As paisagens de Inimá encarnam seu estado de espírito – seu silêncio, sua reserva – e dão menos atenção à figura humana: nelas, os panoramas, as cidades e as cores se sobressaem
Publicado em 08/10/2020
Atualizado às 17:29 de 16/08/2022
Cidades destaca produções de artistas presentes na coleção de obras de arte do Itaú Cultural. A cada edição da série, uma conversa sobre trabalhos com temáticas e estilos variados, buscando ampliar horizontes. Siga aqui pelo site ou no nosso perfil no Instagram.
Inimá de Paula
Vista de Ouro Preto, 1962
óleo sobre duratex
77,5 x 101 x 3 cm
Acervo Banco Itaú
Imagem: João Luiz Musa/Itaú Cultural
Por Duanne Ribeiro
Bem mineira, Ouro Preto está silenciosa e séria, mas, ainda assim, contente. Vem vestida com a cor de seu autor, o pintor e desenhista Inimá de Paula (1918-1999), descrito pelo crítico Quirino Campofiorito como “caladão e circunspecto”, sujeito que ria quase nada, mas não chegava a ser sisudo – tinha mais “um ar de quem está pensando em coisa muito diferente daquilo que se está passando junto de si”. Quirino define: Foi “mineiro, e bom mineiro”, e sua “atitude artística” era “bem essa que vai na descrição do seu comportamento”. Por isso, Ouro Preto está quietinha...
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Podemos mesmo reencontrar os sentimentos de um artista por meio da obra? No caso de Inimá, essa ponte parece particularmente possível. Com base no historiador da arte Frederico Moraes, o pesquisador José Júlio César escreve: nesse pintor, “firma-se na obra o próprio estado de espírito do artista, este sim um elemento reconhecível e identitário na pintura de Inimá, mas de difícil definição”. Assim, no recorte que fez da cidade, nas linhas e pinceladas, nas cores, nisso tudo descobrimos uma personalidade e uma ética. José também anota que Inimá
procurava em suas paisagens aproveitar ao máximo a atmosfera de silêncio e, assim, transmitir um sentimento de vazio, de imobilidade do tempo e indicar pela ausência, isolamento e solidão das figuras humanas a simples e profundamente existencial persistência da vida cotidiana.
Na Ouro Preto que trazemos para cá, a opção foi pela ausência. A rua, coberta de pedras pretas, está desabitada entre as casinhas; às portas e às janelas também não há ninguém. Ao Jornal da Tarde Inimá indicou ser essa a sua preferência: “Às vezes coloco gente nas minhas paisagens e sempre por problemas de composição e quando elas são absolutamente indispensáveis. Mas, de qualquer maneira, a paisagem é sempre maior e mais forte que o homem nas minhas telas”.
Sendo assim, procuremos a força toda dessa Vista de Ouro Preto nas suas residências solitárias, no seu céu nublado, nas suas montanhas onduladas, na sua igreja longínqua e ainda imponente. Principalmente, nas suas cores – outro aspecto importante em Inimá. O artista é chamado de “o fauve brasileiro”, pois sua pintura se aproxima do fauvismo, estilo artístico do começo do século XX em que a cor tem um papel proeminente. Fauve significa fera em francês – os pintores dessa corrente foram tachados de animais selvagens por um crítico e gostaram do apelido.
A obra da fera brasileira, Inimá, é de “cores fortes e vibrantes”, fala a Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras – temos nos seus quadros uma abundância:
São vermelhos, azuis, amarelos e verdes que parecem puros e são inscritos na tela com movimentos vigorosos. [...] Como na marinha Pequeno Porto (1987), toda de cores intensas, ou ainda em alguns auto-retratos, em que traços vigorosos e cores sombrias conferem perturbação à figura. [...]
Inimá também realiza obras em que os brancos e cinza dominam. Seja nas paisagens urbanas de Santa Teresa, seja nas marinhas cearenses, ou mais tardiamente nas vistas mineiras, o branco é utilizado como cor, conferindo ainda mais tranquilidade às cenas já praticamente desprovidas de ação.
Na nossa Vista de Ouro Preto, assim como em Paisagem de Ouro Preto, a cor branca se destaca, ao lado do azul e do verde. Paisagens de cores frias, essas representadas por Inimá: passeando os olhos por elas, passeamos por elas com ele, talvez compartilhando um pouco de uma vivência que o pintor trouxe consigo desde os 7 anos de idade. Relata José:
Marcado (talvez definitivamente) pela perda da mãe e por uma certa ‘inquietude interior’ notável a todos a sua volta, costumava vagar disperso e só pelas ruas de Mutum (MG), onde demorava horas a fio contemplando as paisagens e as distâncias que, de alguma forma, lhe provocavam uma desconhecida e repousante sensação interior.
Inimá de Paula pintou, além de paisagens, retratos, naturezas-mortas e composições abstratas. Seus quadros, ademais do fauvismo, têm traços do expressionismo, do cubismo e do informalismo. Nascido em Belo Horizonte (MG), atuou também no Rio de Janeiro (RJ) e em Fortaleza (CE), com exposições em outros estados do Brasil e no exterior. Na capital mineira, sua memória é mantida pela Fundação Inimá de Paula, que administra o museu de mesmo nome. Na Enciclopédia, veja outras obras do artista, por exemplo, Forte de Salvador e Paisagem de Diamantina.