O arquiteto integral

O arquiteto e urbanista Rino Levi se destaca pela variedade e qualidade de projetos que marcam a paisagem urbana de São Paulo, assim como por sua atuação em favor da regulamentação da profissão no Brasil.

Filho de italianos, nascido em 1901 na capital paulista, forma-se em Roma, na Itália, em 1926. De volta ao país, funda pioneiramente um escritório só de arquitetura, que atua na metropolização do município de São Paulo e permanece em atividade após a sua morte, em 1965.

Rino Levi durante a construção do Edifício Columbus (1930-1934), na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo | Acervo Digital Rino Levi, FAU PUC-Campinas | livro Rino Levi – Arquitetura e Cidade, de Renato Anelli, Abilio Guerra e Nelson Kon

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Rino Levi, um arquiteto integral

por Hugo Segawa, Joana Mello, Mônica Junqueira de Camargo e Tatiana Sakurai

Em 1901, quando Rino Levi nasceu, São Paulo tinha cerca de 239 mil habitantes. Vinte e cinco anos depois, em 1926, quando ele retornou ao Brasil formado pela Escola Superior de Arquitetura de Roma, a cidade já tinha mais de 580 mil habitantes, alcançando nos anos 1960 – quando o arquiteto faleceu, durante uma das habituais expedições de reconhecimento da flora brasileira que realizava junto com o paisagista, colaborador e amigo Roberto Burle Marx – para além de 3 milhões de habitantes. Participaram desse crescimento populacional exponencial italianos, como os pais do arquiteto, mas também espanhóis, alemães, japoneses, árabes e imigrantes de outras nacionalidades, a quem se somaram brasileiros vindos de várias partes do país em busca de novas oportunidades de vida e de trabalho. Em um primeiro momento, muitos deles se vincularam à economia cafeeira, mas logo viram nas atividades a ela atreladas – como o mercado imobiliário, a indústria, o comércio e os serviços – outras possibilidades que fizeram de São Paulo uma metrópole moderna.

Rino Levi é filho desse processo para o qual contribui como arquiteto, atuando em todas as frentes da metropolização paulistana: a verticalização das áreas centrais que concentram as atividades de serviço, comércio, lazer e cultura; a expansão horizontal da mancha urbana por meio de bairros residenciais de classes sociais distintas; a diversificação e a especialização das atividades econômicas e profissionais. Um dos primeiros arquitetos a fundar um escritório exclusivamente dedicado ao projeto, Levi constrói parcerias com profissionais de várias áreas por considerar, como Walter Gropius, que o arquiteto é um “coordenador, cuja missão é unificar os inúmeros problemas sociais, técnicos, econômicos e plásticos inerentes à construção” (Rino Levi, O Sentido da Síntese na Arquitetura Moderna – conferência realizada na FAU/USP no dia 9 de maio de 1962).

Entre as associações mais longevas estão as firmadas com Roberto Cerqueira Cesar e Luiz Roberto Carvalho Franco, sócios a partir de 1945 e 1955, respectivamente. No início da carreira, entre as décadas de 1920 e 1930, a maior parte de suas encomendas foi de casas geminadas, como as projetadas para Luiz Manfro, ou de residências unifamiliares, nas quais prevalece uma organização mais formal e setorizada do morar, como a idealizada para Delfina Ferrabino.

Em meados dos anos 1930 começa a aumentar o número de encomendas de edifícios residenciais, como o Prudência, em que o arquiteto desenha uma maior integração da área social, assim como uma flexibilidade na disposição dos ambientes, cujas divisões eram realizadas por meio de mobiliário. A mesma solução é adotada em sua residência particular e nas que posteriormente realizou – como a Residência Milton Guper –, nas quais propôs também a introversão dos ambientes sociais e íntimos para dentro do lote, voltando os serviços para a rua, e a revisão da tradicional separação entre interior e exterior em favor de uma continuidade que tornasse a casa mais aberta, alegre e humana, graças à convivência com a natureza.

É a partir da segunda metade dos anos 1930 que Levi realiza projetos de cinemas e teatros, como o Cine Ufa-Palácio e o Teatro Cultura Artística. Neles, enfrenta programas mais complexos que articulam usos diversos e exigem um conhecimento técnico específico, como o de acústica, mas também de fluxos, infraestrutura, conforto e higiene, como no caso de hospitais – por exemplo, o Hospital Antônio Cândido de Camargo, do Instituto Central do Câncer –, que fazem do arquiteto um especialista com alto grau de reconhecimento dentro e fora do campo profissional brasileiro e mesmo internacional.

São desse período ainda os edifícios de escritórios, nos quais Levi explora os elementos de proteção solar, investe em volumetrias mais complexas em função dos usos e da geometria dos terrenos e adota a mesma estratégia de flexibilidade das plantas, como se nota no Banco Sul-Americano do Brasil. Nele, percebem-se a atenção recorrente ao paisagismo e ao esforço de promover o contato do público com a natureza e a intenção de integrar arquitetura, pintura e escultura, promovendo uma síntese cara aos arquitetos modernos. Mesmo em programas mais técnicos ou pragmáticos, como o industrial, ou de larga escala, esse propósito de integrar arquitetura, artes e natureza não se perde, conforme observado na Tecelagem Paraíba e no Centro Cívico de Santo André.

Além da diversidade de projetos realizados, impressiona a capacidade de Rino Levi de assumir uma postura muito objetiva diante de encomendas reais, enfrentando condições urbanas e materiais específicas, além de exigências técnicas e funcionais, mas também de idealizar novas formas de organização da cidade e de suas atividades – como se vê na proposta do Edifício Garagem ou no Plano Piloto de Brasília –, e de, em qualquer um dos casos, atentar para a escala cotidiana, produzindo espaços e artefatos que deem suporte ao conjunto de ações humanas.

Dessa forma, atuando em um ambiente marcado pelo cosmopolitismo em um momento de revisão do academicismo arquitetônico vigente, Rino Levi participou ativamente da modernização da cidade no período de sua brutal expansão e metropolização, introduzindo novos padrões espaciais, técnicos e estéticos. Com grande preocupação pelos problemas urbanos, sem adesão a uma doutrina específica e à pretensão de revolucionar os cânones teóricos, sua arquitetura é fruto da busca de soluções simples e de uma linguagem marcada pela abstração e pela ausência de decoração.

Pensando-se como um “arquiteto integral”, Rino Levi defendeu à frente de seu escritório, e também como professor e presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, que a sua atividade profissional se estendia “desde o desenho dos objetos de utilidade imediata, ao desenho da construção, à cenografia, aos problemas de circulação, ao paisagismo e aos conjuntos comunitários, urbanos, rurais e regionais, compreendendo toda a complexidade de conhecimentos e de aspectos próprios de cada um desses setores” (Rino Levi, O Ensino da Arquitetura – conferência realizada na
Universidade Mackenzie, a convite do Grêmio da Faculdade de Arquitetura, no dia 16 de outubro de 1956). Os projetos expostos na Ocupação Rino Levi e reunidos nesta publicação, em infográficos, testemunham o quanto o arquiteto investigou essas várias áreas de atuação e o quanto ele ainda tem a nos ensinar.

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O arquiteto e urbanista Rino Levi

Um perfil do arquiteto e urbanista Rino Levi (1901-1965), nome fundamental no processo de transformação da cidade de São Paulo em uma metrópole. O vídeo conta com depoimentos da filha de Rino, Barbara Levi, dos arquitetos Nestor Goulart Reis Filho e Roberto Loeb e dos professores Joana Mello, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), e Renato Anelli, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP.

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Rino Levi e a verticalização de São Paulo

Joana Mello, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), fala sobre os dois momentos do processo de verticalização da capital paulista, no início do século XX. Conta que entre as décadas de 1920 e 1930 a construção de edifícios se deu principalmente na área central da cidade, com prédios comerciais. Já entre as décadas de 1940 e 1950, o fenômeno se expandiu para outras regiões, com mais construções de caráter residencial.

A professora explica que o arquiteto Rino Levi (1901-1965) contribuiu para esse processo com projetos de notável qualidade técnica e atenção aos detalhes. O arquiteto Roberto Loeb lembra que a atenção de Rino a particularidades da iluminação e da ventilação era um diferencial diante de um momento de especulação imobiliária.

O arquiteto Paulo Bruna destaca que o colega foi um dos primeiros a estudar o funcionamento dos hospitais modernos no pós-guerra, o que contribuiu para que se tornasse membro da Organização Mundial da Saúde (OMS). O também arquiteto Nestor Goulart Reis Filho fala sobre alguns dos hospitais projetados por Rino, como o Hospital do Câncer, e suas características.

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A architectura e a esthetica das cidades – Uma carta de um estudante brasileiro em Roma

por Rino Levi

[Transcrição de artigo de Rino Levi publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 15 de outubro de 1925. A grafia do texto original foi mantida]

De Roma, onde está cursando a Escola Superior de Architectura, escreve-nos o sr. Rino Levi, nosso compatriota, a seguinte carta:

“É digno de nota o movimento que se manifesta hoje nas artes e principalmente na architectura. Tudo faz crer que uma éra nova está para surgir, se já não está encaminhada.

A architectura, como arte mãe, é a que mais se resente dos influxos modernos devido aos novos materiaes á disposição do artista, aos grandes progressos conseguidos nestes ultimos annos na technica da construcção e sobre tudo ao novo espirito que reina em contraposição ao neo-classicismo, frio e insipido. Portanto praticidade e economia, architectura de volumes, linhas simples, poucos elementos decorativos, mas sinceros e bem em destaque, nada de mascarar a estructura do edificio para conseguir effeitos que no mais das vezes são desproporcionados ao fim, a que constituem sempre uma coisa falsa e artificial.

Sente-se ainda a influencia do classicismo que, aliás, hoje se estuda melhor procurando sentir e interpretar o seu espírito evitando-se a imitação, já bastante desfrutada, dos seus elementos.

As velhas formas e os velhos systemas já fizeram sua época. É mister que o artista crie alguma coisa de novo e que consiga maior fusão entre o que é estructura e o que é decoração; para conseguir isto o artista deve ser tambem technico: uma somente inventiva e não mais o trabalho combinado do artista que projecta e do technico que executa.

Não ha arte onde não ha o artista, mas o joven, nos annos em que se forma e adquire uma personalidade, deve ser posto ao contacto das necessidades modernas para que se eduque ao espirito do seu tempo e possa constituir uma alma sensível e correspondente ao gosto dos seus contemporaneos.

Toda obra de arte deve ser ambientada, isto é, deve ser vista sob uma determinada luz, sob uma determinada visual e deve estar em harmonia com os objectos que a contornam. Um monumento concebido para uma pequena praça e com uma orientação prefixada perde muito do seu effeito se não é collocado no ponto no qual o via o artista com seu pensamento quando o projectava. Fixada esta idéa é evidente que as construcções, que com mau systema, hoje se projectam sem preoccupação alguma da sua orientação e da sua adaptação ao logar, constituem uma offensa á esthetica das cidades.

A esthetica das cidades é um novo estudo necessario ao architecto e a este estudo está estrictamente connexo o estudo da viação e todos os demais problemas urbanos.

Uma rua que nasce deve ser estudada no plano regulador da cidade e deve ser planejada de modo que corresponda a todas as necessidades technicas e estheticas sem, ao mesmo tempo, prejudicar as bellezas que eventualmente existam nas suas vizinhanças.

Por exemplo, se é possivel dar a uma rua, como fundo, um monumento, uma cupola ou simplesmente um jardim, porque não fazel-o se a esthetica da rua ganharia com esta visual e se o monumento, a cupola ou o jardim terão a ganhar no seu effeito?

As ruas parallelas e perpendiculares, como são projectadas quasi sempre hoje nas cidades novas, na maior parte das vezes resultam monotonas e nem sempre correspondem ás necessidades praticas. Sobre este assumpto não se póde estabelecer uma theoria; discute-se muito principalmente na França e na Allemanha más até hoje a idéa predominante é que é preciso examinar e resolver caso por caso.

Na Allemanha a estes estudos foi dado o nome de politica da cidade; na França alguns dos mais valentes architectos dedicam-se completamente a este novo ramo da arte da cidade; na nova Escola Superior de Architectura de Roma, há uma cathedra de “Edilizia” regida pelo distincto architecto Marcello Piacentini, uma das authoridades mais competentes da Italia sobre essa assumpto.

É um problema este que interessa muito o Brasil onde as cidades estão em pleno desenvolvimento e portanto merece a maxima consideração.

É preciso estudar o que se fez e o que se está fazendo no exterior e resolver os nossos casos sobre esthetica da cidade com alma brasileira. Pelo nosso clima, pela nossa natureza e nossos costumes as nossas cidades devem ter um caracter diferente das da Europa.

Creio que a nossa florescente vegetação e todas as nossas inigualaveis bellezas naturaes podem e devem suggerir aos nossos artistas alguma coisa de original dando ás nossas cidades uma graça de vivacidade e de côres, unica no mundo.”

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Metodologia de trabalho de Rino Levi

Em seu escritório, Rino Levi seguia à risca alguns hábitos. Renato Anelli, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU/USP), destaca particularidades do trabalho do arquiteto e urbanista. Os arquitetos Paulo Bruna, Nicola Pugliese e Roberto Loeb, que conviveram com Rino, relembram o trabalho regrado desempenhado pelo fundador do Rino Levi Arquitetos Associados e como ele era como profissional. Pontual e detalhista foram algumas das características usadas para descrevê-lo.

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O legado de Rino Levi para a arquitetura

Colaborando para a distinção da arquitetura em relação às artes visuais e à engenharia, o arquiteto e urbanista Rino Levi fundou na capital paulista o primeiro escritório dedicado exclusivamente ao projeto arquitetônico, o Rino Levi Arquitetos Associados, que ajudou a formar grandes nomes da profissão. Renato Anelli, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU/USP), Barbara Levi, filha do homenageado, e Joana Mello, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, comentam essas e outras contribuições de Rino para a história da arquitetura no país.