Fazendo uso de diferentes linguagens, as propostas vêm de Manaus, São Paulo e Minas Gerais
Publicado em 06/11/2018
Atualizado às 10:43 de 26/08/2019
Ferramenta de expressão, ampliação de ideias e transformação pessoal e social, a cultura hip-hop é representada em três dos 109 projetos selecionados na última edição do programa Rumos Itaú Cultural. Do Norte do país, mais precisamente de Compensa, bairro da zona oeste de Manaus, no Amazonas, Hip-Hop – a Parada Final – Integração pretende difundir o movimento por meio de intervenções cênicas nos terminais de ônibus das zonas norte e leste da capital amazonense, alcançando também aqueles que vivem na área periférica da cidade.
“Como eu me inclui socialmente graças a essa cultura, eu vejo nela uma maneira de salvar outras pessoas. Essa é minha ideia”, conta Willacym Miguel de Souza Maia, o MC Miguel Maia, autor do projeto. Com 44 anos de idade e mais da metade inserido ativamente no movimento, Miguel vê no projeto uma oportunidade de resgatar pessoas em vulnerabilidade social assim como conta ter sido resgatado por ela: cadeirante, foi por meio do hip-hop que desenvolveu os movimentos de seu corpo ainda na adolescência, quando teve contato com a cultura pela primeira vez, por meio da dança, e que conseguiu e ainda consegue ajudar sua família. “Estar dentro de um ponto de cultura significa estar afastado de muitas coisas erradas, e é isso que proponho”, ressalta.
Vídeo da ação Hip-Hop – a Parada Final, realizada em 2016
Hip-Hop – a Parada Final – Integração amplia uma ação realizada em 2016, que promoveu apresentações de breakdancing em três terminais da cidade de Manaus. Desta vez, além dos B Boys – como são chamados os praticantes desse estilo de dança –, as intervenções preveem a participação de um DJ discotecando o que é produzido na cena amazonense, de grafiteiros atuando em tempo real e de um MC (mestre de cerimônias) para improvisar e discorrer sobre os elementos da cultura hip-hop. A ação ainda conta com uma performance de Miguel, que irá falar sobre a evolução do movimento na cidade de Manaus, dos anos de 1980 até os dias atuais. Com registros em vídeo, o projeto terá início em maio de 2019 e estará disponível ao público por meio de uma plataforma digital.
Os outros dois projetos vêm da região Sudeste. Proposto por Wagner de Oliveira, o Gaspar, vocalista e cofundador do Z’África Brasil – um dos mais antigos grupos de rap surgidos em São Paulo, da década de 1990 –, Hip-Hop Caboclo – em Busca das Batidas Brasileiras aprofundará a pesquisa iniciada em Rapsicordélico (2014), primeiro disco solo do músico, em que a poesia falada do rap se une às diferentes sonoridades regionais do país.
Uma das doze faixas do álbum Rapsicordélico
A maior diferença é que agora o estudo será empírico. Partindo de uma expedição em um estúdio móvel pelos estados da Bahia, de Pernambuco, do Maranhão, do Pará e do Acre, o projeto pretende registrar os ritmos de matrizes africanas e indígenas encontrados ao longo do trajeto e trazê-los para a capital paulista, onde um CD inédito será gravado, mixado e masterizado. “O hip-hop permite fazer misturas com ritmos de qualquer lugar do planeta. A ideia é poder conversar com os mestres de cada região e fazer um disco reverenciando essas culturas locais, populares”, resume Gaspar.
Filho de nordestinos e com um trabalho fortemente atrelado à difusão da cultura afro-indígena e nordestina brasileiras, o músico ressalta a importância de poder se encontrar com personagens da cultura popular e de vivenciar com o projeto o que antes só tinha como influência. “Hip-Hop Caboclo sai da zona sul e oeste de São Paulo, diretamente do Jardim Ângela, do Capão Redondo, do Campo Limpo, do Rio Pequeno e do Butantã, e vai com o máximo respeito atrás dessas tradições dos nossos antepassados”. Além do disco, estão previstos a produção de um documentário audiovisual sobre a etapa de captação, um evento de lançamento do CD e do documentário na capital paulista e um site, em que o trabalho realizado será disponibilizado gratuitamente.
De Belo Horizonte, em Minas Gerais, vem o último dos três projetos selecionados, Recado do Morro, que propõe a montagem do sétimo espetáculo da Cia. Fusion de Danças Urbanas, grupo surgido em 2002 na periferia da capital mineira e que tem a cultura hip-hop como berço e, ainda hoje, morada.
A peça, que recebe o mesmo título do projeto, leva o nome de um conto de Guimarães Rosa, O Recado do Morro, escrito na década de 1950. No entanto, a mensagem a ser transmitida é outra. Vindo de um morro urbano e contemporâneo – não mais do Morro da Garça, no interior de Minas, do século passado –, o recado que será encenado nos palcos agora não é mais de morte, como na história do escritor mineiro. “Na favela, ainda que, infelizmente, haja muita morte, há muito mais vida. Na favela há cultura, há alegria, há luta, há criação, há pessoas que resistem todos os dias, e esse é o recado de vida que queremos mostrar”, explica a diretora executiva do grupo, Isadora Rodrigues.
No conto, como a diretora observa, a mensagem é considerada “um conjunto de palavras sem sentido” até ser transformada em canção, sendo só assim compreendida. E é para esse aspecto da montagem que ela chama atenção. “Acreditamos nessa capacidade da arte de fazer ouvir e ver, de fazer aquilo que parece incompreensível tornar-se consciência”, pontua.
O trabalho cênico do grupo mineiro é desenvolvido com base nas técnicas e possibilidades expressivas oferecidas pelas danças de rua, dialogando, além da literatura, com outras formas de arte, como a música e as artes plásticas, junção que se materializará em Recado do Morro. Atualmente em fase de leitura e pesquisa teórica, o espetáculo está previsto para estrear no fim de 2019.