paixão absoluta
Para ser ator, é preciso ser uma paixão absoluta; para tentar teatro, é necessário que teatro seja a coisa mais importante da sua vida; se assim não for, desista, teatro não é o seu lugar.
[Sergio em O Teatro e Eu – Memórias]
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1950 e Teatro Novo
Barbara Heliodora é crítica, ensaísta, professora e tradutora. É a pesquisadora de Shakespeare com maior autoridade no país. Fez críticas para o Jornal do Brasil de 1958 a 1964, dirigiu o Serviço Nacional de Teatro (SNT), de 1964 a 1967, e então se dedicou à tradução. Em 1986, retornou à crítica, para a revista Visão. De 1990 até hoje, realiza esse trabalho para o jornal O Globo.
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Festa de Aniversário (1973) e Fim de Jogo (1970)
Amir Haddad é diretor e ator. Fundou o grupo Tá na Rua e participou da criação do Teatro Oficina. Dirigiu Sergio nas peças Fim de Jogo (1979), de Samuel Beckett, O Marido Vai à Caça (1971), de Georges Feydeau; Tango (1972), de Slawomir Mrożek; e Festa de Aniversário (1972), de Harold Pinter.
Sergio Britto – obra do tempo, obra de arte
O tempo é o grande escultor das pessoas: o ser humano existe no interior de referências traçadas por sua época. A noção de tempo, contudo, é uma noção ampla – o tempo obedece a limites objetivos, ditados pelo lugar onde a pessoa vive. Essa definição do tempo é de extrema importância para que se possa compreender a vida e a arte do ator Sergio Britto. Pois a sua identidade artística, densa, multifacetada, inquieta e generosa, não pode ser traçada sem que se leve em conta o tempo em que viveu e no qual concebeu sua arte. E, afinal, a sua própria ação gerou limites subjetivos, capazes de impor coloridos especiais ao tempo em que viveu.
Sergio Britto nasceu no Rio de Janeiro em 1923. A sua formação aconteceu no interior de um processo histórico de grande mudança da cidade, do início do século XX até a década de 1940. Em virtude de sucessivas investidas urbanísticas, o Rio de Janeiro, capital federal, se transformou na “cidade maravilhosa”. Ao longo do período, buscou-se dissolver a imagem de inferno dos trópicos, dominante no século anterior. O encanto, em paralelo, acabou por provocar grandes correntes migratórias, responsáveis, ao final, pelo aparecimento da megalópole atual.
Ao mesmo tempo, contudo, a potência econômica da cidade e do estado, absoluta no século XIX, declinava e era suplantada pelo ritmo acelerado de São Paulo, estado que se tornou hegemônico na década de 1940. Ainda assim, o notável crescimento paulista, impulsionado pela cafeicultura e pela industrialização, não transformou de imediato a cena de produção cultural local em referência primeira para o país. A tradição, a estruturação do mercado, o jogo político, o encanto do cenário natural aliado aos cálculos urbanísticos mantiveram a liderança cultural do Rio de Janeiro ao longo do século XX praticamente inconteste, com algumas notas peculiares, no entanto.
No teatro, o Rio de Janeiro contava com a presença dos artistas brasileiros de maior projeção, um razoável número de casas de espetáculo e, em especial, um público fiel, que prestigiava suas estrelas e era cortejado nas propostas apresentadas, preocupadas com o gosto da plateia. A vida teatral se organizava no tom ditado pelos portugueses desde os idos dos novecentos: as unidades de produção eram as companhias de atores, lideradas por um nome de peso, o primeiro ator, com frequência um intérprete especializado na arte da comédia.
Era um dispositivo de produção alimentado pela bilheteria, que não podia falhar, de ritmo ágil – as peças eram apresentadas de segunda a segunda, sem descanso, por vezes em várias sessões diárias. Os espetáculos de sucesso passavam a constituir o repertório; as peças fracassadas eram imediatamente retiradas de cartaz, substituídas por algo bem-sucedido. Assim, além das apresentações noturnas, os elencos ensaiavam as novas propostas ou repassavam as antigas durante o dia.
A forma dos ensaios era simples: não era obrigatório saber os textos de cor, pois o “ponto” soprava as falas. A movimentação em cena era codificada, graças aos números e algarismos de colocação; o ensaiador, em geral um ator mais velho, coordenava as idas e vindas do elenco no tablado, para que o primeiro ator estivesse sempre em destaque e houvesse fluidez nos movimentos. Em geral o figurino pertencia aos atores, ferramenta decisiva para conquistar bons contratos. A iluminação e a cenografia eram utilitárias, deviam apenas garantir boas molduras para os intérpretes e para a ação exposta no palco.
Nessa cena se projetaram grandes nomes, verdadeiros monstros sagrados – Leopoldo Froes (1882-1932), Procópio Ferreira (1898-1979), Jaime Costa (1897- 1967), Dulcina de Moraes (1908-1996), Itália Fausta (1887?-1951) foram os maiores destaques. O principal gênero praticado era a comédia, seguido pelo drama de fortes cores sentimentais. Eram escolhidos textos capazes de mobilizar o sentimentalismo do público, em uma linha distante de grandes debates intelectuais e ousadias estéticas.
Ao longo dos anos 1930, jovens artistas e intelectuais começaram a pretender um palco diferente, de maior impacto artístico, e a criticar com acidez esse teatro de bilheteria, chamado de antigo. A sua inspiração vinha dos movimentos de vanguarda europeus, desde o final do século XIX propondo a liderança dos diretores encenadores, a montagem das peças regida pelo conceito de encenação (ou criação poética), a defesa de um conteúdo poético forte para os textos e a derrubada dos atores monstros sagrados.
No Brasil, as primeiras iniciativas voltadas para a transformação radical da cena foram propostas como fatos isolados e partiram do teatro amador. Para a classe teatral profissional, a mudança era impensável. A proposta de maior repercussão em todo o território brasileiro foi a criação no Rio do Teatro do Estudante do Brasil (TEB), por Paschoal Carlos Magno, conjunto responsável pela estreia, em 1938, de Romeu e Julieta, de Shakespeare, autor que não era montado no país.
Graças ao perfil de agitador cultural de Paschoal, a montagem provocou o aparecimento de grupos de estudantes e estimulou a ampliação do teatro amador por toda a parte, segundo outras diretrizes. Em primeiro lugar, cogitava-se recrutar uma classe teatral, oriunda do segmento social mais inquieto, o estudantil. Em segundo lugar, foi proposta a figura do diretor, função exercida nesse trabalho por uma velha atriz celebrada por seu enorme talento e sólida cultura sobre as artes cênicas, a veterana Itália Fausta, que se transmudou em lenda para a nova geração. E, finalmente, eram pretendidas uma mudança de repertório, com textos de padrão intelectual inquestionável, e de público, informado e divorciado da ideia do teatro como diversão superficial.
A aventura estimulou a criação do Teatro Universitário, de Jerusa Camões, que se reuniria depois ao TEB, conjunto em que Sergio Britto iniciou sua carreira de ator em 1945. Em São Paulo, surgiram o Grupo Universitário de Teatro (GUT), liderado por Décio de Almeida Prado, e se estruturou formalmente o Grupo de Teatro Experimental (GTE), em torno de Alfredo Mesquita.
A renovação fez surgir também grupos amadores que se tornaram marcos estéticos. O mais destacado de todos, Os Comediantes, estreou em 1940, com A Verdade de Cada Um, de Luigi Pirandello. Alcançou, entretanto, projeção histórica com a montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, com direção de Zbigniew Ziembinski, em 1943, espetáculo que para alguns historiadores é o ponto inaugural do teatro moderno brasileiro, a arte nova da cena, uma ruptura com o teatro dos velhos atores.
Em 1947, Sergio Britto conheceu Paschoal Carlos Magno; ao lado do amigo Sérgio Cardoso foi selecionado para integrar uma nova montagem do TEB, Hamlet, dirigida por Hoffmann Harnish. Ainda nesse momento o ator insistia em seguir a carreira de médico, curso que concluiu nesse mesmo ano. Mas a vinculação ao TEB estabeleceu a sintonia com um mundo efervescente de debate da arte – em razão de sua cultura teatral e cinematográfica, Britto foi convidado para escrever colunas para o jornal Correio da Manhã, periódico em que Paschoal Carlos Magno desempenhava a função de crítico e se preocupava em estimular o ofício, lançando novos nomes.
Nos anos 1940, a cena carioca viveu uma tensão forte entre novos e velhos. O espaço profissional incorporava alguns nomes e algumas práticas, mas pouco se modificava. Ao lado de Sérgio Cardoso, Sergio Britto tentou iniciar a carreira profissional com a fundação do Teatro dos Doze, conjunto de jovens dispostos a lutar pelo teatro moderno (1949). Tanto essa empresa como várias outras semelhantes criadas naquele momento tiveram vida curta, derrotadas pela rigidez da estrutura de mercado dominante no Rio de Janeiro.
Uma delas, o Teatro Popular de Arte, reuniu a velha atriz Itália Fausta, seu sobrinho Sandro Polônio e a jovem atriz Maria Della Costa e foi uma nova tentativa para profissionalizar os amadores remanescentes de Os Comediantes. A empreitada durou cerca de um ano – lançou um texto de Nelson Rodrigues, Anjo Negro, projetou um novo diretor estrangeiro, Ruggero Jacobbi, instituiu uma nova política de repertório de oscilação entre peças comerciais e culturais, entre outras mudanças significativas.
Além disso, o TPA foi uma proposta sugestiva de companhia teatral moderna, modelo que inspirou o industrial Franco Zampari para a profissionalização, a partir de 1949, de um coletivo novo em São Paulo, apto a mudar radicalmente o perfil do teatro brasileiro – o Teatro Brasileiro de Comédia (1948-1964), inaugurado no ano anterior como edifício teatral para a nova geração.
O TPA propôs também outro gesto radical novo no cenário cultural brasileiro – mudou-se para São Paulo, onde se transformaria na Companhia Maria Della Costa (1948-1974). A ação se tornou fato corrente na realidade brasileira ao longo dos anos 1950, em que o eixo teatral do país se deslocou da Cidade Maravilhosa para a capital paulista. Enquanto no Rio persistia o velho teatro comercial, em um processo de lenta transformação e de liquidação, todos os jovens talentos do país migravam para São Paulo, fascinados pelas novas formas da arte do teatro.
O mesmo percurso foi feito por Sergio Britto. Em São Paulo, ele integrou conjuntos que apresentavam propostas intensas de mudança. O teatro da sociedade urbana e industrial brasileira nasceu então, passou a ser um turbilhão permanente de novas propostas e projetos.
Assim surgiu o Teatro de Arena (1953), a princípio um espaço e uma forma de produção diferentes, mais tarde uma visão renovada da dramaturgia, do elenco e da arte de representar. No final da década, primeiro vinculado ao Arena, para depois formular uma poética de ácido questionamento dos valores individuais, nasceu o Teatro Oficina (1958). A partir do TBC, várias companhias modernas de atores surgiram na cidade, seguindo uma diretriz poética associável a esse primeiro grande núcleo profissional – Madalena Nicol-Ruggero Jacobbi, Sociedade Paulista de Teatro, Teatro de Equipe, Cia. Nicette Bruno, Cia. Nydia Lícia-Sérgio Cardoso, Cia. Tônia-Celi-Autran, Pequeno Teatro de Comédia, Cia. Cacilda Becker.
De São Paulo, as companhias modernas migraram para o Rio de Janeiro, contribuindo para a modificação decisiva do cenário carioca a partir do final dos anos 1950. A rigor, a primeira grande empresa teatral moderna a propor uma nova forma no Rio em um sentido diferenciado daquele do TBC foi o Teatro dos Sete (1959-1966) – empreendimento que marcou o retorno do ator Sergio Britto à sua cidade natal. Ao seu lado estavam o diretor Gianni Ratto e os atores Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi e Fernando Torres.
A partir de então, atuando nos palcos, na televisão, na criação de teatros e centros culturais, nos jornais, em escolas e junto a grupos e companhias, nas mais diferentes funções, Sergio Britto se projetou como um notável homem de teatro, um grande empreendedor. De certo modo, formado na agitação febril do nascimento do teatro moderno, ele espelhou o dinamismo contemporâneo, foi um formulador de novas proposições para as artes cênicas brasileiras, sensível às demandas de sua época, responsável pela impressão de outros tons no seu próprio tempo, no tempo que o criou.
Referências bibliográficas sumárias:
Brandão, Tania. A máquina de repetir e a fábrica de estrelas. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2002.
Brandão, Tania. Uma empresa e seus segredos: Cia Maria Della Costa (1948-1974). São Paulo: Perspectiva, 2009.
Britto, Sergio. Fábrica de ilusão. Rio de Janeiro: Funarte/Salamandra, 1996.
Britto, Sergio. O teatro & eu. Rio de Janeiro: Tinta Negra, 2010.
Prado, Décio de Almeida. O teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva, 1988.
Tania Brandão é doutora em história social, livre-docente em direção teatral, pesquisadora de história do teatro brasileiro, professora do programa de pós-graduação em artes cênicas da Unirio e crítica de teatro.
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Contribuição
Barbara Heliodora é crítica, ensaísta, professora e tradutora. É a pesquisadora de Shakespeare com maior autoridade no país. Fez críticas para o Jornal do Brasil de 1958 a 1964, dirigiu o Serviço Nacional de Teatro (SNT), de 1964 a 1967, e então se dedicou à tradução. Em 1986, retornou à crítica, para a revista Visão. De 1990 até hoje, realiza esse trabalho para o jornal O Globo.
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Grande Teatro, Novela Brasileira, Televisão
Hermes Frederico é um dos curadores desta Ocupação. É professor da PUC-RJ, diretor da Casa de Artes das Laranjeiras (CAL) e produtor teatral. Coproduz o programa Damas da TV, do Canal Vida, que reúne atrizes relevantes dos 50 anos das telenovelas nacionais. Convidou Sergio para três espetáculos: Longa Jornada de um Dia Noite Adentro (2003), de Eugene O’Neill; Outono e Inverno (2007), de Lars Norén; e As Pequenas Raposas (2009), de Lillian Hellman.
os possessos
sergio e fernanda (1)
sergio e fernanda (2)
sergio, fernanda e nathalia
um jogo perigoso
Eu era um ator que tentava um jogo perigoso, onde tudo podia sair errado, mas eu tentava. Eu queria descobrir o som das palavras, o soar delas no espaço, o caminho do meu me comunicar com o público.
[Sergio em O Teatro e Eu – Memórias]
sergio e maria
sergio e nathalia
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Sergio entre Duas Gerações
Amir Haddad é diretor e ator. Fundou o grupo Tá na Rua e participou da criação do Teatro Oficina. Dirigiu Sergio nas peças Fim de Jogo (1979), de Samuel Beckett, O Marido Vai à Caça (1971), de Georges Feydeau; Tango (1972), de Slawomir Mrożek; e Festa de Aniversário (1972), de Harold Pinter.
autos sacramentais
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Teatro dos Quatro: Formação
Paulo Mamede é diretor, cenógrafo, figurinista e artista visual. Em 1978, fundou, com Sergio Britto e Mimina Roveda, o Teatro dos Quatro. O grupo se manteve até o início da década de 1990. Dirigiu Sergio nas peças Afinal, uma Mulher de Negócios (1981), de Rainer Fassbinder; O Suicídio (1982), de Nikolai Erdman; A Imaculada (1986), de Franco Scaglia; A Cerimônia do Adeus (1987), de Mauro Rasi.
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sergio e cleyde
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Exigente e Aberto
Paulo Mamede é diretor, cenógrafo, figurinista e artista visual. Em 1978, fundou, com Sergio Britto e Mimina Roveda, o Teatro dos Quatro. O grupo se manteve até o início da década de 1990. Dirigiu Sergio nas peças Afinal, uma Mulher de Negócios (1981), de Rainer Fassbinder; O Suicídio (1982), de Nikolai Erdman; A Imaculada (1986), de Franco Scaglia; A Cerimônia do Adeus (1987), de Mauro Rasi.