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Rumos Legado Teatro: Clowns de Shakespeare

Fundado em Natal (RN) em 1993, o grupo Clowns de Shakespeare tem como linha principal a pesquisa teatral continuada e a comicidade na...

Publicado em 11/02/2015

Atualizado às 21:04 de 02/08/2018

Fundado em Natal (RN) em 1993, o grupo Clowns de Shakespeare tem como linha principal a pesquisa teatral continuada e a comicidade na obra do dramaturgo William Shakespeare. Seus integrantes trabalham também a presença cênica do ator, a musicalidade e o corpo, além do teatro popular de forma colaborativa. O grupo participou de festivais nacionais e internacionais importantes.

Esta entrevista foi cedida pelo fundador, integrante e diretor artístico Fernando Yamamoto.

Observatório: O Clowns de Shakespeare participou do edital Rumos Teatro, do Itaú Cultural, em 2010. A premissa do edital era o envio de projetos que visassem ao convívio, ao compartilhamento de formas de criação entre dois grupos de teatro e ao desenvolvimento de pesquisas na área. Assim, surgiu o projeto chamado Conexões Música da Cena, que vocês desenvolveram com o grupo Ói Nóis Aqui Traveiz (RS). A proposta desse projeto prevê atividades relativas à investigação da linguagem musical no teatro e um mapeamento dos profissionais ligados à produção musical para cena no Brasil. Você poderia comentar um pouco mais sobre o resultado dessa pesquisa e as influências, se houve, na atuação do grupo?

Clowns de Shakespeare: O Música da Cena foi um projeto que surgiu com dois propósitos: aprofundar e sistematizar nossa pesquisa musical, que é um traço muito forte da nossa poética, e, principalmente, estreitar laços com o Ói Nóis, que é um dos grupos mais importantes do país, com quem alguns de nós tínhamos relação e com quem desejávamos criar uma maior aproximação. A música, portanto, foi um provocador de uma relação muito mais ampla de trocas estéticas, afetivas e de pensamento. O edital Rumos Teatro foi a oportunidade que esperávamos, já que foi inédito no país um programa que pensasse o financiamento de trocas, algo que em geral oferecemos como contrapartida de projetos de montagem e, principalmente, de circulação, mas que nunca antes teve um mecanismo de financiamento que colocasse esse importante traço da pesquisa teatral brasileira em primeiro plano, e não como uma atividade paralela, adicional. Para nós, esse tipo de troca sempre foi a essência do teatro que fazemos e no qual acreditamos, então a ideia em si não foi transformadora. No entanto, pela primeira vez tivemos esse nível de troca possível, com uma visita presencial de cada grupo no espaço do outro, intercambiando procedimentos criativos, conhecendo as formas de gestão e criação cênica, num grau de aprofundamento que não tínhamos vivenciado até então.

Você acredita que mais editais que estimulam esse tipo de compartilhamento entre grupos e a pesquisa ajudam no processo de formação dos integrantes do grupo? Como?

Sem nenhuma dúvida. Posso afirmar com toda a certeza que as trocas são a grande escola dos integrantes do grupo. Acreditamos no grupo (não só o nosso, mas os grupos em geral) como espaço de formação, como o local que possibilita uma experiência que nenhum espaço pedagógico formal teria a possibilidade de oferecer. No entanto, em geral essas experiências de compartilhamento acabam sendo muito rápidas ou então camufladas nos processos criativos, o que acaba colocando a formação como uma consequência, e não muito como um objetivo. Num projeto como esse, pensado com foco na troca e na formação – assim como nosso projeto do atual edital Rumos –, as possibilidades de crescimento são ainda maiores.

Nos anos 2000, o grupo desenvolveu um projeto chamado Unidade de Palhaçada Intensiva (UPI), que consistia em visitas semanais dos doutores-palhaços em dois hospitais públicos em Natal (RN). Com essa ação, o trabalho artístico do grupo se fortaleceu na linguagem do clown (clown se traduz por palhaço de palco ou circo, na linguagem do espetáculo. Essa ação ainda está sendo realizada e quais são os principais frutos dessa experiência para o grupo e para a população local?

Infelizmente esse projeto durou apenas dois anos. Foi uma experiência muito marcante, em diversos aspectos, e com a qual atingimos resultados incríveis, tanto no âmbito artístico quanto nos ganhos com nossos pacientes – crianças internadas, pais, funcionários e classe médica. No entanto, o plano de saúde que mantinha o projeto teve um mudança de diretoria e a primeira coisa que fizeram foi acabar com todas as ações da gestão anterior. Com isso, a UPI foi desativada. Tentamos manter o projeto voluntariamente, enquanto buscávamos outro patrocinador, mas em poucos meses entendemos na pele o porquê de um projeto dessa natureza precisar ter uma estrutura profissional de suporte, e não o amadorismo voluntário: como tínhamos dia e horário fixos em cada ala que visitávamos, era muito comum, ao chegarmos, as crianças sempre estarem de banho tomado, “prontas” para receberem os doutores-palhaços. Havia nelas um desejo de estar mais dispostas e saudáveis a cada semana para aproveitar melhor nossa visita, essa vontade de potência era um dos pilares de nosso trabalho. No entanto, nesse período em que nos tornamos “amadores”, eventualmente outros compromissos profissionais nos faziam cancelar visitas, e isso acabava tendo um efeito contrário. A assiduidade era um elemento básico para o funcionamento do projeto, e assim tivemos de parar com ele. Foram dois anos de muito crescimento artístico para o grupo, a experiência de ter de colocar o nariz duas, três vezes por semana e se deparar com situações das mais tranquilas às mais delicadas, como ter de “se despedir” de um paciente antigo à beira da morte, isso gerou um crescimento enorme na nossa prática da “clowneria”, levamos muito desse aprendizado para o palco.

Como funciona o processo criativo e a formação de público do Clowns de Shakespeare em relação à enorme oferta de comédia nas mídias e à facilidade de divulgação na internet?

Acreditamos que o teatro de pesquisa, de grupo, anda na contramão das formas artísticas que se valem de lógicas industriais. O nosso fazer é artesanal, contraproducente, é trabalho de formiguinha. Claro que tentamos ampliar o alcance de nosso trabalho sempre, mas a comparação entre nós e esse tipo de entretenimento não se aplica, são planos paralelos. Ultimamente, temos investido muito na permanência do grupo em Natal, coisa que raramente acontece, já que estamos sempre em circulação fora. Nesse investimento, uma das facetas mais caras a nós é o trabalho de inserção no bairro de Nova Descoberta, onde fica o Barracão Clowns. Nova Descoberta é um bairro muito bem localizado, porém parece uma cidadezinha do interior incrustada no meio de Natal, como se atravessássemos um portal para uma dimensão desligada do resto da cidade. Esse trabalho corpo a corpo, de transformação do outro e de nós mesmos, é o que tem mais nos interessado.

O Ministério da Cultura aprovou o benefício Vale-Cultura, no valor de 50 reais mensais. Em paralelo, vocês têm o espaço Barracão Clowns, que utilizam para apresentações, cursos, oficinas etc. Você já consegue perceber se esses benificiários estão gerando novos públicos para esse espaço?

Infelizmente, o Vale-Cultura é inexistente para nós. Não tenho conhecimento de nenhum espaço em Natal que se beneficie dele. O dinheiro é a ponta do processo, mas, se não for feito um trabalho anterior, não haverá necessidade criada para o uso desse vale na arte.

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