Acessibilidade
Agenda

Fonte

A+A-
Alto ContrasteInverter CoresRedefinir
Agenda

Artistas Mulheres Contemporâneas no Acervo: as narrativas de Vânia Mignone

A artista se abre ao que cada invenção pede e aos afetos que os materiais trazem, e assim cria obras que têm o potencial de contar histórias

Publicado em 27/08/2020

Atualizado às 17:37 de 16/08/2022

Artistas Mulheres Contemporâneas no Acervo destaca produções de criadoras presentes na coleção de obras de arte do Itaú Cultural. A cada edição da série, uma conversa sobre trabalhos com temáticas e estilos variados, buscando ampliar horizontes. Siga aqui pelo site ou no nosso perfil no Instagram.

Vânia Mignone
A Praça, 1999
acrílica sobre madeira
60 x 60 cm
Acervo Banco Itaú
Imagem: Sergio Guerini/Itaú Cultural

Por Duanne Ribeiro

Vânia Mignone virou artista por causa de um susto. Em entrevista à 33ª Bienal de São Paulo, ela contou que, ao visitar o Museu de Arte de São Paulo (Masp) pela primeira vez, quando ainda era graduanda em publicidade, encontrou um quadro de Paul Gauguin (1848-1903) – pintor francês que já havia conhecido por meio de um fascículo de revista – e foi um baque,

porque eu vi ali a tela, que era [feita de] um tecido muito rústico – talvez um saco mesmo que ele tenha usado para pintar – [e havia] lugares onde a tinta estava muito empelotada, [com] várias camadas, uma em cima da outra, [havia] lugares em que a tinta estava ralinha, [em] que você via a tela... [havia] resquícios... acho que de areia... Eu falei: “Meu Deus! É tão bonito quanto o outro que eu conhecia, mas ele é próximo!”.

Próximo, porque Vânia pensava mais ou menos que a pintura, que os artistas dos museus eram coisa de outro mundo – algo que muitos de nós podemos experimentar, pois as artes visuais por vezes podem parecer muito sofisticadas, inatingíveis. Com aquela tela do Masp, isso se quebrou: “Se o Gauguin fez, está no museu e é tão maravilhoso para mim, eu posso também fazer!”.

Assim, não por acaso alguns elementos do estilo de Gauguin podem ser reencontrados na obra de Vânia. No contato inicial com ele, admirou "o colorido forte [e] os traços pretos, que hoje aparecem no meu trabalho", e, no museu, podendo ver as materialidades que o impresso não deixava perceber, se apaixonou de novo: “Eu gosto dessa dificuldade, dessa irregularidade. Para mim, parece que o trabalho fica mais quente, mais próximo; cria esse laço de afetividade”.

Será que A Praça, obra de Vânia que exibimos aqui, pode lhe falar assim de perto também? Como o fundo rubro manchado irregularmente com tons escuros atinge você? E a árvore à esquerda, sua copa feita com pinceladas de um branco turvo, rarefeito em vários pontos? Procure livremente o que o faz se maravilhar: não há um sentido fechado, nem mesmo para a artista – ela conta que produz seu trabalho “de memória”, sem esboço, e enfatiza que segue o que a criatividade pede a cada vez.

Seguindo os laços de afeto que o quadro pode sugerir, poderíamos dizer que esse vermelho traz uma tensão muito contrária à expectativa de calma que evoca uma praça; e esses troncos pretos – cor bastante usada por Vânia, um costume herdado da sua prática com xilogravura – não são comuns, reforçam o contraste com o fundo e a ausência do verde. O que se passa nessa praça? Se nos envolvemos a ponto de fazer essa pergunta, achamos outra qualidade das telas de Vânia.

“O eixo central de sua pintura é a narrativa”, afirma o livro Pintura Brasileira do Séc. XXI (citado aqui), “que se constrói a partir de figuras, palavras e objetos equilibrados sem hierarquias” e com “um repertório de personagens, artefatos e artifícios mundanos”. Toda uma iconografia em que

o tratamento firme da tinta estabelece um fundo consistente; um terreno de possibilidades sobre o qual imagem e linguagem se retroalimentam, tecendo a trama narrativa. Resultam pinturas inconfundíveis, de paleta forte porém econômica, para que a variação de cores não perturbe a história evocada.

A artista narra: “Às vezes as pessoas entram em uma exposição minha e falam: ‘Olha, quase consegui fazer uma história com todos os trabalhos'”. Ela nota nisso um exemplo do “parentesco” da sua obra com as histórias em quadrinhos, uma influência sua ao lado do cinema, da fotografia, da poesia concreta e dos outdoors publicitários. Para mim, A Praça sugere um filme de suspense; é um dia frio, cai um pôr-do-sol sangrento, alguém vai chegar, algo vai acontecer. E para você?

Vânia Mignone é pintora e gravadora. É graduada em publicidade e propaganda pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas) e em educação artística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Inicia a atuação em artes visuais com xilogravura, para depois trabalhar com a pintura e com colagem ­– recorrendo ainda a recursos daquela primeira prática (nesta entrevista, ela comenta suas técnicas). Saiba mais sobre a artista na Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.

Compartilhe