Da pedra que canta

O topônimo “Itamaracá” vem do tupi ita-maracá, que significa “pedra que canta” ou “pedra sonante”. O termo designa um objeto indígena como um chocalho feito de pedrinhas: ita (pedra) e maracá (chocalho). Em Pernambuco, o local que recebeu esse nome é o berço da ciranda – uma das danças mais conhecidas no mundo todo, criada pelas esposas dos pescadores enquanto esperavam os seus maridos regressarem da pescaria – e é também a casa de Lia. Nesta seção, apresentamos a ilha, com vídeos e fotos, além de textos de Alexsandra Luiz Pantaleão Câmara, historiadora do Instituto Histórico e Geográfico da Ilha de Itamaracá (IHGII).

imagem: Tatiana Altberg

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“Quem conhece a Ilha de Itamaracá?
Nas noites de Lua, prateando o mar
Eu me chamo Lia e vivo por lá“

(Versos de “Eu sou Lia”)

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imagem: André Seiti

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Cirandando à beira do mar

A Ilha de Itamaracá é uma das 13 ilhas existentes no estado de Pernambuco. Localizada no litoral norte do estado, fica a aproximadamente 45 quilômetros da capital e faz parte da Região Metropolitana do Recife (RMR). O acesso é feito pela Ponte Presidente Getúlio Vargas, único acesso viário à região, construída em 1939 (antes, a travessia era feita por barcos de um município a outro e, dentro da ilha, a locomoção era feita por meio de cavalos e meios de transporte de tração animal).

De acordo com o Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia 21.884 pessoas na ilha, com uma densidade demográfica de 328,17 habitantes por quilômetro quadrado. Em 2021, essa população estava estimada em 27.076 pessoas, um aumento significativo no número de habitantes. A extensão territorial é de 66,146 quilômetros quadrados – pouco mais que Osasco, em São Paulo (64,954 km²), e quase quatro vezes menor que Recife, em Pernambuco (218,843 km²). O território é separado do continente pelo Canal de Santa Cruz.

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imagem: André Seiti

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Seção de vídeo

A ilha da rainha

Como as ondas, Lia vai e volta de Itamaracá: ela até sai de sua terra, mas é para lá que a Rainha da Ciranda sempre volta. Neste vídeo, a cantora fala sobre o seu lugar, casa que tanto a inspira. Jane Travassos, Sara e Sol Esoje, Roger de Renor e Alessandra Leão também comentam a respeito da ilha, além de salientarem a profunda e mútua identificação de Lia e Itamaracá.

Depoimentos gravados em janeiro e fevereiro de 2022, tanto presencialmente quanto de forma remota.

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Filha de náufragos, indígenas e piratas

(pequena história de Itamaracá – parte 1/2)

A localização da ilha tem grande relevância na história do Brasil. Os seus primeiros habitantes seriam náufragos portugueses, indígenas potiguaras e piratas franceses, havendo também registros históricos a respeito de dois portugueses: João Coelho da Porta Cruz e Duarte Pacheco Pereira (que teriam estado no Brasil em 1493 e 1498, respectivamente).

A ilha abrigou um dos mais antigos núcleos habitacionais da colônia portuguesa: datam de 1508 as primeiras referências a ela. Em 1526, onde está localizado o bairro da Vila Velha, na margem esquerda do Canal de Santa Cruz, missas já eram celebradas na Igreja de Nossa Senhora da Conceição pelo Padre Francisco Garcia. No ano de 1530, a povoação havia aumentado consideravelmente: havia cerca de cem habitações, Casa de Misericórdia, casa de residência do governador, Câmara, cadeia e duas igrejas: a Matriz de Nossa Senhora da Conceição e a de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Nesse mesmo ano, estava sendo instalado o sistema de capitanias hereditárias, em que se destinava aos nobres portugueses o direito de ocupar e explorar essas terras divididas em faixas pela coroa.

A exploração do território brasileiro entre 1500 e 1533 ocorria no sistema de feitorias, que serviam de depósitos comerciais para estocar o pau-brasil que seria embarcado para a Europa. No entanto, devido ao aumento das invasões francesas e ao contrabando do pau-brasil, fez-se necessário o reforço da colonização do Brasil a fim de evitar tais feitos, e, assim, criaram-se as capitanias como forma de combate. O rei português João III dividiu o Brasil em 15 capitanias: por meio de um foral datado de 6 de outubro de 1534, o rei estabeleceu uma série de direitos e obrigações referentes aos donatários. Estes, de forma geral, eram membros da baixa nobreza portuguesa e tinham autoridade administrativa absoluta, que incluía as decisões da justiça, a fundação de vilas, a criação do sistema de defesa e a instalação dos colonos.

Em 1534, foi criada a capitania de Itamaracá, junto com as demais capitanias, e essa existiu como tal até os anos de 1752-1754. No entanto, alguns historiadores marcam o ano de 1763 como o fim de fato, devido à sua anexação à capitania de Pernambuco.

A capitania de Itamaracá foi doada a Pero Lopes de Souza, e o território estendia-se desde a linha imaginária de Tordesilhas até a costa, tendo como limite ao norte a Baía da Traição (Paraíba) e Igarassu (Pernambuco). Suas capitais foram as cidades de Itamaracá e Goiana. A capitania dispunha de seis freguesias: Taquara, Alhandra, Goiana, També, Tejucupapo e a Ilha de Itamaracá –, entre as quais estavam três vilas (Goiana, Igarassu e Conceição).

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Seção de vídeo

Canto com as águas (Parte 1)

“Estava na beira da praia / Vendo o balanço do mar”: como nesses versos, Lia canta o mar. Canta porque o vive e com ele se inspira e constrói a sua trajetória. Este vídeo é a primeira parte de uma ode à parceria de Lia com as águas (acesse a segunda na seção Pertencer à Ciranda).

Gravação realizada em janeiro de 2022, de forma presencial.

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Pedra que toca trompetes de guerra

(pequena história de Itamaracá – parte 2/2)

Pero Lopes de Souza colocou Francisco Braga à frente da capitania que ocupou a Ilha da Conceição e fundou a Vila Marial ou de Nossa Senhora da Conceição – hoje, o bairro de Vila Velha –, que até então era uma feitoria francesa. Nesse mesmo período, no continente, viviam indígenas potiguaras que resistiam aos colonizadores e, ainda, piratas franceses contrabandistas de pau-brasil.

Em 1540, João Gonçalves foi nomeado governador de Itamaracá, após a morte de Pero Lopes de Souza em 1539. Em virtude de um acidente com a embarcação em que viajava, porém, Gonçalves só conseguiu chegar a Itamaracá em 1548. No mesmo ano, elevou a feitoria de Itamaracá à categoria de vila, e esta passou a ser a sede da capitania. Em 9 de maio de 1609, houve uma regulamentação e a capitania de Itamaracá ficou subordinada à da Paraíba, que havia sido criada em 1585.

Conforme nota o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, esta “era uma região próspera com diversos engenhos de açúcar e também utilizada para escoamento de outros produtos, como o pau-brasil”. Essa produtividade econômica atraiu a atenção dos holandeses que, em 1631, buscaram conquistar Itamaracá. A conquista holandesa só se concretizaria em 1633. Os invasores receberam reforços e, sob o comando de Sigismundo Von Schkoppe, atacaram a vila e forçaram o capitão-mor de Itamaracá, Salvador Pinheiro, a se entregar, junto com os 180 homens que formavam a sua guarnição. Em homenagem ao comandante da tropa holandesa, a vila teve seu nome alterado para Vila Schkoppe.

A invasão deu origem a um dos locais históricos mais importantes da ilha: o Forte Orange, construído em 1631, em taipa de pilão, na entrada sul do Canal de Santa Cruz, como parte dos esforços militares. O seu nome é uma homenagem ao príncipe holandês Frederico Henrique de Orange, tio de Maurício de Nassau. No final da década de 1630, foi reconstruída em alvenaria com pedra bruta – hoje, é o maior forte feito com esse material do Nordeste do Brasil. Posteriormente, já sob domínio português, o forte passou a ser chamado de Fortaleza de Santa Cruz, mas continua sendo conhecido como Forte Orange (saiba mais sobre essa história neste documento do Iphan). O domínio holandês persistiria até 1654.

Em 22 de dezembro de 1672, através de uma Carta Régia, a capitania ficou subordinada à de Pernambuco. A sede da vila foi mudada para Goiana em 15 de janeiro de 1685 e retornou para Itamaracá em 20 de novembro de 1709. Em 1756, a capitania foi extinta com a morte do seu último donatário.

Um século mais tarde, o distrito de Itamaracá foi criado pela Lei Provincial no 676, de 1o de maio de 1866, e pela Lei Municipal no 01, de 30 novembro de 1892. Tornou-se cidade em 1o de janeiro de 1959, desvinculando-se de Igarassu. Todavia, o seu primeiro hasteamento foi só em 15 de novembro de 1973. Pilar é a sua sede até os dias de hoje. Lá estão instalados o prédio da Prefeitura Municipal e, ao lado, o prédio da Câmara Municipal de Vereadores, assim como a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar e, no mar, o Monumento do Cruzeiro, onde eram celebradas as missas antigamente.

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imagem: André Seiti

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Você já foi a Itamaracá? Então vá!

O município é composto dos seguintes bairros: Vila Velha, Socorro, Alto da Felicidade, Poço do Cobre, Bom Jesus, Forte Orange, São Paulo, Forno da Cal, Rio Âmbar, Bairro Novo, Vila Eldorado, Baixa Verde, Outeiro, Bela Vista, Pilar, Quatro Cantos e Jaguaribe. Ao cruzar um braço de mar, também conhecido como “boca do rio”, temos ainda os bairros: Sossego (antigo Lance dos Cações), Enseada dos Golfinhos (antigo Enseada dos Tubarões), Queimadas, Fortinho e Pontal da Ilha.

O clima predominante na ilha é tropical e ela está em uma altitude de 7 metros. Os verões são quentes e secos. Os invernos, amenos e úmidos, com aumento considerável das chuvas e temperaturas mínimas que podem chegar a 18 °C, não sendo considerado um frio excessivo. As primaveras são quentes e secas e podem chegar à temperatura máxima de 34 °C. O outono é quente e úmido, intercalando dias de sol com dias nublados e incidências de chuvas isoladas.

Dá para aproveitar a estadia por lá o ano inteiro. Ela faz limite com o município de Goiana a noroeste e ao norte; ao sul, com Igarassu; a oeste e sudoeste, com Itapissuma; e, ao nordeste, leste e sudeste, com o Oceano Atlântico. Está incluída nos domínios dos grupos de Bacias Hidrográficas de Pequenos Rios Litorâneos, e os principais rios são Rio Paribe e Rio Jaguaribe. Possui também várias lagoas que servem de atração turística: a Lagoa Azul, a Lagoa da Mata, a Lagoa das Garças e a Lagoa Mansa (que fica em uma propriedade privada).

Há na região seis refúgios de vida silvestre, sendo a Mata do Amparo a maior delas (com 172,9 hectares). A vegetação é formada, predominantemente, por floresta perenifólia (isto é, que mantém suas folhas durante o ano todo) e restinga (espaço geográfico caracterizado por ser arenoso e se localizar próximo à costa), além de uma área de Mata Atlântica preservada (situada em terras de propriedade do estado). O bioma vegetal e animal é bem diversificado, e é comum ver bichos-preguiça e raposas atravessando as estradas, assim como as tartarugas marinhas na praia na época da desova.

As áreas de mangue ocupam o noroeste da Ilha de Itamaracá, que está incluída, geologicamente, na Província Borborema. De solo arenoso em toda a extensão litorânea e de predominância argilosa no interior, o local, hoje, faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) de Santa Cruz, criada em 2008. A APA de Santa Cruz é formada pelos municípios Ilha de Itamaracá, Itapissuma e Goiana e é também uma Unidade de Conservação (UC) de uso sustentável, cuja finalidade é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos recursos naturais. A APA possui cerca de 39 mil hectares, sendo 49% remanescentes de Mata Atlântica (que pertencem à Ilha de Itamaracá).

A economia local é representada pela pesca e pelo turismo. O setor hoteleiro move a economia no período de férias e na alta estação. As praias são muito movimentadas, por possuir águas transparentes, calmas e mornas. A areia é de cor clara e de espessura fina ao longo da faixa litorânea, e os turistas e visitantes aproveitam para fazer caminhadas. O Forte Orange é a maior atração turística e, no seu entorno, existe um polo gastronômico formado por bares e restaurantes que servem os mais variados pratos, como a peixada e a caldeirada. Os pescadores ainda fazem um prato exclusivo chamado de “mexidinho caeté”.

O bairro da Vila Velha também funciona como um polo gastronômico, com pratos variados à base de frutos do mar, tendo como iguarias principais o bolo “manuê” na palha da bananeira, a cocada de macaíba e os doces em forma de “passas” de frutas como caju, carambola e mangaba. A tradicional tapioca e o bolinho “carcará” são servidos pela Tapiocaria da Idalice. A vista da Vila Velha encanta a todos e tem um dos mais bonitos pores do sol, além do antigo forno de cal e das igrejas antigas. Partindo do Forte Orange ou da Vila Velha, também é possível fazer um passeio ecológico pela Trilha dos Holandeses. Existem outras trilhas maravilhosas na ilha realizadas por guias autônomos.

Já as praias mais visitadas são: Forte Orange (de lá, é possível atravessar de barco para a Ilhota Coroa do Avião, um oásis no meio do mar, além de apreciar um mergulho nas piscinas naturais), Praia da Pedra Furada, Rio Âmbar, Vila Eldorado, Pilar, Quatro Cantos, Jaguaribe e Sossego (a travessia é feita por canoa de Jaguaribe até lá). Todas têm bares e restaurantes para atender os turistas e visitantes.

É uma ilha paradisíaca. Quem conhece não esquece. Aqui você coleciona momentos e constrói memórias.