O compositor Caçapa propõe o estudo de linguagens musicais tradicionais, a construção de instrumentos e composição de peças, após uma pesquisa da linguagem musical de três gêneros tradicionais do Nordeste: a música instrumental para viola, a cantoria e o coco
Publicado em 29/08/2017
Atualizado às 17:00 de 20/08/2021
por Patrícia Colombo
Ter uma alma artística multifuncional implica uma inquietude sobre o que ainda resta para conhecer e produzir culturalmente. Caçapa – ou Rodrigo Costa Rodrigues Barbosa, segundo a certidão de nascimento – sabe bem o que é isso. Essa tentativa de cobrir um extenso território marca seu projeto aprovado no Rumos 2015-2016, O Coco-Rojão e as Violas Eletrodinâmicas, que se desdobrou no estudo da linguagem musical de três gêneros nordestinos (música instrumental para viola, a cantoria e o coco), na construção de duas violas eletrodinâmicas e na composição de faixas instrumentais.
Rodrigo é músico desde os 13 anos de idade, quando começou a estudar teoria e órgão em uma escola particular no Recife. Ele comandou alguns projetos e chegou a trabalhar como arranjador e produtor musical na década de 2000. Em 2010, passou a atuar profissionalmente como artista solo lançando seu primeiro material instrumental, Elefantes na Rua Nova, no ano seguinte.
“Eu não me vejo exatamente nem como pesquisador nem como músico, pelo menos não no sentido de ter recebido um dom divino ou talento natural, ao qual obedeço passivamente”, conta. “Muitas das minhas motivações para o trabalho de criação e pesquisa surgem frequentemente da ausência de algo que considero essencial.”
E foi justamente a necessidade de estudar de maneira mais aprofundada as gravações e partituras geradas pelas primeiras expedições de registro da música tradicional do Nordeste, realizadas na primeira metade do século XX, que proporcionou a idealização do atual projeto. Ensaios consiste em um livro digital para cada um dos gêneros, com textos e partituras analisadas e transcritas por ele a partir das gravações da época, além das fotos dos artistas registrados por essas expedições. Os conteúdos serão disponibilizados gratuitamente para leitura, visualização e download.
“A cantoria, o coco e a música instrumental para a viola são formas fundamentais para o meu próprio trabalho de composição e arranjo”, explica. Ele também andava sentindo a urgência de ampliar as possibilidades e potencializar a sonoridade das violas dinâmicas que utiliza desde 2011. “É muito comum ter dificuldades para utilizar instrumentos de cordas acústicos em apresentações com conjuntos de grande volume sonoro. Além disso, sempre quis ter a possibilidade de processar o timbre original das violas, abrindo outras possibilidades para uma linguagem tão tradicional como a da viola nordestina. Então imaginei a solução das violas eletrodinâmicas.”
Mas o que é a viola eletrodinâmica?
Caçapa explica que esse instrumento idealizado por ele combina características das violas de dez cordas, das guitarras elétricas e dos instrumentos dinâmicos. Então, das violas são preservadas as dimensões gerais do corpo, do braço e da escala, além dos encordoamentos e afinações. Das guitarras elétricas é utilizado o corpo sólido em madeira e a captação eletromagnética – sistema que precisa de eletricidade e amplificação externa para funcionar porque o volume de som do instrumento com corpo sólido é muito baixo. E aí também é embutido o sistema dinâmico criado nos anos 40 pela fábrica Del Vecchio, de São Paulo, e que é utilizado em violas e violões.
“Originalmente, trata-se de um disco ressonador de alumínio instalado dentro do corpo (oco) do instrumento acústico. Esse disco, que parece um prato raso, recebe a vibração das cordas e dá ao instrumento um som muito particular, metálico e anasalado. Como o corpo da viola eletrodinâmica será sólido, para captar o timbre dos discos usaremos apenas um captador de contato (ou piezoelétrico), instalado diretamente no prato de alumínio”, explica. “Ou seja, a sonoridade do instrumento surge da combinação destas duas captações – eletromagnética e piezoelétrica – com o modo de tocar viola cultivado na tradição nordestina e com as duas afinações que criei para meu próprio repertório.”
Divisão por etapas
Na pesquisa, o artista trabalha sozinho há mais de um ano, mencionando as dificuldades de acesso ao acervo público em consequência das burocracias estatais e das questões de direitos autorais. Na etapa de construção das violas eletrodinâmicas, os luthiers Felipe Oliveira e Fabrício Nunes, da Dunamiz Guitars, trabalham junto aos especialistas em tecnologia musical Missionário José e Paulo Assis, que estão acompanhando todo o processo com Caçapa na elaboração do Manual de Construção das Violas Eletrodinâmicas.
Em janeiro do próximo ano, o artista dará início à composição das 12 peças instrumentais para as violas eletrodinâmicas, com arranjo e acompanhamento de percussão e baixo – além da editoração/diagramação dessas partituras. Para cada uma das três etapas do projeto, haverá um documentário curta-metragem, com captação de imagens, direção e montagem do fotógrafo José de Holanda.