Um Dia de Vida da Cidade Nova
Dos Enviados Especiais
BRASÍLIA, 22 (“Estado”)— Ás 9 horas e 30 de hoje, Brasilia completou um dia de vida oficial. Criança que é, a nova Capital brasileira iniciou uma manhã com uma festa dedicada ás crianças, ás centenas de crianças que aqui vivem e ás muitas que aqui nasceram. Como convém a uma criança, Brasilia também brincou, E claro, houve também coisas serias, solenidades que se constituiram nos pontos altos da inauguração: a missa campal, os atos de instalação da Camara, do Senado, do Congresso e dos Tribunais de instancia superior. Para confirmar o tom de seriedade do acontecimento, vêem-se em Brasilia numerosas casacas e lustrosas cartolas. Colarinhos engomados, em cujos bordos percebe-se o autografo vermelho do planalto goiano.
Mas Brasilia é uma criança. Ainda recém-nascida, brincou com fogo, naturalmente de artificio. Ontem á noite e hoje, entre uma e outra sessão solene, entre a chegada de um governador, um almoço oficial e a partida de um prelado, Brasilia ilumina o seu céu com espetáculo multicolorido e barulhento.
METAMORFOSE
Milhares de assistentes acompanham o espetaculo e mal têm tempo de assimilar as maravilhas que lhes são mostradas em sessões continuas, de manhã á noite. Este publico é constituido por um bom número de crianças, mas, sobretudo, por uma esmagadora maioria de adultos. Adultos que, para poder gozar em sua plenitude tudo quanto lhes é dado ver, precisam a todo momento colocar-se na pele das crianças que já foram para, deste modo, tornarem-se permeaveis á grandiosidade, ao fausto, ao bombastico e imunizarem-se contra a poeira, a confusão, a precariedade de meios de comunicação, os discursos laudatorios, repletos de vazia retorica.
A curiosidade infantil levou milhares de pessoas ás solenidades da praça dos Três Poderes. Ao avançar das horas, muitos dormiram durante a missa; poucos dormiram no espetaculo pirotecnico.
Vitima ele proprio da metamorfose geral, o presidente da Republica quase sempre sorri. Por que sorri muito de manhã, franze a testa quando o dia vai em meio e não se furta a um bocejo quando desce a noite. Brinca bastante o presidente. Concede autografos ás centenas, aperta a mão de todos quantos conseguem chegar-lhe perto. Dá entrevistas ao microfone e responde de bom grado, dezenas de vezes, ás mesmas perguntas. Sua expansividade, por vezes, torna-se perigosa, como quando, por ocasião da cerimonia no monumento, o poeta Guilherme de Almeida e alguns ministros viram-no, desgostoso com o excessivo zelo dos guardas da Policia do Exercito, que impediam a aproximação do povo, esboçar um gesto de “venham cá”, e a multidão, numa fração de segundo obedeceu.
Até a natureza, honestamente brincalhona, colabora com o chefe do Executivo: momentos antes da assinatura dos atos da fundação, o céu de Brasilia apresentava-lhe uma alvorada luminosa. Á tarde, o desfile militar realizou-se sob a moldura de um gigantesco arco-iris. O espetaculo pirotecnico da noite de 21 de abril rivalizou com o cintilar das estrelas.
RESCALDO
A criança nasceu. A curiosidade que precedeu ao feliz evento, em boa parte satisfeita, mostra os seus efeitos. Vinte e quatro horas depois, há menos gente nas ruas de Brasilia. O forasteiro já pode com alguma facilidade encontrar alimento. Pode também encontrar lugar para dormir.
Nas ruas fala-se menos francês, menos inglês, menos italiano e muito menos espanhol. Com um pouco de sorte, poderá encontrar-se um brasileiro.
Agora, a poeira não é tanta nas ruas de Brasilia. Ela é maior nas estradas que ligam a nova Capital aos diversos estados. Centenas de automoveis empreendem a viagem de regresso. Os aviões, que antes partiam de Brasilia vazios, ainda não chegam vazios, mas partem cheios.
Brasilia tem agora um dia de vida. Amanhã terá dois. Os que viram-o seu nascimento fazem conjeturas sobre o futuro da criança: tem boa saude? Parece-se mais com o pai ou com a mãe? Será bem sucedida na vida? Demorará muito a ter coqueluche?
Estas e outras perguntas, fazem-se a si mesmos e entre si os que estão ou estiveram em Brasilia. Numa coisa, porém, são concordes: a criança é linda. Ainda é um pouco suja, más, convenhamos, só tem um dia…