogo. Desenvolve pesquisas e projetos que visam construir narrativas e ações para extroversão de acervos artísticos e documentais. Faz parte do núcleo de Informação e Difusão Digital do Itaú Cultural e participou da equipe de pesquisa responsável pela Ocupação Artacho Jurado.

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“Ele criou o bairro Cidade Monções, que depois vai dar o nome da própria construtora dele. É um bairro que existe até hoje, na região do Brooklin Novo, zona sul de São Paulo, e ele foi muito inovador, porque era aquela casa bem estilo americano, dos anos 1950. A casa já vinha com telefone – que era algo muito difícil de se conseguir naquela época – e automóvel”

Guilherme Giufrida, curador

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