Educador do Itaú Cultural fala sobre a 45ª homenageada do programa Ocupação
Publicado em 13/10/2020
Atualizado às 17:28 de 16/08/2022
[Este texto integra uma série de relatos produzidos por integrantes da equipe de atendimento educativo do Itaú Cultural. Nesses relatos, cada educador comenta sua experiência relacionada a uma exposição apresentada no IC, destacando três das obras presentes na mostra.]
por Lucas Batista
Quando pensamos em espaços expositivos, o que nos vem à cabeça é um lugar silencioso, cheio de quadros, pedestais para esculturas, gavetas, vidros, paredes lisas e chão claro – o famoso cubo branco. Esse tipo de ambiente, bastante difundido no modernismo, permeia o imaginário de muitas pessoas ainda hoje. Não nos cabe aqui falar sobre as vantagens e os problemas que ele pode acarretar, mas uma coisa é certa: uma mostra sobre Lydia Hortélio teria bastante dificuldade de se adaptar a um lugar assim. Teriam que ser contidas toda a força e a alegria que essa personalidade possui e seria bastante complexo falar, dessa forma, sobre a magia da infância. Na 45ª Ocupação Itaú Cultural, ocorrida em 2019 no Itaú Cultural, esses elementos estavam todos presentes. Lydia é uma educadora baiana de 88 anos, com uma pesquisa extensa a respeito do que podemos chamar de cultura da infância, ou seja, um conjunto de atividades, ações, brincadeiras, brinquedos e cantigas, entre outras coisas, que povoam o universo infantil.
Logo na entrada da exposição, já podíamos ver que o espaço nos oferecia interações diversas. A logomarca da Ocupação foi construída com letras interativas: elásticos, roldanas, fios e encaixes permitiam o brincar. Para entrar no espaço, as pessoas podiam escolher entre a entrada comum e uma cama de gato de elásticos (brincadeira que costuma ser feita com barbantes nas mãos). Felizmente, muitas pessoas optavam por entrar e sair através do emaranhado de elásticos. Como educador naquele espaço, digo que essa entrada diferente era ótima e mexia com os visitantes mais do que eu poderia imaginar. O humor das pessoas mudava, a postura do corpo mudava, o coração e a mente pareciam estar mais abertos para aquela experiência tão divertida, profunda e leve. O primeiro objetivo foi alcançado: brincar! O aprendizado viria como consequência.
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Senti a mostra como uma tentativa pertinente de comunicar ao público a grandeza da vida e do trabalho de Lydia. Em meio a cantigas, bonecas de pano e barquinhos, tínhamos ainda mandalas, amarelinhas, cirandas, fotos de família, declarações e lembranças. Eram não só recordações da homenageada, mas também aquelas que fazem parte da formação da nossa cultura. Coisas que nem sabemos que sabemos, coisas que não nos lembramos quando foi que aprendemos. Brincadeiras como amarelinha, pular corda e o jogo das cinco pedrinhas (ou cinco marias) fizeram e fazem parte da infância de muitas pessoas, inclusive da minha. Redescobrir essa brincadeira das cinco pedrinhas, por exemplo, foi algo que me tocou: a partir disso, pude dialogar e me conectar com os diferentes públicos de maneira potente. Em vários momentos, ficava brincando com as pedrinhas no chão do espaço expositivo, jogando-as para cima, tentando pegá-las e me lembrando da dificuldade que tinha com aquilo na infância (e que continuei tendo na vida adulta).
Muitos se aproximavam curiosos, alguns me contavam como brincavam quando eram crianças, outros me pediam para ensiná-los. Boa parte do público se juntou a mim na tentativa de jogar uma pedrinha para o alto enquanto pegava outra que estava no chão. Começar uma mediação por meio da brincadeira se mostrou um modo lindo de me relacionar com os visitantes. A quantidade de adultos que se dispuseram a brincar e compartilhar memórias foi surpreendente. Houve quem me contasse que fazia anos ou mesmo décadas que não se punha a sentar no chão e brincar. As crianças também se mostraram muito abertas a ouvir e aprender acerca de brinquedos de que nunca tinham ouvido falar. Brincando, conversávamos sobre jogos, cantigas e, claro, as vivências e histórias de Lydia, com seus cadernos cheios de anotações e fotos incríveis mostrando inúmeros jeitos de se divertir.
Uma das experiências mais mágicas naquele espaço foi ver a interação e a troca de ensinamentos não somente das crianças com sua família, mas entre as crianças que tinham acabado de se conhecer. Também os adultos ensinavam outras formas de brincar para mim, para outros adultos e para a grande quantidade de crianças que iam (e, geralmente, voltavam) para a exposição. Com certeza, poder conversar com as pessoas a partir do universo da infância e de Lydia Hortélio me ensinou muitas coisas e me tornou um educador melhor. Em especial, carrego comigo um aprendizado da mestra homenageada: brincar para ser feliz – essa é e tem que ser a motivação inicial e principal.
Sobre mim
Lucas Batista é educador no Itaú Cultural desde abril de 2019. Possui bacharelado e licenciatura em artes visuais. Atualmente, além do trabalho e de pesquisas no campo da educação, dedica-se a estudos relacionados ao desenho e à ilustração.