por Alice Viveiros de Castro
Benjamim foi um palhaço. Alguém que fazia a plateia rir com um monte de bobagens. Afinal, é isto o que faz um palhaço: um monte de bobagens e tolices. Por que homenagear um fazedor de bobagens? Porque ele é tão importante que em todas as épocas e em todos os lugares do mundo sempre existiu um palhaço. Um palhaço vestido de um jeito diferente, fazendo outro tipo de bobagem, sendo respeitado ou tratado como um simples imbecil, mas não há tribo, grupo, país em que não exista um palhaço.
E assim é até hoje e assim será para sempre. Porque nós, humanos, precisamos rir. Rir é muito importante. É rindo que a gente desfaz tensões, que a gente aprende coisas sobre nós mesmos de forma leve e sutil. Rir junto é a melhor coisa do mundo.
Imagino que o primeiro palhaço tenha surgido numa noite qualquer em uma indefinida caverna enquanto nossos antepassados terminavam um lauto banquete junto ao fogo. Em volta da fogueira, numa roda de companheiros, jogavam conversa fora. Comentavam a caçada que agora era jantar e falavam das artimanhas usadas, dos truques e da valentia de cada um. É quando um deles começa a imitar os amigos e exagera na atitude do valentão que se faz grande, temerário e risível na sua ânsia de sobrepujar a todos. E logo passa a representar as momices do covarde, seus cuidados para se esquivar do combate, sempre exagerando os gestos, abusando das caretas, apontando tão absurdamente as intenções por trás de cada ação e o ridículo delas que o riso se instala naquela assembleia de trogloditas.
E todos descobrem o prazer de rir entre companheiros, de rir de si mesmo ao rir dos outros…
Quanta saudade deixou
Benjamim era um palhaço. Um menino que nasceu em Pará de Minas (MG) em 1870. Negro, nasceu forro, como todos os seus irmãos. Um “presente” por sua mãe ser uma escrava de “estimação”. Vendia doces e cocadas e ficou fascinado pelo circo! Aquele lugar mágico que rodava o mundo cheio de gente que fazia coisas que a gente nem podia imaginar. Saltavam e voavam, e ainda tinha o palhaço, que fazia rir toda a arquibancada. Tão encantado ficou o menino Benjamim que fugiu com o circo.
Tinha 12 anos e não sabia fazer nada, mas no circo sempre há trabalho, e pouco a pouco ele foi aprendendo a saltar, andar na corda, balançar no trapézio e nas argolas. Era o Circo Sotero, e lá foi começando a ser artista.
Fugiu do circo. O dono tinha ciúmes daquele rapaz bonito que a cada dia ficava mais esperto. Fugiu de um grupo de ciganos que queria trocá-lo por um cavalo. E, como não conseguiu fugir de um grupo que queria prendê-lo como um escravo fugido, deu jeito usando sua arte. Fez todas as acrobacias que sabia e conseguiu provar que era um artista!
Saiu rodando por Minas Gerais e São Paulo, indo de um circo a outro, até que um dia – trabalhando no circo de Albano Pereira – seu destino mudou. O palhaço estava doente e… ele mesmo contou a história:
“Eu estava do lado comendo no meu prato de folha – como negro não me sentava na mesa com os outros – quando o Albano exclamou – Já sei! O moleque Benjamim vai fazer o palhaço! Tremi…” (ABREU, Brício de. Esses populares tão desconhecidos. 1963).
Benjamim ficou nervoso, e com razão. Fazer rir não é coisa fácil, é preciso ser muito inteligente, perceber se o público está gostando e improvisar muito. A verdade é que Benjamim demorou um pouco a ser um bom palhaço; como muitos outros, teve que aprender fazendo. Pouco a pouco foi pegando o jeito e se tornando um palhaço conhecido e valorizado.
Seu sonho era se apresentar na então capital federal, o Rio de Janeiro. E conseguiu. Chegou ao Rio já um palhaço de renome.
Benjamim pintava o rosto de branco, contava suas piadas, brincava com o público e tocava e cantava ao som do violão. Essa é uma característica do palhaço brasileiro, cantar modinhas engraçadas e também sentimentais. O palhaço brasileiro, além de tudo, era cantor e compositor. Benjamim gravou discos! Foi um dos pioneiros, junto com os também palhaços Dudu das Neves e Bahiano.
Um dos seus maiores sucessos no picadeiro era “Crioulo faceiro”, música composta por Dudu das Neves especialmente para ele:
“Eu sou crioulo faceiro,
Eu sou brejeiro, na multidão
Cada conquista é um tesouro
Um choro no violão”.
A música continuava com os célebres improvisos de Benjamim. Mas o final era o mesmo, cantado também pelo público:
“Quanta saudade!
Amor sem fim,
Nesta cidade
Vai deixar o Benjamim”.
Aplausos e gritos de alegria
Benjamim era um sucesso, mas tinha um grande sonho a realizar: queria fazer teatro no circo! No início ninguém achava uma boa ideia. Circo na primeira parte e teatro na segunda. Benjamim aproveitou um momento em que o circo passava por dificuldades financeiras. Já tinha um texto escrito, O diabo e o Chico. Foi um sucesso!
Benjamim ousou alto. O primeiro espetáculo estreou em 1904, e daí para a frente as montagens teatrais se sucederam e foram bem recebidas pelo público e pela crítica. Foi assim que circos de todo o Brasil começaram a ter na segunda parte um espetáculo de teatro. Cada dia uma peça diferente ajudava a temporada a ser mais longa. Por melhores que fossem os artistas circenses, o público da maioria das cidades queria novidades. Muitas peças ficaram conhecidas e aguardadas com ansiedade. Comédias, dramas e histórias de amor como O céu uniu dois corações e Honrarás tua mãe levavam ao circo todo tipo de público.
O circo tem esta capacidade: todo mundo vai a ele. Vão o vovô e o netinho; o casal de namorados; as famílias levando as crianças; o professor; o médico; o limpador de janelas; o pedreiro; o comerciante; e até o desempregado, que sempre dá um jeito de guardar um dinheirinho para subir na arquibancada.
No circo as pessoas podem vestir-se normalmente. Ninguém acha estranho sentar-se ao lado de alguém usando sandálias de dedo. Ninguém precisa de estudo, pode ser doutor ou analfabeto, todos vão rir do mesmo jeito e ficar assustados com a possibilidade de a moça bonita cair do trapézio.
No circo a gente bate com o pé no chão quando gosta muito, aplaude e grita feliz.
Acho que é por isso que o palhaço é tão importante. Ele é quem comanda o riso. As bobagens que ele faz, a torta na cara, os tropeções, a roupa tão estranha, a quantidade de coisas que ele quebra e tenta esconder… Toda a estupidez e bobice tocam dentro da gente e nós rimos. Rimos porque nos também somos bobos, falamos bobagem e tropeçamos na vida.
Vendo o palhaço, a gente se reconhece mesmo que sem se aperceber e vai se dando conta de que a vida não precisa ser tão séria. Levar um tombo é só isso, um tombo. Por isso os palhaços cantam:
“Tombei, tombei, tornei tombar
A brincadeira já vai começar!”.
Alice Viveiros de Castro é pesquisadora e autora do livro O elogio da bobagem – palhaços no Brasil e no mundo.