Serrinha – reduto do jongo
Herança dos bantos de Angola, o ritmo e a dança ancestrais do samba sobrevivem no Morro da Serrinha, em Madureira
No Morro da Serrinha, no bairro de Madureira, no Rio de Janeiro, conviviam várias manifestações culturais. O jongo era uma delas. A palavra, oriunda do quimbundo, língua dos negros bantos de Angola, chegou ao Brasil com os escravos dessa etnia que, na sua maioria, foram para a região centro-sul do país.
Ritmo e dança produzidos nas senzalas, avô do samba, é tocado em compasso binário, executado numa variação de 6/8, em três tambores: o caxambu (grave), o candongueiro (médio) e o angona ou angoma puíta (agudo).
É dançado por casais que se umbigam a certa distância enquanto os outros batem palmas, em uma roda desenvolvida no sentido anti-horário. Dessa forma, acreditavam que regrediam no tempo, indo ao encontro dos seus ancestrais (hoje, almas).
O jongo é cantado em versos curtos e improvisado, sem obrigação da rima. Antes da dança, é necessário benzer-se nos tambores em sinal de respeito. Essa expressão cultural é o que diferencia a Serrinha das outras comunidades do Rio de Janeiro. Vovó Teresa, mãe do grande Mestre Fuleiro e tia de Dona Ivone Lara, Vovó Marta, Vovó Maria Joana, mãe de santo, rezadeira e mãe do Mestre Darcy do Jongo, Vovó Líbia, Seu Nascimento, Mano Elói, um dos fundadores da escola de samba Império Serrano, Seu Pedro, Seu Gabriel da Congonha e outros foram os principais percursores desse legado.
Coisas do jongo
Eu faço parte da quarta geração de jongueiros da Serrinha. Aprendi na Império do Futuro, primeira escola de samba mirim do Carnaval. Quando cheguei à roda, estavam os três tambores para eu escolher. Por algum motivo que desconheço, fui direto no candongueiro, na minha opinião um dos mais difíceis para uma criança de 10 anos. Mais tarde, soube que meu avô Cosmelino Simplício era um dos maiores tocadores de candongueiro da Serrinha – coisas do jongo.
O jongo na Serrinha misturou várias gerações, em 1993, numa temporada no teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. No mesmo grupo estavam integrantes da segunda geração – Mestre Darcy, Mestre Fuleiro, Dona Djanira, Dona Eva, também filha de Vovó Maria Joana e irmã do Mestre Darcy, e Dona Eunice, esposa do Mestre Darcy – e da terceira geração, Deli, Lazir e Luiza. Essas três, ao lado da Tia Maria, são as pessoas que seguram o jongo na Serrinha até os dias de hoje com oficinas, shows e outros eventos. Eu, ainda criança, representando a quarta geração de jongueiros, tive o prazer de fazer parte desse grupo tocando cavaquinho.
O Mestre Darcy sempre dizia que o jongo é um movimento de resistência cultural. Ele estava certíssimo. Mesmo hoje, com a cena musical bem diferente do que era no seu tempo, o jongo resiste pela força da cultura daquele lugar chamado Morro da Serrinha.
Pretinho da Serrinha nasceu no Morro da Serrinha, Ângelo Vítor Simplício da Silva. Aos 36 anos, é um nome do samba nacional.
Multi-instrumentista, foi mestre de bateria da escola Império Serrano aos 10 anos e trabalhou com diversos artistas da cena contemporânea.
(Texto com colaboração de Priminho, Waldemir dos Santos Lino, de 58 anos, também do Morro da Serrinha, um dos fundadores da Império do Futuro e advogado.)
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O jongo
Tia Maria do Jongo é a jongueira mais antiga do Jongo da Serrinha. Nascida e criada na comunidade da Serrinha, também foi uma das fundadoras do Império Serrano.
Dyonne Boy é coordenadora-executiva da ONG Grupo Cultural Jongo da Serrinha, fundada por ela em 2000. Também é atriz, bailarina, artista plástica e jornalista. Em 2006, concluiu o mestrado em projetos sociais e bens culturais na Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV/RJ) e realizou a exposição Jongo 1759-2006, em parceria com o Sesc.
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Jongo da Serrinha
Os integrantes do grupo Jongo da Serrinha falam sobre o que é o jongo e cantam “Tava ‘Durumindo’ ” e “Vida ao Jongo”, de Lazir Sinval. Apresentação e entrevista gravadas dentro do programa Rumos Música 2007-2009, em abril de 2008, no Itaú Cultural, em São Paulo (SP).
Império Serrano e “Os Cinco Bailes da História do Rio”
Foi no Império Serrano, escola dissidente da Prazer da Serrinha e fundada em 1947, que Dona Ivone Lara inscreveu o seu nome para sempre na história do samba.
Em 1965, ela se tornou a primeira mulher a integrar a ala de compositores, levando para a avenida o samba-enredo “Os Cinco Bailes da História do Rio”, feito em parceria com Bacalhau e Silas de Oliveira. A partir de 1968, ela integrou a ala das Baianas, onde desfilou por muitos anos.
A grande homenagem a essa dama imperiana veio em 2012, quando o Império Serrano desfilou com o enredo “Dona Ivone Lara: o Enredo do Meu Samba”. O samba foi composto por Arlindo Cruz, Tico do Império e Arlindo Neto. Assinado pelo carnavalesco Mauro Quintaes, o desfile ficou em segundo lugar do grupo de acesso.
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Tia Maria do Jongo canta “Os Cinco Bailes da História do Rio”
Tia Maria do Jongo é a jongueira mais antiga do Jongo da Serrinha. Nascida e criada na comunidade da Serrinha, também foi uma das fundadoras do Império Serrano.
Samba em casa
Vestido
Dona Ivone: o Enredo do Meu Samba
Arlindo Cruz/Tico do Império/Arlindo Neto
Serra dos anos dourados da nossa história
Desperta e vem cantar feliz
O jongo e o samba de raiz
No enredo desse carnaval
Que não é sonho meu pois ela é real
Ivone Lara Ia
Quero ver quem não vai se embalar
No encanto do Tiê Oia Lá Oxá
Desfilando em verde e branco
E a sinfônica demonstra o seu amor
Batendo forte no balanço do agogô
A rainha da casa, mãe esposa de fé
Diz que o dom de compor é coisa de mulher
Com o mestre venceu o desafio ôôô
Nos cinco bailes da história do meu Rio
Dona Dama Diva…
Estrela do samba de luz radiante
Show no opinião
Parceira de bambas carreira brilhante
Com a liberdade num lindo alvorecer
Sonha nossa terna mãe baiana
Seu sorriso negro não dá pra esquecer
E hoje nosso Império aclama
Dona Ivone
Lara Ia Laia
Lara Laia
Lara Laia