As grandezas do ínfimo

Nos versos de Manoel de Barros, o diminuto – em tamanho e importância – se monumenta. Do caco de vidro à pedra do rio, do inseto ao andarilho, das andorinhas de junho ao trabalho do poeta, tudo o que o imediatismo despreza se mostrava digno da atenção e da estima do autor de Matéria de Poesia (1970) – livro em cuja estrofe inicial Manoel já declarava: “Todas as coisas cujos valores podem ser / disputados no cuspe à distância / servem para a poesia”.

foto: Marcelo Buainain

Compartilhe

acervo pessoal de Manoel de Barros

Em entrevista ao cineasta Joel Pizzini, Manoel de Barros disse, sobre a autoria da expressão: “Depois tive sabendo que a frase não é dele [Guimarães Rosa]. Ele ressalvou isso, mas quando chegou a mim, ao meu conhecimento, eu pensei que a frase fosse dele. (…) Portanto, não é dele nem minha, mas que é linda, é”.

Na obra  Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo (2001), Manoel escreve “Tributo a J. G. Rosa”, poema em que comenta sua admiração pelas palavras roseanas:

Passarinho parou de cantar.
Essa é apenas uma informação.
Passarinho desapareceu de cantar.
Esse é um verso de J. G. Rosa.
Desapareceu de cantar é uma graça verbal.
Poesia é uma graça verbal.

Compartilhe

Um livro mais contundente

Manoel de Barros fala sobre as coisas miúdas, matéria aprofundada na obra Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo (2001).

O registro, inédito, foi disponibilizado pelo cineasta Joel Pizzini.

Compartilhe

acervo pessoal de Manoel de Barros

Primeira edição de Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo (2001), com dedicatória feita por Manoel de Barros para sua esposa, Stella dos Santos Cruz, com quem se casou em 1947 e viveu até morrer, em 2014.

 

Compartilhe

Seção de vídeo

A vida por trás de um prego enferrujado

Para a atriz Cássia Kis, Manoel de Barros foi “um homem que compreendeu a vida” – e, assim, atingiu um nível de humanidade do qual passou a ver o mundo sem julgá-lo, dando a mesma importância, ou importância alguma, a tudo e todos. “Ele traz a beleza da vida nas coisas menores”, diz Cássia, que admira a obra do poeta desde os anos 1990 e estreou, no início de 2019, o espetáculo Meu Quintal É Maior do que o Mundo, realizado com base em textos de Manoel.

Compartilhe

Percorro todas as tardes um quarteirão de paredes
nuas.
Nuas e sujas de idade e ventos.
Vejo muitos rascunhos de pernas de grilos pregados
nas pedras.
As pedras, entretanto, são mais favoráveis a pernas
de moscas do que de grilos.
Pequenos caracóis deixaram suas casas pregadas
nestas pedras
E as suas lemas saíram por aí à procura de outras paredes.
Asas misgalhadinhas de borboletas tingem de azul
estas pedras.
Uma espécie de gosto por tais miudezas me paralisa.
Caminho todas as tardes por estes quarteirões
desertos, é certo.
Mas nunca tenho certeza
Se estou percorrendo o quarteirão deserto
Ou algum deserto em mim.

“Miudezas”, poema publicado em Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo (2001), de Manoel de Barros.

Compartilhe

Trecho de entrevista dada por Manoel de Barros a Martha Barros (sem data)

Compartilhe

Venho de nobres que empobreceram.
Restou-me por fortuna a soberbia.
Com esta doença de grandezas:
Hei de monumentar os insetos!
(Cristo monumentou a Humildade quando beijou os
pés dos seus discípulos.
São Francisco monumentou as aves.
Vieira, os peixes.
Shakespeare, o Amor, A Dúvida, os tolos.
Charles Chaplin monumentou os vagabundos.)
Com esta mania de grandeza:
Hei de monumentar as pobres coisas do chão mijadas de orvalho.

Poema sem título, publicado em Livro sobre Nada (1996), de Manoel de Barros.

Compartilhe

Trecho de entrevista dada por Manoel de Barros a Martha Barros em 1986

Compartilhe

Trecho de entrevista dada por Manoel de Barros a Daniela Name em 1996