A antropofagia cultural foi determinante para o movimento modernista brasileiro na década de 1920. O coletivo de artistas de teatro de...
Publicado em 09/03/2017
Atualizado às 10:45 de 03/08/2018
Por Julia Alves
A antropofagia cultural foi determinante para o movimento modernista brasileiro na década de 1920. O coletivo de artistas de teatro de bonecos Pigmalião Escultura que Mexe tanto reconhece a potência criativa desse conceito que o “antropofagiza” – sarcasticamente – para retratar o modo como o Brasil é visto atualmente. Em Macunaíma Gourmet – montagem que celebra os dez anos do grupo e que conta com o apoio do programa Rumos Itaú Cultural 2015-2016 –, a intenção é trazer os paradigmas culturais do modernismo presentes na obra de Mário de Andrade para o Brasil de hoje, da polarização política e dos contrastes sociais.
“Macunaíma é uma obra provocativa por natureza. Escrita por Mário de Andrade nos anos 1920, retrata o Brasil, o brasileiro e os grandes contrastes e controvérsias, no qual vivemos. Macunaíma é o herói imoral, que tem o próprio prazer como ponto de partida de todas as suas ações. Quando pensamos em montar o espetáculo, achamos que esse era um bom suporte para falarmos sobre o Brasil de hoje, que tem todas as suas contradições escancaradas”, explica Eduardo Felix, diretor do Pigmalião. Também compõe o grupo Aurora Majnoni, Igor Godinho, Liz Schrickte, Mauro Carvalho, Marina Abelha, Diogo Netto, Cora Rufino, Marina Arthuzzi e Mariana Teixeira.
A filosofia do Pigmalião Escultura que Mexe
Na mitologia grega, Pigmalião, um escultor exímio que decidiu nunca se apaixonar, esculpe a figura de Galateia, de beleza superior à de qualquer mortal. O artista acaba caindo de amores pela sua criação. Ao observar a cena, a deusa Vênus decide transformar a escultura numa mulher, e Pigmalião se casa com Galateia.
Além do nome do coletivo de artistas aludir à mitologia grega, nas criações do Pigmalião Escultura que Mexe há uma aposta na filosofia como via de diálogo com a plateia. Ao reconfigurar as técnicas tradicionais do teatro de marionetes, o grupo explora a fronteira entre as artes visuais e as artes cênicas com a intenção de provocar filosoficamente quem assiste a ele.
[caption id="attachment_96735" align="aligncenter" width="538"] Cena do espetáculo O Quadro de Todos Juntos, montado em 2014 pela companhia Pigmalião Escultura que Mexe | Foto: Eduardo Santos[/caption]
“O grupo sempre teve como propósito, desde a sua fundação, em 2007, abordar temas filosóficos para estimular o raciocínio da plateia sobre questões que talvez ela nem se permitisse pensar livremente. A marionete tem o poder de uma metáfora e pode provocar a imaginação do público de maneira quase hipnótica, quando seus movimentos dão realmente a impressão de ela estar viva. Pensamos em usar esse poder para fazer com que o público percebesse aspectos de sua própria vida, de suas próprias opções e da forma como elas interferem nas opções dos outros”, conta Felix.
Gourmetizando Macunaíma
O “gourmet” presente no título do espetáculo já deixa claro que não se trata de uma montagem estritamente fiel à obra de Mário de Andrade. Felix explica a escolha do termo: “É interessante pensar que, no mesmo país onde se discute febrilmente a validade de programas de assistência à pobreza, exista um desejo da sociedade por um refinamento total nos produtos que ela consome. Macunaíma é aquele cara que saiu do fundo da mata virgem, onde mal tinha o que comer, e que, quando chega à cidade grande, São Paulo, só quer saber de tomar champanhe e comer lagosta. Queremos rir dos requintados gostos atuais, do estímulo ao consumismo... A publicidade e o comércio tentam nos vender caro a ideia de que quanto mais e melhor consumirmos, mais felizes seremos. É disso tudo que queremos falar”.
As etapas do projeto
Macunaíma Gourmet estreará na capital mineira em agosto de 2017. Para a preparação do corpo dos atores-manipuladores, a atriz e pesquisadora Andréia Duarte Figueiredo ministrará um workshop e oferecerá uma consultoria etnológica, compartilhando suas experiências adquiridas ao longo dos cinco anos em que viveu com os indígenas Kamayurá no Alto Xingu.
Durante o processo de montagem, o elenco fará uma investigação sonora com o músico G. A. Barulhista, que contribuirá com a criação da trilha sonora e fará o acompanhamento musical dos atores.
O Pigmalião Escultura que Mexe oferecerá ao longo do projeto duas oficinas gratuitas em Belo Horizonte. Na primeira, que acontece durante o processo de montagem, o grupo compartilhará suas técnicas e seu processo criativo em experimentações sobre a obra Macunaíma. A segunda oficina é ministrada logo depois da temporada de estreia e tem o objetivo de difundir o aprendizado adquirido no processo de montagem.
Felix conta que, apesar de ainda não ter chegado aos palcos, o espetáculo já despertou o interesse de festivais na França e na Espanha: “Ainda não sabemos se viajaremos em 2017, mas já estamos em negociação. O Pigmalião vem trilhando uma trajetória de reconhecimento em festivais internacionais, e, sabendo disso, temos uma responsabilidade ainda maior de retratar o Brasil para os estrangeiros”.