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Joaquim Maria

Machado de Assis por Humberto Mauro

Machado de Assis por Humberto Mauro – Ocupação Machado de Assis.

Trecho do curta-metragem Um apólogo (1939), do cineasta Humberto Mauro, em que dados biográficos de Machado de Assis são destacados. A continuação do filme apresenta, aliás, uma releitura do conto machadiano homônimo.

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Machado de Assis | imagem: Academia Brasileira de Letras (ABL)

Machado de Assis: cada um tem o seu?

Fizemos as três mesmas perguntas a leitores das mais variadas áreas e, aos poucos, vamos publicar as respostas aqui no site da Ocupação. Os muitos Machados que habitam corações e mentes podem ser conhecidos abaixo.

Adriana Ferreira, jornalista

1) Qual é o seu Machado de Assis?
Ah, o meu Machado é o romancista sarcástico.
2) Quem é o seu personagem machadiano favorito e por quê?
Brás Cubas, porque ele sintetiza justamente essa ironia e sarcasmo de Machado.
3) O que a emociona e/ou instiga em Machado de Assis?
A modernidade de sua escrita, a contemporaneidade de suas histórias, a inventividade. Um gênio!

Flora Thomson-DeVeaux, escritora e tradutora

1) Qual é o seu Machado de Assis?
O meu Machado de Assis é o Machado de fala mansa, que desfere um golpe sorrindo e só te deixa perceber no dia seguinte. Ele era enxadrista, claro, mas nessa graça brutal às vezes o enxergo como boxeador ou capoeirista.
2) Quem é o seu personagem machadiano favorito e por quê?
Sinto que estou junto ao Brás Cubas há tanto tempo que ele já virou algo além de um personagem predileto – quase um membro da família, em que a afinidade parece mais dada do que escolhida. Foi a primeira voz machadiana que realmente me tocou, o primeiro narrador que me desconcertou e o primeiro enigma que eu tentei, se não desvendar, então reproduzir da maneira mais fiel possível. Esse é um jeito um pouco escorregadio para dizer que, de toda a galeria de monstrinhos machadianos, acho que o “menino diabo” ainda é o meu favorito.
3) O que a emociona e/ou instiga em Machado de Assis?
O que mais me instiga no Machado é, mais do que a escrita das histórias, a reescrita – as décadas de experimentação com tramas e personagens irmanados, o esforço constante de refinamento e o cuidado com o texto até a última vírgula da última edição. Sofro muito ao retrabalhar meus próprios textos, e nessas horas tento evocar o Machado.

Juliano Garcia Pessanha, escritor e filósofo

1) Qual é o seu Machado de Assis?
O meu Machado é o do romance.
2) Quem é o seu personagem machadiano favorito e por quê?
Gosto do Bentinho e da Capitu. Interessa-me a questão do ciúme.
3) O que o emociona e/ou instiga em Machado de Assis?
Ele me instiga porque é o melhor e o mais inteligente dos escritores brasileiros.

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O mestre e as leitoras

Helena e Eduarda Ferreira, irmãs gêmeas do projeto Pretinhas leitoras, lembram de como foram apresentadas à figura de Machado de Assis: por meio de sua mãe, educadora que sempre reforçou para elas a negritude do autor.

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Biografia a ser lançada em 2024 pretende desvendar “enigmas machadianos”

Cláudio Soares (*), autor da biografia em dois volumes Machado de Assis (2024-2025), conversou com o site da Ocupação

Machado de Assis é um tema atual e recorrente. Em 2024 e 2025 serão lançados os dois volumes de sua próxima biografia, escrita pelo editor e jornalista carioca Cláudio Soares. Entre as novidades da obra está um levantamento genealógico que se estendeu também a Carolina, esposa do escritor por 35 anos, e a outras figuras contemporâneas dele.

Foi esse levantamento, aliás, que permitiu ao autor afirmar que a negritude de Machado é minuciosamente abordada no livro. “Esta será a primeira obra a apresentá-lo efetivamente como um autor negro, indo além do tom de pele, enfatizando sua ancestralidade africana”, disse Cláudio Soares em entrevista ao site da Ocupação.

Leia abaixo a entrevista completa!

A biografia escrita por você será a primeira a observar Machado de Assis como um autor negro. E, para isso, foi feito um levantamento genealógico que suponho nunca ter sido feito antes. Como foi isso? Como foi essa etapa de pesquisa?

Certamente. Nossa biografia se distingue pela abrangência e pela minúcia no levantamento genealógico. A disponibilidade atual de documentos digitalizados e o uso de softwares avançados de gestão de informação tornaram possível algo que, até bem pouco tempo, parecia ser humanamente impossível. A intricada natureza desse processo ainda nos exigiu a formulação das perguntas corretas diante de uma extensa gama de informações descentralizadas e embaralhadas. É importante frisar que nossa pesquisa não se restringiu aos antepassados de Machado, incluímos também detalhes sobre Carolina, sua esposa, e outras figuras influentes em seu tempo. Após consultar centenas de livros e literalmente milhares de artigos e documentos, além de realizar entrevistas e contar com a colaboração de especialistas de diversas áreas, conseguimos desvendar alguns importantes “enigmas machadianos”.

Há um movimento, Machado de Assis Real, que não só afirma a negritude de Machado mas o coloca como um homem mais retinto, como uma atitude política mesmo. A que conclusão chegou o levantamento genealógico? Ou essa discussão não foi seu foco?

Embora sem informações atualizadas sobre o movimento Machado de Assis Real, destaco que a negritude do escritor é minuciosamente abordada em nossa biografia. Aliás, esta será a primeira obra a apresentá-lo efetivamente como um autor negro, indo além do tom de pele, enfatizando sua ancestralidade africana. A imagem viralizada pelo Machado de Assis Real, na qual ele aparece com uma pele consideravelmente mais escura do que nas fotografias em preto e branco mais conhecidas, causou impacto e foi tema de matérias em jornais nacionais e internacionais. Na minha opinião, essa informação é crucial, podendo levar os leitores a reavaliarem interpretações das obras machadianas ou mesmo causar desconforto em quem acredita no “embranquecimento” de seu legado. Na biografia, exploramos as implicações desse fato nos itinerários social e profissional do autor.

Você acha que a distorção histórica de um Machado de Assis branco já foi totalmente superada?

Não creio. Superar por completo essa distorção histórica é um desafio constante. Arrisco-me a dizer que, de forma geral, mesmo entre os brasileiros, Machado ainda é um ilustre desconhecido. A complexidade desse autor, na minha visão, é a chave dessa questão. Compreender integralmente seu pensamento descritivo, analítico e crítico é uma jornada desafiadora, que requer a dedicação dos leitores. Conclusões equivocadas são comuns para aqueles que o leem com pressa. Sua profundidade revela-se não apenas nas palavras que ele escolhe, mas também nas entrelinhas, é significativo tanto pelo que decide omitir quanto pelo que expressa. A dinâmica desse desafio persiste, mantendo viva a busca por uma compreensão mais autêntica e profunda do legado de Machado de Assis.

Como você vê a relação entre a cor e a origem do autor e a posição que ele acabou ocupando? Pensando em outras pessoas da época, o quanto isso era plausível, o quanto ele teve de negociar essa posição?

A trajetória de Machado de Assis foi desafiadora, mas ele sempre exibiu uma habilidade excepcional para enfrentar as circunstâncias. Mesmo sem nos deixar uma autobiografia, e talvez até dificultando um pouco e propositalmente a vida dos futuros biógrafos, suas obras revelam pedacinhos de sua vida e de suas memórias, oferecendo uma visão única do autor. Adentrar seus escritos é como abrir portas que estavam trancadas por dentro, permitindo-nos espiar a verdadeira essência de Machado. A questão de cor e de classe é desvendada de forma sutil em suas obras, que acabam por revelar a sua pele escura e outras peculiaridades, como os problemas de sua saúde debilitada. Surpreendentemente, esses elementos não foram obstáculos intransponíveis para o seu sucesso social e intelectual em uma sociedade escravocrata. O que tornou Machado único, além de suas competências intelectuais e socioemocionais, foi a sua visão estratégica; ele sabia exatamente o que queria. Essa determinação fica evidente ao analisar sua jornada como escritor e funcionário público, assim como sua vida pessoal. Como um jovem negro e periférico, com pouco ensino formal, conseguiu criar laços com os grupos sociais dominantes do Império? Essa questão fascinante é explorada detalhadamente na nossa biografia, revelando os desafios e as conquistas extraordinárias desse escritor notável.

Como você dialoga com outras biografias já lançadas? Você chegou a usá-las como suporte ou achou melhor não as consultar?

Ao longo dos anos, diversas biografias de Machado de Assis foram lançadas, cada uma refletindo as preocupações da época. Essas obras contribuíram na criação de uma narrativa em torno do Bruxo do Cosme Velho. Exploramos minuciosamente cada uma delas, mas indo além para oferecer respostas às perguntas de nossa geração sobre o escritor. Essa “missão” é essencial diante de sua presença recorrente nas mídias brasileira e estrangeira.

Na sua visão, como as questões raciais aparecem na obra de Machado?

A questão da cor e da classe se desvenda gradualmente em seus escritos, revelando uma intrincada dialética entre sua vida social e suas criações literárias. Machado não endossou a perpetuação do estigma racial enraizado na sociedade brasileira daquela época, inclusive no seu âmbito literário. Paradoxalmente, à medida que avançava profissionalmente, ocorria uma espécie de embranquecimento social, como registrado em sua certidão de óbito, na qual é declarado como branco.

Essa é apenas uma das muitas contradições que emergem ao tentarmos decifrar as nuances raciais na vida e na obra de Machado de Assis. Engana-se quem pensa que isso é uma peculiaridade exclusivamente brasileira. Na América Latina, destaca-se um fenômeno histórico curioso relacionado à identidade racial de escritores renomados. Ao contrário dos Estados Unidos, onde uma gota de sangue negro categoriza alguém como negro, na América Latina, esses mesmos escritores são frequentemente rotulados como brancos. Essa complexidade não é novidade e já foi explorada, por exemplo, pelo escritor afro-americano Langston Hughes, em The negro writer in the West Indies and Latin America, publicado na década de 1940, no qual inclusive cita Machado como exemplo.

Embora se identificasse como negro, Machado era percebido por alguns de seus contemporâneos como branco, o que evidencia uma inversão na percepção racial. Essa dinâmica também era observada em outros escritores, como Nicolas Guillen (Cuba), Alexandre Dumas, Pai (França) e Jacques Roumain (Haiti), apenas para citar alguns. A questão central em todos esses casos reside no fato de que o escritor negro de ficção acaba sendo um porta-voz de seu povo e enfrentando limitações em sua liberdade criativa, ao contrário dos escritores brancos, que desfrutam de maior autonomia nesse aspecto. Como afirmou J. Saunders Redding, autor e educador afro-americano, há 80 anos, “o negro, inevitavelmente, fala em nome de seu povo”.

Na pesquisa para a escrita da biografia, você descobriu algum Machado que ainda não conhecia?

Certamente, desvendar novos aspectos do escritor é um dos desafios e encantos inerentes a esse desafio biográfico. Durante a pesquisa e a escrita, deparei-me com descobertas fascinantes, como a transformação espiritual entre o Machado da juventude e o da maturidade. O idealismo vibrante do jovem cedeu espaço, gradualmente, ao pragmatismo e ao ceticismo, revelando nuances surpreendentes em sua jornada pessoal e literária. Essas revelações ampliam nossa compreensão do autor, tornando a exploração de sua vida uma experiência verdadeiramente enriquecedora.

Quando será lançada a biografia? Os dois volumes serão lançados juntamente?

A biografia será dividida em dois volumes, sendo o primeiro lançado em 2024 e o segundo em 2025, totalizando mais de 1.500 páginas.

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Os últimos anos do Bruxo

O escritor Silviano Santiago fala da criação do romance Machado (2016), livro em que ficcionaliza os últimos cinco anos do mestre, partindo de pesquisas, hipóteses e ausências e se atentando para a relação enigmática entre vida e obra.

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