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O nome dessa seção poderia ser: Invenções póstumas de Machado de Assis. Pois aqui partimos da obra do Bruxo para reinventar seus personagens, imaginar outras cenas, apresentar novas narrativas. Os materiais são extraídos tanto da publicação impressa da Ocupação Machado de Assis quanto produzidos especialmente para o site.

Esta seção será atualizada durante o período da Ocupação. Volte, leitor!

Caricatura de Machado de Assis publicada no período “Semana Ilustrada” em 13 de novembro de 1864

Recriar Machado

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“Tu, se tens o costume de inventar, recolhe-te em ti mesmo, e procura, investiga, acha, compõe, expõe, desenha, escreve [...]” – Machado de Assis, em crônica de 19 de março de 1893. No caso, ele sugeria aos inventores de plantão que criassem um modo de automatizar o trabalho em torno de documentos oficiais

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Micheliny Verunschk, a partir do "Quincas Borba"

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Esmeralda Ribeiro a partir de "Memórias póstumas de Brás Cubas"

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Causa divina, dramaturgia por Alexandre Damascena

Cena inspirada nos capítulos LI e LII de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis

(Sala de casa, Bento chegando da escola.)

Bento – Oi, mãe!

Marcela – Oi, filho! Demorou hoje. Aconteceu alguma coisa?

B – O ônibus quebrou e vim andando com os amigos.

M – Alguma novidade da escola?

B – Nada de mais. Tirei nota boa em todas as matérias.

M – Grande notícia! Até em matemática tirou nota boa?

B – Tirei 8. A professora disse que estou evoluindo bastante.

M – Desta vez não colou de nenhum coleguinha?

B – Não, mãe. Prometi à professora que ia estudar para não precisar colar.

M – Assim é que eu gosto. Aqui é casa de família honesta. Tudo que conquistamos é com o esforço do nosso trabalho.

B – Está bem, mãe. Posso ir à venda da Dona Plácida comprar um picolé?

M – Pode! Diz para ela anotar que depois seu pai paga.

B – Não precisa, mãe. Eu tenho aqui.

M – Você tem? Seu pai te deu dinheiro?

B – Não. Eu achei na escola. (Vai saindo.)

M – Espere! Volte aqui, rapazinho, e me conte direito essa história.

B – Mãe, achado não é roubado.

M – Como é, Bento? Onde você achou esse dinheiro?

B – Mãe, são só 5 reais.

M – Não importa o valor. Onde você pegou esse dinheiro?

B – Achei caído no pátio da escola.

M – Você procurou saber de quem era?

B – Não tinha ninguém no pátio. Eu peguei e vim embora.

M – Meu Deus! Você tinha de ter ido à direção da escola e entregado o dinheiro.

B – Poxa, mãe, não pensei que 5 reais pudessem fazer tanta falta! Tudo bem que eu mesmo não tinha nem 1 real.

M – Meu filho, são nas pequenas coisas que a gente se revela. Cinco reais parecem pouco, mas podem ser muito para quem perdeu. Quem sabe um colega seu não estava com o dinheiro contado para o lanche e, por ter perdido esses 5 reais, ficou sem lanchar?

B – Desculpa, mãe, eu não pensei nisso.

M – Quando eu tinha a sua idade encontrei uma moeda de 10 centavos na calçada da vizinha e sua avó me fez devolver. Veja bem, era apenas uma moeda de 10 centavos e eu devolvi a dona. Sua avó sempre dizia “Não se suje por pouco”.

B – (Chorando.) Eu prometo que nunca mais vou pegar o que não é meu.

M – Fique tranquilo, meu filho. Vamos ligar para a escola e entregar o dinheiro. (Pega o telefone e liga para escola.) Alô, Dona Helena, aqui é Marcela, mãe do Bento. Ele achou uma nota de 5 reais no pátio da escola e amanhã vai deixar aí na direção para vocês descobrirem quem é o dono. Ah, já sabem de quem é? Que bom! Eu conheço a Carolina. É da turma dele. Pode avisar aos pais que amanhã o dinheiro será devolvido assim que ele chegar à escola. Até amanhã! O que foi Dona Helena? Ah, a mensalidade da escola está atrasada? Eu vou falar com o Félix para acertar com a senhora nesta semana. Boa tarde! Ouviu, Bento? O dinheiro é da sua colega de sala, a Carolina. Amanhã, o senhor trate de entregar o dinheiro para ela.

B – Está bem, mãe. (A campainha toca.) Estão tocando a campainha.

M – Vai ver quem é.

B – É o papai.

M – Ué! Seu pai chegando cedo em casa?

Félix – (Félix entrando.) Oi, amor! Estou tão nervoso que vim direto do almoço para casa. Bento, pega um copo d’água para mim, por favor!

M – E a barbearia?

F – O Assis ficou lá, atendendo os clientes.

B – Toma o copo d’água, papai.

F – Obrigado, filho! (Bebe a água.) Agora eu quero que prestem atenção no que vou mostrar para vocês. (Mostra uma maleta.)

M – Você comprou uma maleta?

F – Não.

B – Papai ganhou uma maleta! Viva!

F – Também não!

M – Se essa maleta não é sua, de quem é, Félix?

F – Eu achei!

B – Papai vai ter de devolver… Igual a mim.

M – Silêncio! Deixa seu pai explicar o que aconteceu.

F – Quando eu fui almoçar no shopping, assim que sentei para comer vi esta maleta no chão perto da minha mesa. Olhei para o lado para ver se era de alguém. Uns dez minutos depois, como ninguém apareceu, resolvi colocá-la na cadeira em frente à minha mesa. Esperei mais meia hora e nada.

M – Para de enrolação, Félix!

F – Depois de 40 minutos, decidi deixar lá e vir embora. Afinal, a mala não era minha. Mas uma mulher que estava na mesa ao lado alertou que eu estava esquecendo a maleta. Agradeci, peguei a maleta, fui para o banheiro do shopping. Dentro do banheiro, resolvi abrir para ver o que tinha dentro.

B – Fala logo, pai!

F – Eu vi muitas notas. Adivinhem quanto tem aqui!

B – Mais de 5 reais?

F – Cem mil reais!

M – Cem mil reais! Glória a Deus!

F – Parece que Deus ouviu minhas preces. Com este dinheiro vou fazer uma vitrine nova para a barbearia.

M – Não esqueça que a mensalidade do colégio do Bento está atrasada e ainda tem as quentinhas que eu peguei fiado com a Dona Capitu.

F – Claro! Vamos colocar nossas contas em dia. Vou aproveitar e pedir ao Seu Quincas para dar uma pintura nova no carro. O que você acha?

M – Acho ótimo! O carro está todo arranhado. Posso pedir uma coisa?

F – Claro, meu amor! Peça!

M – A Dona Glória, esposa do Senhor Aires, está vendendo uns vestidos lindos e mês que vem é meu aniversário e eu pensei que…

F – Pode escolher o vestido. Quero te ver bem bonita no seu aniversário. Aliás, escolhe dois, que o Natal está chegando.

M – Que dinheiro abençoado! Que sorte a nossa! Chegou na hora certa. Por isso nunca perdi a minha fé. Deus está olhando por nossa família.

F – Obrigado, meu Deus! Bento, o que você quer ganhar no Dia das Crianças?

B – Mãe, o papai não tinha de voltar ao shopping e entregar a maleta para eles descobrirem quem é o dono?

M – Claro que não. Você está doido?

B – Mas eu vou ter de devolver os 5 reais que achei no pátio do colégio.

M – Cala a boca! O achado do seu pai se trata de uma causa divina. Foi Deus quem colocou a maleta no caminho dele.

B – Mas mãe….

M – Bento, você não ia comprar picolé? Aproveita e traz um para o teu pai e outro para mim.

B – Com que dinheiro?

M – Pega na maleta.

* Alexandre Damascena é mestre e doutor em literatura brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em direção teatral pelo Centro de Artes Laranjeiras (CAL) e graduado em letras pela Fundação Educacional Unificada Campograndense (Feuc) e em teatro pela Escola Técnica de Teatro Martins Pena. Em sua tese “Um ironista em cena: a obra dramática de Machado de Assis”, trabalhou com as peças machadianas. Atua como dramaturgo e professor, tanto de literatura quanto de teatro.

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Memórias intrauterinas de Brás Cubas, um conto por Fernanda Castello Branco

Ao óvulo e ao espermatozoide que se encontraram por acaso e me trouxeram de volta como zigoto, embrião e feto, inevitavelmente nessa ordem, dedico como ansiosa lembrança estas memórias intrauterinas

Ouvi dizer que não era para me lembrar do meu velório, com as 11 pessoas presentes. Ouvi dizer que não era para me lembrar de absolutamente nada. Mas a verdade é que me lembro de tudo. Ou acho que lembro. Você, caro e fiel leitor, pode me ajudar a afirmar isso.

Morri de pneumonia, aos 64 anos, solteirão, o que nem de longe pareceu uma tragédia. Morto, não me preocupava com moralismo. Agora que emano vida, ou melhor, que estou me formando em vida, acho que também sigo sem essa preocupação.

Ainda não sei bem o que sou, mas sinto, isto, sim, já sinto: estou voltando. Esta piscina onde permaneço mergulhado, ligado por um cordão que me alimenta a uma mulher que chamarei de mãe, é rasa, apertada e profundamente tediosa. Mas, por enquanto, ela é meu mundo.

O problema é que não era para me lembrar de quem fui antes. Mas me lembro. Isso só aumenta a sensação de claustrofobia. E a certeza de que tragédia mesmo vai ser nascer outra vez. Não pedi, não planejei, mas já escuto os gritos de “É menino! É menino!” quando eu romper o túnel apertado, escuro e sangrento que me jogará novamente no mundo.

Todos vocês sabem. E eu me lembro, caríssimo leitor, não já disse que me lembro? Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. Mas voltarei em breve como filho de alguém. Terei que ser o sonho realizado de alguém, e isso, por si só, é o maior dos pesadelos. Será que cairei novamente em uma família abastada? É o mínimo, não é? Não pedi para voltar, não planejei. Para ser mais exato: nem queria.

“Antes cair das nuvens, que de um terceiro andar”, disse eu lá nas memórias póstumas. Se nascer é mais ou menos cair das nuvens, gostaria de dizer que mudei de ideia. Mas já estou aqui e a mim não cabe nenhum poder de decisão neste momento. E de nada me adiantou o emplasto para aliviar a melancolia da humanidade…

Lembro-me também, caro leitor, e agora isto me parece uma verdadeira praga, que não tinha interesse algum em amenizar a melancolia alheia. Queria apenas meu rosto estampado nas caixas dos medicamentos, meu nome na boca do povo e o “amor da glória”. Nascerei, contra a minha vontade, no mais melancólico dos tempos, com antidepressivos sendo consumidos como se água fossem. Nascerei, contra a minha vontade, no tempo de caras estampadas nas palmas de nossas mãos, sedentas por likes, comentários e compartilhamentos. Previ o futuro, mas chegarei atrasadíssimo a ele.

Caríssimo leitor, diga-me: como você suporta?

Devo estar perto de desembocar no mundo, porque aqui está absurdamente apertado. Talvez porque esteja perto de chegar, já sei um tanto do mundo que me espera. Capto tudo que ouço, organizo as ideias, sou uma mistura do que fui com o que serei ao chegar.

Encontrarei Marcela e Virgília no Tinder?

Volto contra a minha vontade, mas por cinco segundos estive disposto a mudar. Já entendi que não será possível. Poderia pedir perdão, mas talvez não seja disso.

O problema, fino leitor, é mesmo o mundo. Portanto, novamente me encaixarei na posição que mais me der status. Lembra-se do “amor da glória”? O problema é o mundo, inocente leitor, onde a aparência segue sendo o que se tem de mais elogiável.

***

Fernanda Castello Branco é jornalista e integra a equipe de conteúdo multiplataforma do Itaú Cultural (IC).

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Marco Lucchesi, a partir de "O alienista"

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Ana Paula Maia, a partir de "Dom Casmurro"

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Maxadrez, um jogo por Duanne Ribeiro

ilustração por Luang Senegambia Dacach Gueye

 

Esta é uma recriação do xadrez com base no universo de Machado de Assis. As tradicionais peças são metamorfoseadas em personagens machadianos; suas relações, confrontos e percursos no tabuleiro se inspiram nas histórias do escritor. Este é um jogo para leitores de Machado – que podem reencontrar seus enigmas e emoções traduzidos na partida – e não leitores – que podem achar aqui um meio lúdico de vivenciar a obra do autor.

Machado + xadrez

Machado teria aprendido a jogar xadrez entre 1862 e 1865. Há registro de que, em 1868, ele visitava o Clube Fluminense para jogar. Em janeiro de 1880 – às vésperas do lançamento de Memórias póstumas de Brás Cubas, que seria publicado de março a dezembro desse ano como folhetim na Revista Brasileira –, Machado participou do primeiro torneio de enxadristas amadores no país. Apesar de uma vitória memorável – contra o escritor Charles Pradez –, nosso homenageado terminou perdendo a competição por pontos.

Já em 1883 e 1884 – tendo, neste último ano, publicado a coletânea de contos Histórias sem data –, Machado cumpriu a função de juiz em campeonatos do Clube Beethoven. Ainda se destaca no seu envolvimento com o xadrez o interesse por resolver – e até inventar – problemas do jogo. Entre 1877 e 1880, o autor respondeu a desafios dos periódicos Ilustração e Revista Musical. Em 15 de janeiro de 1877, teve publicado um enigma de sua própria lavra, considerado o primeiro problema enxadrístico feito por um brasileiro.

Peões e bispos, cavalos e torres, reis e rainhas não tiveram, portanto, relevância pequena no seu cotidiano – e acabaram por integrar a sua obra literária. Como diz Victor da Rosa em “O cálculo e o enigma: Machado de Assis e o jogo de xadrez”: “Além de mencionar o xadrez como tema, Machado entranha na própria forma de suas narrativas certas ideias, imagens e raciocínios que são mais familiares ao enxadrista do que ao escritor”.

Esse artigo analisa a relação xadrez e literatura em vários momentos da obra de Machado. O escritor, recorrendo a personagens enxadristas ou a imagens emprestadas do universo do xadrez, fala sobre paciência e cálculo, sobre desafio e mistério. Mesmo em momentos nos quais o jogo não é citado, afirma o artigo, o enxadrista do Cosme Velho parece jogar com o leitor, movendo as peças com astúcia, prevendo investidas, armando o bote.

Assim, o leitor, diante de um livro de Machado, o teria como um oponente do outro lado da mesa. O autor nos fita através dos seus pincenês, seus cabelos penteados para trás, sua barba desalinhada, comprida e grisalha. Sua expressão não entrega nada. Como você joga?

Como jogar o Maxadrez

O Maxadrez é muito próximo do xadrez: bastam o tabuleiro e o conjunto de peças comuns. As peças – peão, bispo, torre, cavalo, rainha e rei – têm os mesmos movimentos do jogo-mãe. O que se transforma são posições de algumas peças, os efeitos da captura de outras peças e, principalmente, o direcionamento do jogo: não se trata aqui de pôr o rei abaixo; cada peça tem o seu próprio caminho de vitória, com exceção do rei e dos peões. Dessa maneira, é como se múltiplos jogos fossem jogados no mesmo jogo.

Os jogadores decidem se o jogo é encerrado após o objetivo individual de uma peça ser atingido. Como alternativa, pode-se somar pontos para cada objetivo alcançado e definir um vencedor com o placar final. Outra forma é anotar em papéis os objetivos e sortear qual deles cada jogador deve cumprir (de forma semelhante ao War). Nesse caso, o jogador só vencerá se concluir a missão que lhe foi atribuída no sorteio.

Sugere-se também jogar por jogar.

Personalidade das peças

Veja abaixo a intertextualidade, o objetivo e o comportamento de cada peça:

Peões – vários

Os peões representam diferentes personagens, de acordo com o ponto de vista de cada peça. Eles não têm chance de vitória, mas compõem as táticas alheias. Esse recurso emula o perspectivismo de Machado – suas obras se caracterizam por muitos pontos de vista internos, além de comportarem muitas interpretações.

Disposição: Casas iniciais normais.

Movimento: Anda-se para a frente e para os lados, sem recuos, uma casa por vez. No primeiro turno, pode-se andar duas casas. Capturam-se peças na diagonal. 

Dinâmica: são leitores ou vermes para Brás Cubas; loucos ou cidadãos para Simão Bacamarte; soldados para Quincas Borba; figuras capitolinas para Bentinho (para Capitu, ela mesma, são indiferentes – ela efetiva o seu próprio jogo.)

Rei – Brás Cubas

O autor está morto! Vida longa ao autor! Em Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado dá voz a um memorialista defunto, analítico e ferino, que dedica sua obra ao primeiro verme que roeu suas carnes e dispensa petelecos aos leitores.

Disposição: Casa inicial normal; a peça deve estar caída no tabuleiro.

Movimento: Livre para qualquer direção, uma casa por vez.

Dinâmica: Está fora do jogo, estando dentro dele. Não pode ser tirado do jogo por nenhuma peça. Se atingido por um peão – nessa situação, um verme –, o jogador perde um turno. Quando atinge uma peça qualquer – vista por ele como um leitor –, o jogador deve dizer: “Piparote!”, e retirá-la do jogo.

Rainha – Capitu

Personagem decisiva de Dom Casmurro, Capitu é até hoje uma incógnita, deixando em aberto a interpretação do livro e a sua personalidade. Maxadrez representa um encontro entre imagens díspares de Capitu, que se acercam e não se anulam.

Disposição: Casa inicial normal.

Movimento: Livre para qualquer direção, quantas casas quiser. 

Dinâmica: Para vencer, o jogador deve posicionar a sua Capitu numa casa contígua à Capitu adversária. Se esse encontro ocorrer, as peças são fixadas nas posições de então, não podendo mais ser movimentadas por nenhum dos jogadores.

Bispos – Simão Bacamarte

O médico psiquiatra Simão Bacamarte, de O alienista, quis tratar a loucura de toda uma cidade e acabou se vendo obrigado a trancafiar no hospício todos os cidadãos. Ao fazer isso, percebeu sua própria loucura; soltou a todos e internou a si.

Disposição: Casa inicial normal.

Movimento: Anda-se em diagonal, quantas casas quiser. 

Dinâmica: Não pode ser retirado do jogo; ao ser atingido, contudo, o jogador perde um turno. Para vencer, deve capturar todos os peões adversários – pensados nesse caso como loucos; se isso ocorrer, ele próprio é retirado do jogo e todos os peões retornam. Caso algum peão adversário tenha sido capturado, Simão pode recolocá-lo no tabuleiro capturando qualquer outra peça e trocando-a pelo peão.

Cavalos – Quincas Borba

Para o filósofo Quincas Borba (mas não, quiçá, para o cão Quincas Borba), o mundo se divide em vencedores e derrotados, em uma disputa pela vida sempre justa na medida que é uma disputa pela vida. Em uma guerra por terra e batatas, diz, não há exterminados, pois sua derrota integra a sobrevivência de quem leva os legumes.

Disposição: Casa inicial normal.

Movimento: Anda-se em L; peões capturados passam também a andar em L.

Dinâmica: Ao atingir os peões alheios – considerados como soldados –, Quincas integra-os ao próprio grupo (os peões devem ficar caídos no tabuleiro). Para vencer, Quincas deve capturar os Quincas adversários, em pessoa (ou em cavalo) ou por meio dos peões capturados. Se os jogadores disporem de batatas, o vencedor as recebe.

Torres – Bentinho

“Para atar as duas pontas da vida”, Bentinho reproduz a casa da Rua Mata-Cavalos, onde morava quando jovem; descobre, todavia, que lhe “falta eu mesmo, e esta lacuna é tudo” (depois, na última página, tenta definir o que, afinal, foi Capitu). No Maxadrez, Bentinho como que une os lados do tabuleiro e ocupa um local ideal.

Disposição: As peças de cada jogador ficam no campo adversário.

Movimento: Anda-se em linhas horizontais ou verticais, quantas casas quiser.

Dinâmica: Para vencer, o jogador deve levar suas torres às casas do rei e da rainha no lado oposto à sua posição inicial, “retornando” ao campo que lhes seria natural. Se isso ocorrer, as peças são fixadas nessas posições e não podem ser retiradas ou movimentadas. Se Bentinho for atingido, ele fica fora de jogo por um turno; depois, o jogador pode recolocá-lo gastando mais um turno para tal e dispondo-o em uma das duas casas iniciais. Se Bentinho atingir uma peça – considerada como Capitu ou imagem de Capitu –, essa peça não poderá ser movimentada por dois turnos.

Atenção: as peças que possuem duas unidades (bispos, torres, cavalos) podem atingir os seus objetivos tanto com ambas quanto com apenas uma delas.

Dicas de jogo

Alguns meios de tornar o Maxadrez mais prático e divertido:

  • Não deve ser um problema para os peões, mas, se não for possível deixar o rei caído no tabuleiro por conta do tamanho das casas, não façamos caso.
  • Se você dispuser de peças de outra cor que não brancas e pretas – por exemplo, as de um conjunto de Ludo –, use-as para os peões capturados por Quincas.
  • Faça uma Casa Verde, um asilo de loucos de Bacamarte. Queremos dizer: separe, no espaço fora do jogo, as peças capturadas pelo doutor e as que não foram.

Por fim, um aviso que é um convite: o Maxadrez é um experimento e deve ser testado e aprimorado conforme vá sendo jogado. Deixe-nos saber como foram suas partidas!

***

Duanne Ribeiro é jornalista, pesquisador e escritor. É parte da equipe de conteúdos multiplataforma do Itaú Cultural. Colaboraram também com a criação do Maxadrez: Carlos Costa, Fernanda Castello Branco e Heloísa Iaconis.

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“Fico em casa. Se aparecer algum enxadrista, jogarei xadrez; se apenas jogar cartas, cartas. Se não vier ninguém, atiro-me a compor um poema de cabeça.”

– trecho de Memorial de Aires, de Machado de Assis

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“Tic-tac”, por Carlos Costa

Machado,

O silêncio não cala os mortos.

Graziela ainda late.

Carlós desenha.

Meu pai manda recados.

Jesus olha por nós.

E certamente você exercita sua verve contando histórias de vivos e mortos, de amor e outros diabos.

No Cosme Velho, Machado, atualmente, chamam os cachorros de pets. Um ou outro faz maldade com eles. Mas muitos os tratam como reis, os deixam dormir dentro de casa, em cima da cama; os levam a salões de beleza.

Contudo, uma coisa não muda, a negra cavalinha à espera da nossa montaria. Dela não escapam cachorros nem borboletas. Dobra-se, mansa, para todos os vivos.

As pessoas não gostam de olhar para ela. Não querem essa amizade. As pessoas não gostam de olhar pra dentro. Os buracos negros. Raro os que os cortejam, os que os cultivam. Talvez nesses abismos cósmicos estejam os mortos todos que somam mais do que os vivos, por mais que haja histórias de amor e a reprodução.

Amam-se os mortos? Copulam? Traem?

Vamos dar as mãos a eles, Bruxo, aos mortos, quando? Vamos desvendar esses buracos negros, quando?

Se eu aceitar que o tempo não corre só pra frente, como uma locomotiva, e dá retorcidas voltas, comendo o próprio rabo, será que aspiro a negra cavalinha? Percebo sua mansidão, o cheiro de bicho, o pelo macio?

Você usa um relógio de ouro, Bruxo? Ele marca a fria hora da morte desse seu leitor?

***

Carlos Costa é coordenador da equipe de conteúdos multiplataforma do Itaú Cultural.

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