Série reúne relatos de fotógrafos profissionais ao redor do mundo sobre a pandemia de coronavírus. Segundo depoimento vem de Paris, França, através da fotógrafa francesa Léa Rener
Publicado em 01/05/2020
Atualizado às 11:39 de 17/08/2022
Editor do blog About Light, Cassiano Viana tem conversado com fotógrafos residentes em diversos países sobre os impactos, as transformações e o cotidiano durante a crise mundial da covid-19. “Não é sobre técnica ou sobre o ato de fotografar em si. É muito mais uma correspondência com pessoas de diferentes realidades e que têm o olhar, a observação e o registro através de imagens como meio de expressão e forma de materializar os sentimentos nestes tempos de isolamento”, explica Viana.
Olhares sobre a Covid-19, Marco Zero, relato 2
Léa Rener – Paris, França
A França está em guerra
por Cassiano Viana
No dia 12 de março, Emmanuel Macron anunciava, em tom grave, as primeiras medidas para controle do avanço da covid-19 na França. "Estamos em guerra", afirmava o presidente francês, em um discurso televisionado que durou mais de 25 minutos. "Uma guerra sanitária", completava, acrescentando que aquela era a pior crise que atingia a França em 100 anos.
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"Naquela noite, eu estava trabalhando na abertura de um festival de cinema", lembra a fotógrafa francesa Léa Rener, 29 anos. "No encerramento da solenidade já sabíamos que seria difícil levar o evento até o fim", conta.
Entre as recomendações do governo francês estava o isolamento para evitar o risco de contaminação e o fechamento de escolas, universidades, bares, restaurantes, cinemas e cafés. "O governo, no entanto, decidiu manter as eleições municipais que aconteceriam alguns dias depois no país", lembra. "Esse estado obscuro em torno das medidas nos deixou com uma pequena esperança", diz. "Mas logo no dia seguinte confirmaram o cancelamento do festival de cinema".
No dia 16 de março, tinha início a quarentena na França, com um confinamento mandatório. No dia seguinte, o país anunciava o fechamento de suas fronteiras. "Foram dias realmente estranhos com as eleições municipais e as pessoas aproveitando o início da primavera", recorda. "Tirei algumas imagens deste período paradoxal. Depois disso, muitas pessoas fugiram da cidade temendo o início iminente da contenção", conta Léa.
"Profissionalmente, minha atividade como fotógrafa parou. Mas venho tirando fotos da casa ou pela janela, em um diário visual com pequenos eventos e sentimentos", fala a fotógrafa, que vive com o namorado. "O mais impressionante é o silêncio. Podemos sentir a natureza tomando conta da cidade com cantos de pássaros e um verdadeiro céu azul. Apenas o som das ambulâncias nos lembra este momento sombrio", observa a fotógrafa.
Cidade Luz vazia
É primavera na Europa. A estação começou oficialmente no dia 20 de março, quatro dias antes de serem anunciados os primeiros casos da covid-19 no país – os primeiros em continente europeu: cinco pessoas que haviam voltado de viagem da China.
Nesta época do ano, em Paris, as pessoas geralmente saem às ruas para aproveitar os primeiros raios de sol depois do inverno. Nesta temporada, a cidade renasce. Brotam flores, as árvores começam a florescer novamente. O Sena deveria estar lotado de casais apaixonados, pessoas se exercitando, os cafés e livrarias também lotados. "Ainda fazia frio no início do bloqueio, mas este foi um inverno suave. Li que foi o inverno mais quente em anos", recorda.
Mas a Cidade Luz está vazia. Para sair de casa é preciso um atestado de deslocamento. Ser pego nas ruas sem esse papel por um dos 100 mil agentes de segurança acarreta uma multa de 135 euros, que devem ser pagos no momento da abordagem policial.
Para Léa, o isolamento não é o pior. Seu namorado é músico e designer de som, os dois estão acostumados a trabalhar em casa. "Temos um lugar para dormir e muitas pessoas não têm essa mesma sorte. Ficar doente pode ser bem mais agressivo", pondera. "É mais difícil com a chegada da primavera, principalmente para as pessoas que moram em um apartamento pequeno. Mas é preciso ser paciente neste momento. O mais difícil até agora foi quando meu pai caiu doente e passou uma semana no hospital.”
"Este é um vírus malicioso. Meu pai reclamava de cansaço e dores, mas não tinha febre. Não tínhamos certeza se ele estava contaminado. Pensamos que ele ficaria bem logo, pois já haviam se passado 12 dias que ele estava doente. Mas no 13º dia ele piorou bastante, tinha dificuldades para respirar", lembra. "Agora, felizmente, ele está bem e voltou para casa. Ele teve sorte de estar doente quando o hospital ainda não estava cheio."
Léa diz que não sabe se a palavra "guerra", usada por Macron, está correta. "Mas esta não é uma situação normal e todos temos de ser responsáveis por enfrentá-la. Só agora conhecemos um pouco do inimigo, mas não sabemos quanto tempo isso ainda irá durar."
Ela observa que a pandemia é assustadora por razões médicas e pela insegurança gerada por seus efeitos na economia. "Não sei se poderei continuar minha atividade", admite. "Com poucos trabalhos, estamos todos realmente frágeis no momento."
Cassiano Viana (@vianacassiano) é editor do site About Light.