Quando se mudou para Lençóis, na Chapada Diamantina, no interior da Bahia, a cineasta e arte-educadora Renata Matos se deu conta de que a única sala de cinema da cidade havia sido desativada ainda nos anos 1970
Publicado em 23/10/2018
Atualizado às 14:36 de 30/07/2019
por Leticia de Castro
Quando se mudou para Lençóis, na Chapada Diamantina, interior da Bahia, a cineasta e arte-educadora Renata Matos se deu conta de que a cidade não contava com nenhuma sala de cinema. A única que havia na região tinha sido desativada muitas décadas atrás. Para tentar reverter uma carência de mais de 40 anos de acesso à cultura audiovisual entre a população da região, que hoje chega a 12 mil habitantes, ela criou, com o cineasta Juca Badaró e os pontos de cultura Grãos de Luz e Griô, o Cineclube Fruto do Mato, em 2017. Foram 26 sessões e debates, com mais de 2 mil espectadores e participação de cineastas como Orlando Senna, Conceição Senna, Edgard Navarro e Roque Araújo, entre outros.
A primeira edição do projeto levou à população de Lençóis filmes que contavam um pouco da história do audiovisual baiano. Neste ano, Renata conseguiu o apoio do Rumos Itaú Cultural para realizar a segunda etapa, que acontece de janeiro a agosto de 2019, com a proposta de apresentar aos moradores e aos visitantes da região filmes documentários e de ficção que debatam questões de gênero e raça. Para isso, a curadoria irá privilegiar obras dirigidas por mulheres e cujas temáticas estejam relacionadas ao feminismo e também a questões LGBTQ.
“A cinematografia baiana, assim como a mundial, é protagonizada por homens brancos, e a população de Lençóis, assim como a brasileira, é majoritariamente negra e feminina. Dessa forma, uma vez apresentada a história do cinema baiano, queremos agora trazer narrativas contadas por mulheres negras. Vamos ouvir as cineastas que estão realizando um cinema lindo, que se aproxima do público, fortalece a identidade negra e ensina às pessoas brancas como combater o racismo”, conta a idealizadora do projeto.
Entre os filmes selecionados estão O Dia de Jerusa (2014), curta premiado de Viviane Ferreira, Kbela (2015), curta premiado de Yasmin Thainá, e Café com Canela (2017), longa-metragem de Ary Rosa e Glenda Nicácio, premiado no Festival de Brasília. Nas comunidades quilombolas do Remanso e de Iúna também será ministrada uma oficina de animação em abril do próximo ano.
Todas as sessões serão seguidas de debates mediados pela equipe do projeto, e neles as diretoras poderão falar sobre suas experiências no campo audiovisual e sobre a responsabilidade do cinema na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. “O audiovisual, como trincheira de poder e de produção de significado, também se revelou uma potente ferramenta de transformação social. O cinema, como discurso que durante muito tempo esteve sob o domínio das classes mais favorecidas, hoje sofreu um importante processo de democratização, que está possibilitando novos olhares e posicionamentos narrativos sob a ótica das mulheres (feminismos) e dos negros (raça)”, defende Renata.
Além dos moradores de Lençóis e de comunidades quilombolas que englobam todas as idades (crianças a partir de 10 anos, adolescentes, jovens e adultos), o projeto pretende atender os turistas que visitam a região durante o ano inteiro.