selecionado: Pedro França Quando começou a trabalhar como artista, em 2011, a ideia de Pedro França era produzir imagens,...
Publicado em 18/12/2014
Atualizado às 14:58 de 13/08/2017
obra: O Cais da Última Utopia
selecionado: Pedro França
Quando começou a trabalhar como artista, em 2011, a ideia de Pedro França era produzir imagens, especialmente desenhos e filmes. Com o tempo, porém, ele percebeu que a decisão sobre o corpo que sustenta a obra também faz parte do seu processo artístico. É a partir dessa constatação que passa a desenvolver seus trabalhos sempre buscando articular “materialmente, conceitualmente, temporalmente” essas duas dimensões: imagem/suporte.
“Persigo em geral um caráter ‘autoportante’, uma espécie de autonomia ou de ‘closura’ do objeto em relação ao seu entorno”, explica França, nascido no Rio de Janeiro, mas morador de São Paulo já há algum tempo.
Em Homeroadmobie, de 2012, França já desenvolve esse “problema” dentro de um formato de cinema. Agora, com O Cais da Última Utopia (nome provisório), selecionado pelo Rumos, ele quer aprofundar os questionamentos que vêm perpassando sua arte.
A obra, como tem sido comum em sua trajetória, apresenta grandes proporções. São quatro caixas luminosas (backlights) de 2,20 metros de altura por 3,20 metros de largura cada uma. Elas podem ser exibidas em pares ou alinhadas as quatro (lado a lado) em um muro, totalizando um espaço de 2,20 por 12,80 metros. “Gosto de pensar que o trabalho é sua própria arquitetura, sua própria ‘sala’”, pontua.
Desenho e construção são feitos por França. A frente (translúcida) e o verso (opaco) são visíveis. “A superfície é de forma geral escura, com áreas luminosas atravessando-a pontualmente. Não há formas reconhecíveis, não há relação figura/fundo. Com a luz interna apagada, ela é inteiramente negra e muito espessa”, descreve. A ideia é que a obra não se pareça com nada. “Não é um desenho, não é uma figura [...]. É um estado pré-imagem.”
Como surgiu o projeto?
Pedro França cita dois outros trabalhos recentes, que de certa forma influenciaram a proposta atual. Primeiro, uma série de desenhos de florestas que ele produziu em 2012. “A relação entre eles é visualmente explícita. Acredito que o backlight aprofunda o problema essencial dos desenhos de floresta: como representar uma mata, vista à contraluz, nesse momento de dispersão visual, em que não há hierarquia entre as partes, não há centro ou periferia?”, indaga.
O segundo trabalho é a peça Cais de Ovelhas, da Cia. Teatral Ueinzz, da qual ele faz parte. No final de 2013, o espetáculo foi apresentado na Galeria Virgílio e contava com um protótipo de O Cais da Última Utopia, usado como cenário da apresentação. “Eu acredito que a ideia desse espaço indeterminado, visualmente disperso, luminoso, sobretudo sombrio, deriva e ecoa o clima geral da peça ‒ um tipo estranho de bestialidade, uma predominância de garatujas e grunhidos, e não de palavras e roteiros. Penso também (e olho muito) as gravuras de Goeldi [Oswaldo Goeldi, desenhista, ilustrador, gravador e professor brasileiro] e no tipo de paúra pré-verbal que elas incitam”, observa.
França faz questão de ressaltar também que todo o processo de concepção e produção de um artista é muito orgânico e movido pela curiosidade. “Obras de arte não podem encontrar qualquer outra justificativa fora do desejo do artista de tentar se aproximar de algum mistério no mundo ou da fé de seus espectadores/leitores de que, por algum motivo, aquilo que o artista produz pode guardar alguma relevância ‒ talvez uma espécie de memória que a obra constrói por nós”, justifica.
Início
Pedro França sempre gostou de desenhar e foi esse seu primeiro contato com a arte. Mais do que criar, no entanto, seu interesse inicial era estudar, pesquisar, escrever sobre arte.
Foi assim desde a graduação no Parque Lage, no Rio de Janeiro, até 2010, quando foi curador responsável pela programação de filmes, debates e performances da 29ª Bienal de São Paulo. Depois desse trabalho, ele decidiu mudar o foco de sua atuação e passou a produzir, dando vazão à sua arte. “Foi ótimo ter trabalhado lá, foi duro e muito proveitoso, conheci um monte de gente. Eu só não estava mais a fim de ser curador”, fala com sinceridade.
Desde 2011, França participa de mostras individuais e coletivas. Além disso, é mestre em história pela PUC/RJ e professor de história da arte no MAM/SP e no Instituto Tomie Othake, entre outros.