Quais são os sentidos dessa cor das imensidões? Em obras de Adriana Varejão, Sandra Cinto, Ademar Manarini, Eduardo Coimbra e T. Sydenham encontramos alguns deles
Publicado em 15/07/2021
Atualizado às 17:02 de 16/08/2022
Cores é a sexta série produzida aqui no site que destaca produções de artistas presentes na coleção de obras de arte do Itaú Cultural. A cada publicação, são apresentadas obras variadas, mobilizadas por uma cor primária. Siga esse ciclo também pelo Instagram.
por Duanne Ribeiro
Você concorda com Djavan que o amor é azulzinho? Em “Azul”, o cantor se pergunta sobre a origem da cor do céu (Deus ou os olhos da amada?) e, quando a noite faz o firmamento escuro, busca, no oceano, um cheiro do pigmento celeste. E pede a alguém: apresse-se, até o fim da madrugada informe ao meu bem que o amor é da tonalidade que o nascer do sol devolve ao mundo. Você concorda? O céu e o mar têm a cor do amor?
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O mistério desse verso – que também podemos ouvir na voz de Gal Costa e Fernanda Abreu – é, claro, atribuir coloração a um sentimento ou sugerir que a tonalidade abriga um afeto: “Essa cor não sai de mim, bate e finca pé a sangue de rei”, diz o poeta. Porém, se nessa canção o azul se encontrou com o amor, em outras criações outros sentidos se elaboram. Acima, exibimos encontros com o azul, em obras de Adriana Varejão, Eduardo Coimbra, T. Sydenham, Ademar Manarini e Sandra Cinto. O que elas nos inspiram?
Com exceção talvez de um deles, esses artistas têm os olhos voltados para as imensidões de que falamos no início. T. Sydenham, a partir de desenhos feitos em 1795 pelo seu irmão B. Sydenham quando ancorado à Baía da Guanabara, exibe o Rio de Janeiro. O pintor fez duas aquarelas; estas, 17 anos depois, dariam origem às gravuras com as primeiras imagens dessa parte da costa brasileira divulgadas aos ingleses. No céu, o azul é clarinho, pouco se destacando ao lado das volumosas nuvens. No mar, é escuro, quase preto.
Compare com o trabalho de Sandra Cinto, que apresenta tema e perspectiva análogos. A abóbada celeste aparece esquematizada em faixas retangulares azuis de tom cada vez mais intenso até serem sobrepostas por um adensamento de ondas, convoluto, cheio de curvas e composto de linhas brancas finas, preenchido de azuis claros e escuros. Tudo se passa como se a paisagem – informativa e plácida em T. Sydenham – fosse traduzida pelo seu impacto duplo: acima, o estático – o eterno?; abaixo, a movimentação – o devir?
Já Eduardo Coimbra e Adriana Varejão capturam frações desse panorama. Nuvens, azul e brilho são, em Luz natural, de Eduardo, blocados verticalmente por tubos de acrílico e lâmpadas fluorescentes, exibidos em alto e baixo relevo – a fotografia, em si um recorte, é recortada de novo, como diz a crítica Glória Coimbra: “Submetida a um corte serial, a imagem do céu cria a ilusão de uma unidade construída por fragmentos do fragmento”. Essa “serialidade”, adiciona ela, “indica a possibilidade de reconstruirmos mentalmente o contínuo infinito do céu”. Temos os bocados; a transcendência é por nossa conta.
Adriana, por sua vez, encapsula ondas em óleo, gesso e tela. Nos Azulejões, as curvas da água e da espuma (entremeadas com figuras que não lembram tanto o mar...) colocam-se uma ao lado da outra como uma quebra-cabeça incoerente – nesse trabalho, talvez haja pelo contrário a impossibilidade de “reconstruirmos o infinito”. Significativo nele é também a referência aos azulejos, técnica antiga de decoração. Para o crítico Luiz Camilo Osorio, “esse diálogo com a tradição – com a azulejaria, com a pintura, com o belo –”
[...] se apresenta sem uma dimensão histórica sedimentada; ou seja, à revelia das suas motivações, trata-se de expor um passado esterilizado, sem tempo e sem exemplaridade, que expressa o próprio fim de uma certa ideia de História.
É Ademar Manarini quem destoa um pouco dessa temática. O azul ocupa todo o espaço da fotografia, interrompido por árvores translúcidas ou em tons marrons. Vemos essa justaposição dos galhos – intrincada como as águas de Sandra – contra o céu, refletido na água? Só sabemos do efeito da cor e das formas. “As imagens de Manarini”, definem os pesquisadores Helouise Costa e Renato Rodrigues, em A fotografia moderna no Brasil (referido aqui), “são feitas de texturas, sombras e áreas de luz que se interpenetram continuamente. Poderíamos dizer que são gravuras em que a matéria-prima é a luz”.
Os sentidos do azul ao longo da história foram e continuarão sendo diversos – para os romanos, marcava os olhos de bárbaros; na Idade Média, era a cor da roupa dos pobres. “Tudo azul”, como canta a Velha Guarda da Portela, quer dizer “tudo bem”; já em inglês “to feel blue” é sentir-se triste... Nas obras pelas quais passeamos, a cor parece ligada ao tempo, ao que nos engloba, ao que muda sempre e o que nunca muda. Tudo acumulado, podemos retornar à pergunta inicial: corre, vá dizer a alguém o que, a você, o azul é...