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Série de quadrinhos conta histórias reais de discriminação enfrentadas por mulheres

Os traços e os rabiscos de Laura Athayde desenham racismo, difamação, gordofobia, assédio no trabalho, abuso sexual de crianças e machismo

Publicado em 04/09/2018

Atualizado às 12:04 de 19/09/2022

Por Milena Buarque Lopes Bandeira

Os traços e os rabiscos de Laura Athayde desenham racismo, difamação, gordofobia, assédio no trabalho, abuso sexual de crianças e machismo. Aconteceu Comigo foi como a ilustradora e quadrinista resolveu nomear uma série de narrativas reais vividas por mulheres. “Eu estava entre garotas da minha idade e que conviviam nos mesmos círculos que eu – faculdade, feminismo, redes sociais –, mas que, por serem negras, cadeirantes ou fora do padrão estético, viviam experiências bem diferentes das minhas. E pensei que, se as pessoas ouvissem um pouco mais sobre vivências e dificuldades diferentes, talvez se tornassem mais sensíveis a elas”, diz Laura, explicando o início de sua ideia.

Série de HQs curtas baseadas em relatos de situações discriminatórias enfrentadas diariamente por mulheres, as histórias contadas nas tirinhas de Aconteceu Comigo são recebidas tanto pelo Facebook, na página profissional da artista, quanto por um formulário on-line anônimo. “Eu fazia quadrinhos desde 2013 e estava me familiarizando cada vez mais com essa linguagem. Já havia percebido que, por serem imagéticos e de leitura rápida, eles circulavam muito nas redes sociais e, por isso, tinham um potencial enorme de espalhar informações e ideias. Então, decidi pedir relatos através das minhas redes e transformá-los em HQs curtinhas de uma página”, conta. Selecionado pelo Rumos 2017-2018, o projeto prevê a publicação de um livro com 70 histórias.

Todo o processo de produção é feito por Laura, que compila e seleciona os relatos, desenha e, por fim, cria o texto, último item a ser inserido na HQ. “O meu processo para cada tira consiste em ler todas as histórias que me enviam, selecionar algo que eu ache interessante ou que é pouco conversado e adaptar o roteiro”, conta. “Reescrevo a história procurando manter todas as informações importantes ali. Rabisco a posição dos personagens e dos quadros e tento colocar apenas o essencial para a compreensão no desenho – novamente, para que a leitura seja rápida e ágil, sem coisas que possam confundir o leitor. Depois, passo os rascunhos para o computador e começo a pintar digitalmente.”

Apesar da complexidade dos temas, a ilustradora procura escolher, sempre que possível, o empoderamento como tom e caminho das narrativas. Numa das histórias, a personagem Mi, acostumada com serviços domésticos – “de mulher”, como diziam os pais –, se reconhece independente e manda o irmão André procurar no Google quando questionada sobre o funcionamento de uma máquina de lavar.

“Chegam várias histórias pesadas e, ainda que eu tente dar um tom otimista à série, muitas delas não têm final feliz: assédio no trabalho que termina na demissão injusta da vítima, abuso sexual de crianças não denunciado pela família, entre outras. Mesmo assim, procuro dar lugar a esses relatos também. Afinal, se é uma série baseada em histórias reais, eu não poderia deixar de fora essa parte triste da realidade em que as coisas não terminam bem”, diz. Em uma das histórias de assédio no ambiente de trabalho, ainda que a personagem escolha não processar o empregador, Laura reconhece, acertadamente, no “seguir em frente” uma postura de enfrentamento e resistência.

Legalizado no Brasil em casos de estupro, risco de vida da mãe ou de feto anencéfalo, o aborto, premente no debate público, ainda não foi abordado na série. “Isso porque é um tema delicadíssimo, tanto por motivos pessoais como políticos, e eu sei que transformá-lo em HQ exigirá muito cuidado na escolha das palavras e das imagens”, explica.

A entrega aos quadrinhos, sua antiga paixão, foi alcançada aos poucos. Antes de se dedicar ao design gráfico, Laura estudou direito. Hoje, trabalha com diagramação de livros, além de produzir tirinhas semanais e ilustrar publicações de editoras como Companhia das Letras, Record e Planeta. “Comecei a fazer quadrinhos porque gostava de ler crônicas em forma de tirinhas na internet. Comecei a fazer tirinhas sobre situações pelas quais eu passava ou sentimentos que me acometiam e, como sou mulher, era inevitável que isso perpassasse o machismo nosso de cada dia”, diz. “Tudo isso me levou a discutir mais essas situações, a perceber que outras mulheres passavam pelo mesmo e que essas histórias precisavam ser contadas. Foi justamente essa vontade de compartilhar histórias e espalhar compreensão e empatia que me levou ao Aconteceu Comigo.”
 

A estante de Laura

Mangás, publicações norte-americanas, gibis brasileiros, histórias autobiográficas, tirinhas on-line e quadrinistas independentes estão entre as referências de Laura. A seguir, um pouco do que há na estante – física e virtual – da ilustradora:

Cumbe, de Marcelo D’Salete
Pílulas Azuis, de Frederik Peeters
Sandman, de Neil Gaiman
Tintim, de Hergé
Turma da Mônica, de Mauricio de Sousa
Daniel Lopes
Diana Salu
Diego Sanchez
Felipe Parucci
Gabi LoveLove6
Mary Cagnin
 

Banca de Quadrinistas

Laura também é uma das convidadas da terceira edição da Banca de Quadrinistas, no Itaú Cultural, e expõe seu trabalho no evento nos dias 15 e 16 de setembro. Saiba mais aqui.

 

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