por Icaro Mello
Naná Vasconcelos se destacou, entre as múltiplas atuações de sua carreira, pelas parcerias que manteve. Desde seu primeiro álbum gravado, integrando o Yansã Quarteto, até sua parceria com o Itamar Assumpção, Naná trazia consigo uma bagagem musical própria, nascida na cultura popular brasileira e afrodiaspórica, e florescendo em toda a sua criatividade.
Uma de suas grandes parcerias, especialmente nos anos 1980 e 1990, foi com o guitarrista estadounidense Pat Metheny, outro músico famoso por suas parcerias e também pela experimentação. Naná integrou a banda de Metheny por cerca de quatro anos, posteriormente fazendo participações especiais em alguns outros projetos do guitarrista.
Tivemos o prazer de conversar com o músico sobre a relação que eles cultivaram, a riqueza da musicalidade de Naná e como era a dinâmica da banda. Confira abaixo.
Quando você ouviu falar de Naná Vasconcelos pela primeira vez e quando de fato se encontraram?
Acho que, como muitas pessoas internacionalmente, a primeira vez que o ouvi foi no disco que ele fez com Egberto Gismonti para a ECM.
Em 1980, minha banda tocou no festival Free Jazz no Rio de Janeiro. Naná se aproximou sorrateiramente por trás de mim e começou a cantar a melodia da minha música “Airstream” naquele falsete lindo que ele tinha, enquanto dava aquela risada incrível e contagiante pela qual todos o conheciam e o amavam.
Foi um ótimo primeiro contato. Naquele momento, tive instantaneamente a ideia de adicioná-lo a um projeto de dueto que eu havia planejado com Lyle Mays, que estava para acontecer em breve. Eu estava um pouco preocupado sobre como esse projeto iria se desenrolar, e imaginar Naná no meio de tudo trouxe um novo foco. A ideia de ter sua presença natural e terrena parecia oferecer um equilíbrio perfeito para o som denso de sintetizadores e guitarra elétrica que as músicas em que estávamos trabalhando pareciam precisar. Embora Lyle nunca tivesse conhecido Nana até todos nos reunirmos no primeiro dia de gravação em Oslo, foi um encaixe instantâneo. Tivemos apenas três dias para gravar, e isso se tornou o disco As Falls Wichita, So Falls Wichita Falls (1981).
Isso foi o início de alguns ótimos anos em que Naná esteve na minha banda. Foi uma adição fantástica e compartilhamos muitos momentos incríveis no palco e no estúdio. Ter Naná por perto me inspirou a alcançar algumas coisas como compositor que eram realmente interessantes. Sua presença na banda também foi muito proveitosa, pois ele era um pouco mais velho e já estava na estrada há um tempo. Ele entrou ao mesmo tempo que Steve Rodby, e senti que finalmente tinha uma banda que poderia fazer muitas das coisas que eu esperava alcançar ao longo do caminho. Isso está muito bem representado em Offramp (1982), mas especialmente no disco ao vivo Travels (1983).
Em quanto projetos você e Naná trabalharam juntos?
Houve o álbum As Falls Wichita, so falls Wichita Falls, seguido por Offramp e depois Travels. Esses três discos representam o período principal em que eu consegui tê-lo na banda, mas eu sempre ficava feliz em tê-lo como convidado em uma gravação. Anos depois, por exemplo, ele adicionou alguns momentos bonitos ao Secret story (1992).
Como era trabalhar com Naná?
Ele era uma pessoa única e um músico único. Era tanto sério quanto alegre, como muitos músicos são. Era uma pessoa cuja presença era sentida tanto quanto qualquer som que ele pudesse oferecer, e isso é uma qualidade rara. Ele tinha uma vibração especial. Nos divertimos muito juntos na estrada também. Ele era uma pessoa fantástica em todos os aspectos.
O que você considera que foi a troca de conhecimento mais importante entre vocês?
Acho que éramos uma boa combinação. Ele tinha o mesmo tipo de energia que eu no palco. Na verdade, isso é difícil de encontrar. Não importava o quão difícil tinha sido o dia de viagem, quando chegava a hora de tocar, ele sempre estava lá. No nível musical, nós conseguíamos tocar juntos instantaneamente.
Como líder de banda, uma grande parte do meu trabalho é reunir pessoas que sejam musicalmente e pessoalmente compatíveis e, em seguida, criar músicas e uma apresentação onde todos possam fazer o que fazem de melhor. Com Naná, isso significava explorar os tipos de grooves nos quais ele era especialmente bom. Isso se encaixava perfeitamente com as coisas nas quais eu estava interessado e escrevendo na época, como “Are you going with me”. E o fato de ele também poder cantar me proporcionou algo que eu estava procurando: introduzir um respiro nas músicas para contrastar com a natureza da guitarra elétrica, piano e sintetizadores.
Naquele momento, assim como agora, eu só procuro convergência. Não apenas com Naná, mas de modo geral. Meu objetivo ao contratar alguém é descobrir o que eles fazem de melhor e fazer muito disso.
O que você considera as maiores contribuições que Naná trouxe para a música?
Acho que ele segue os passos de outro grande artista brasileiro, Airto [Moreira], que de certa forma definiu o papel do percussionista na era moderna. Naná era semelhante no sentido de que ele podia adicionar cor, assim como groove, a qualquer situação improvisada. Mas, novamente, com Naná, sua presença por si só era notável e única. Apenas ao ficar lá, parecia que ele mudava as coisas.
O que você considera o maior legado que Naná deixou para o mundo?
Ele, como os melhores artistas em qualquer campo, era único. Há algumas coisas específicas, como seu trabalho com o berimbau, que são realmente notáveis, mas, novamente, é essa coisa quase intangível da presença que o diferenciava.
Cada minuto com Nana foi simplesmente ótimo. Me sinto muito sortudo por tê-lo conhecido e por termos podido compartilhar nosso tempo no planeta juntos em tantas noites maravilhosas nos palcos do mundo. E a música desses álbums que mencionei conta a história melhor do que qualquer coisa que eu possa dizer com palavras.