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Rumos 2015-2016: "Antinomies I" – a peça de mil faces

Antes de começar a explicar a dinâmica da peça “Antinomies”, composta por Rogério Duprat, o músico Itamar Vidal deixa claro: “Essa peça...

Publicado em 19/12/2016

Atualizado às 10:38 de 03/08/2018

por Jullyanna Salles

Antes de começar a explicar a dinâmica da peça “Antinomies”, composta por Rogério Duprat, o músico Itamar Vidal deixa claro: “Essa peça tem uma ambiguidade natural. É uma coisa muito organizada e bem pensada e ao mesmo tempo muito solta, livre e cheia de interação com o público”. Também compositor e arranjador, Vidal pretende – em seu projeto contemplado pelo programa Rumos 2015-2016 – executar e gravar a obra pela primeira vez.

Criada em 1962, a peça foi perdida por seu compositor em um metrô europeu. Trinta e duas esferas junto de triângulos em diferentes angulações formam uma partitura gráfica que é objeto de ódio e amor para Duprat. Vidal conta que o músico chegou a declarar alívio ao ter perdido o material, pois assim não precisaria mostrá-lo, mas que em outros momentos ele se gabava da composição e deixava claro que tinha grande admiração por ela.

O responsável por reencontrar a partitura é o também músico Ricardo Stuani, ao pesquisar o Grupo Música Nova, formado por Duprat, Damiano Cozzela, Julio Medaglia, Gilberto Mendes e Willy Correia de Oliveira. Quando Stuani mostrou o achado a Vidal, os dois decidiram buscar apoio para montar a peça, que nunca havia sido executada.

Quem foi Rogério Duprat

Nascido no Rio de Janeiro, Duprat mudou-se para a capital paulista ainda criança e, aos 17 anos, passou a receber uma educação musical formal. Fundou a Orquestra de Câmara de São Paulo e a Angelicum do Brasil e impulsionou uma nova visão sobre música com sua postura e suas composições. Vidal explica: “O irmão dele, Régis Duprat, diz que ele não tinha temperamento para ficar parado. É algo que vemos em certos compositores, uma inquietação. Ele sente uma ânsia de mudar, de trabalhar no mercado”.

[caption id="attachment_95276" align="aligncenter" width="596"]Rogério Duprat morreu em 26 de outubro de 2006, aos 74 anos Rogério Duprat morreu em 26 de outubro de 2006, aos 74 anos[/caption]

 

Diferentemente do movimento de compositores de sua época, Rogério Duprat não se limitava ao academicismo e ao tradicional. Com o intuito de atingir um público amplo, explorou a música popular e trabalhou com Chico Buarque, Gilberto Gil, Os Mutantes e outros grandes nomes do período. Ao fazer o arranjo de “Domingo no Parque”, por exemplo, inseriu elementos incomuns, como ruídos, gravações e sobreposições. Dessa forma, ambientou a canção, fazendo uma produção com tendências audiovisuais.

A escrita grafista

Essa estética que explora imagens na música – comum nos anos 1960 – se amplia em “Antinomies I”. Nas partituras tradicionais, vários códigos e expressões, como com brio e andante, foram adquirindo um significado cristalizado entre os músicos, devido aos anos de prática musical ensinada em escolas e conservatórios.

Composições modernas como essas do Grupo Música Nova foram escritas em um período no qual a linguagem estava se modificando. “Duprat e outros compositores começam a perceber que a grafia musical, cartesiana, não vinha dando conta das ideias que eles estavam tendo – a densidade, as relações com outras mídias e referências”, conta Vidal.

Surgiram então elementos distintos nas partituras. Em vez de expressões clássicas, o compositor, por exemplo, desenhou um labirinto ou uma espiral nas instruções da peça, orientando o instrumentista a improvisar ou tocar de forma não tradicional. Esse tipo de intervenção aproxima a grafia de músicas das artes plásticas e visuais.

As 32 circunferências

A partitura de “Antinomies I” explora as artes gráficas a ponto de ser considerada uma obra de arte. São 32 unidades estruturais de música escritas sem pauta, ou seja, sem o conjunto de cinco linhas que suportam as notas, as durações e os compassos. Dentro dos círculos, angulações traduzem a proporção de tempo de cada instrumento.

[caption id="attachment_97099" align="alignnone" width="295"]Antinomies; Rogério Duprat; Itamar Vidal Uma das circunferências que formam a partitura[/caption]

Uma das orientações frequentes da peça é feita com a letra T, que significa “transformar”. Essa instrução exige que o músico faça alguma intervenção livre na hora de tocar. “Isso pode ser um vibrato, um ruído junto com a nota, bater com a mão no instrumento ou qualquer coisa que não seja a forma tradicional. Esses recursos já eram utilizados na época para romper com os padrões clássicos; são chamados de técnicas expandidas ou estendidas”, fala Vidal.

Duprat prevê algumas ordens para a execução das 32 circunferências, mas elas podem funcionar em outras, ressignificando o todo. A única sequência que não deve ser seguida é a linear. A formação da orquestra também é distinta. Composta para cerca de 15 músicos, a peça possui três grupos de quatro instrumentistas e um ou mais percussionistas, além do maestro – chamado por Duprat de diretor, reforçando ainda mais a relação com a dramaturgia. Vidal conta que a percussão não tem símbolo específico, podendo tocar a qualquer momento. Os quartetos possuem afinações necessariamente diferentes, o que vai de encontro a mais um dos conceitos de execução clássica de música.

A revolução

Além de tudo o que já foi explicado sobre o conceito revolucionário da peça, existem alguns elementos centrais e conceituais que deixam as intenções de Duprat mais claras. Segundo Vidal, “essa é uma peça que ele quer que seja motivo de discussão. Não é possível ser feita sem uma grande conversa entre os músicos. O maestro não pode ditar todas as regras, muita coisa está a cargo do instrumentista”. A leitura das orientações exige uma interpretação relativa; por isso, antes de tocar todos precisam entrar em consenso.

Outro fator relevante é a impossibilidade de a peça ser executada duas vezes exatamente iguais. As transformações de cada músico, a viabilidade de alteração na ordem das estruturas, a flexibilidade no número de instrumentistas ou mesmo a liberdade plena da percussão fazem de “Antinomies I” uma obra de inúmeras possibilidades e a tiram de qualquer padrão estático.

Por último – e conversando diretamente com as características ressaltadas acima –, a composição de Duprat está em processo de construção. É possível chamá-lo de meta-autor; afinal, tanto o diretor quanto os instrumentistas têm um papel na montagem da obra que vai além da simples execução.

A primeira execução

Para montar a peça, Itamar Vidal e Ricardo Stuani estudaram o material por anos. Nesse período, exploraram o potencial de adaptação a novas tecnologias que “Antinomies I” naturalmente possui. As circunferências foram transformadas em gráficos – e essa simplificação favorece não só os músicos, mas também o público.

“Se fosse em 1962, logo na criação da peça, os músicos precisariam estar com relógio, calculadora e seu instrumento para conseguir tocar. Seria muito difícil”, explica Vidal. Além disso, se não fossem exibidas, as esferas seriam basicamente um código entre o diretor e a orquestra. A equipe pretende projetar os desenhos para que a plateia acompanhe a execução da obra, promovendo uma interação.

O projeto também prevê um suporte na internet para “Antinomies I”. Como a peça será gravada, o intuito é que as estruturas fiquem disponíveis em um site com certo grau de interatividade com o usuário, permitindo, por exemplo, a alteração da sequência.

Para tocar a obra, Vidal buscou um time de grandes instrumentistas, entre eles o próprio Ricardo Stuani e Roberto Gava – ambos já estudam o legado de Duprat e conferem uma sustentação estética e histórica à montagem da peça. Atualmente, as gravações das esferas estão sendo finalizadas e a plataforma on-line está em processo de criação. A execução de estreia da obra está programada para o primeiro semestre de 2017, e a complexidade de “Antinomies I”, mesmo depois de tanta pesquisa, ainda é algo a ser conferido ao vivo. “Nós já estudamos muito sobre ela; não é algo que eu queria amarrar. Ninguém nunca tocou, é uma surpresa”, conclui Vidal.

Veja o teaser do espetáculo aqui.

 

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